Cristãos e as eleições #3: a voz dos que não podem se defender

*Desde a semana que compreendeu o dia 6 de abril – quando faltavam exatos 6 meses para as eleições municipais de 2024 (6 de outubro) – a coluna Fé Pública tem publicado uma série de artigos denominada “Cristãos e as eleições”. Semanalmente, são postados textos nos quais pastores e demais líderes abordam aspectos bíblicos que consideram necessários para cristãos levarem em conta na hora de escolherem seus representantes. 

Vote em Neemias!, por Gustavo Siqueira*

Neemias foi um governador de Jerusalém por 12 anos (Capítulo 5.14), numa época de grande crise, necessidade e reconstrução. Ele foi exemplar nesta função, por isso separamos algumas características deste importante personagem bíblico, retiradas do capítulo 5 do livro que leva o seu nome.

Na época de Neemias, haviam pessoas pobres, injustiçadas, abandonadas pelas autoridades, pessoas sujeitas a toda sorte de abusos, assim como infelizmente ainda é nos nossos dias. E este personagem surge como um grande reformador não apenas das estruturas materiais da cidade, mas gerando também reformas espirituais, morais e sociais naquela sociedade que voltara do exílio babilônico.

Na História da Igreja, o envolvimento de cristãos com questões políticas vai além do que houve na Idade Média, quando a igreja da época tornou-se rica, opressora e corrupta. Temos bons exemplos na nossa História recente, como William Wilbeforce, que foi um político britânico e líder do movimento abolicionista inglês, sendo decisivo no parlamento para a abolição da escravidão. Assim também, Abraham Kuyper foi um pastor que se tornou um governante na Holanda atuando na esfera pública com valores baseados no Reino de Deus.

Como disse anteriormente, tempos de crise e desigualdades sociais sempre existiram, mas, infelizmente, são poucos os políticos cristãos que conseguiram e conseguem ir além dos padrões de suas épocas, e que de fato sinalizam o Reino de Deus em suas funções como governantes.

Mas quais características fizeram com que Neemias se tornasse um líder político que reverberou em sua gestão os valores do Reino de Deus?

1. Neemias estava no meio das pessoas

Neemias conhecia as demandas reais do povo. Não ficou em um palácio enquanto seu povo era escravizado (1:5), pelo contrário, ele ouvia as inquietações dos seus irmãos (5:1).
Ele doava de seu próprio bolso para desfazer as injustiças:

Nós, de acordo com as nossas posses, resgatamos os judeus, nossos compatriotas, que foram vendidos aos gentios
Neemias 5:8

Também eu, os meus companheiros e os meus servos lhes demos dinheiro emprestado e trigo
Neemias 5:10

Ele baixou os impostos que, para um povo muito necessitado, eram abusivos (v. 14). Ele trabalhou com suas próprias mãos, assim como o povo, para reconstruir o muro (v. 16). Cento e cinquenta (150) pessoas comiam a sua mesa (v. 17).

Neemias tinha fome e sede de justiça e fez com que a lei do Senhor fosse cumprida.

2. Ele era sensível aos clamores de seu tempo (1.4; 5.6)

“Quando ouvi estas palavras, eu me sentei, chorei e lamentei por alguns dias”
Neemias 1:4

“Fiquei muito irritado ao ouvir estas palavras e o clamor deles”
Neemias 5:6

Curioso como sensibilidade nos dias de hoje pode soar como fragilidade, porém não é isso que nos ensina o Senhor Jesus, Aquele que foi Homem Perfeito, 100% homem e Deus ao mesmo tempo, que chorava, que se sensibilizava, que se deixava tocar pela dor do outro.

Quando Jesus ensina: “Bem aventurados os que choram, pois serão consolados” (Mt 5.5). Ele se refere àqueles que por terem sido de fato transformados por Ele são capazes de perceberem as misérias de seu próprio coração e dos que o rodeiam, e, por isso, choram.

Se o seu pecado não te faz chorar ou se as dores do outro não te fazem chorar é sinal de que Jesus não é o seu Mestre ainda. Se as injustiças, corrupções e desigualdades são normais para você e não te fazem lamentá-las ou lutar contra elas, é porque Jesus não é o seu Mestre ainda.

Precisamos de políticos que sejam sensíveis aos clamores de nosso tempo.

3. Ele era temente ao Senhor

Disse mais: — Não é bom o que vocês estão fazendo. Não é fato que vocês deviam andar no temor do nosso Deus, para evitar a vergonha diante de nossos inimigos, os gentios?
Neemias 5:9

O argumento que ele usa para que os ricos parassem de explorar os pobres é “o temor do Senhor” e evitar que os gentios escarnecessem de Deus.

Creio que estes argumentos são válidos ainda para nós, mas nós temos uma vantagem em relação a eles: NÓS TEMOS A REVELAÇÃO COMPLETA! E nela somos chamados a não apenas viver de modo que não envergonhe o nome do Senhor, mas a vivermos para Sua glória com todas as nossas atitudes. Devemos fazer as coisas como se estivéssemos fazendo a Deus.

Porém, no mesmo NT temos a advertência de Paulo: “O nome de Deus é zombado entre os gentios por causa de vocês” (Rm 2.24). Infelizmente, esta advertência ainda faz sentido em muitos políticos que se dizem cristãos e arrancam votos em nome de Jesus.

Se formos votar em algum político e ele for cristão, devemos nos certificar que o nome de Deus não está sendo zombado por causa dele compactuando com as injustiças deste mundo.

4. Ele não normalizou o mal que era feito

Os pobres estavam hipotecado suas terras para conseguirem comer e pagar os altos impostos. Os pais estavam vendendo seus filhos e filhas como escravos para conseguirem subsistir (4 e 5).

Neemias não passou pano na prática injusta dos ricos, mas os repreendeu e fez o necessário em favor dos que precisavam.

Para finalizar é bom lembrar os ensinamentos da mãe do rei Lemuel de como um governante deveria se portar:

“Fale em favor daqueles que não podem se defender; garanta justiça para os que estão aflitos. Sim, fale em favor dos pobres e desamparados, e providencie que recebam justiça”
Provérbios 31:8-9 NVT

Tempos atrás conheci uma família de quatro pessoas no Morro do Macaco, em Vitória. Dois adultos e duas crianças que moravam num cômodo em condições de grande privação, sem terem nem mesmo um banheiro para fazer suas necessidades. E assim como esta família, existem muitas outras em nosso país.

Minha oração é que os crentes em Jesus não votem em um candidato apenas por dizer que “crê em Deus”, mas que possam escolher líderes como foi Neemias, políticos que ouçam os clamores de famílias como estas e falem em nome destes que não tem voz, que conheçam as reais necessidades de sua época e sejam sensíveis a elas, servindo a Deus e às pessoas com sua atuação pública.

*Gustavo Siqueira é pastor, teólogo e professor de História