Seus dias ficaram cinzas. Não é clichê, para ele o mundo era feito somente por uma paleta opaca de cor cinza. Seus olhos dirigiam-se para baixo como quem, com lanternas, quer iluminar os passos em uma noite de lua minguante. Sua voz emudecera, já não via motivos para cantarolar. Dia desses sua mãe o viu bambolear os dedos no cós da bermuda, como quem desejava encontrar um abrigo fofinho entre o abdome e o seu jeans. Já não sentia prazer na gelatina colorida da vovó. A cada dia sua pele “esfarinhava”. Sua alma se fazia como grãos de areia lançados ao léu em um dia de tempestade de muitos “knots”. “Babacas!”, era o que se ouvia entre os dentes.
Ele tinha a pele manchada de branco, “buracos” intermináveis malhavam sua pele “moreno jambo”. Era duro olhar-se no espelho e não ser “normal”.
Com o passar dos dias a mãe descobriu: Ele sofria com os apelidos na escola, de meninos e meninas sórdidos. Incansavelmente, como uma goteira à meia noite, atormentavam sua vida. Por óbvio sua vida social era limitada ao cão da família, uma Border Collie dócil como um mel.
A dor pela incapacidade em resolver o problema acometeu essa mãe. Suas lágrimas brotavam a cada olhar cinza de seu filho, a cada rugido não emitido, a cada história engolida e não contada. “O que fazer, meu Deus?” Sem efetivamente um auxílio real, seja social, seja institucional, trocou-o de escola. Não resolveu. O problema era endêmico.
O dia era 15, o mês era janeiro, o ano 2024, a Lei era 14.811/2024. Essa lei tornava crime a prática do bullying. “Agora a coisa vai para frente”, pensou essa mãe. “Nunca mais irão importunar a criança.”
Distraída, esqueceu-se que o “nunca” é um advérbio de uma eternidade inteira, é muito tempo quando se trata de uma vida limitada pelo próprio Tempo. “Nunca” é retirar do mundo dos vivos todas as possibilidades, positivas ou negativas.
Não deu outra. O “nunca” não chegou. A voz se calou. Achavam que por ato legislativo, vindo lá de cima, tudo mudaria. Mal sabiam que não se corrige problemas históricos com soluções midiáticas e terceirizadas. Problemas históricos se medem e resolvem com ações igualmente históricas.
O tempo passou. E a gente sabe, as possibilidades geradas pelas conexões que o ser humano pode fazer são incomensuráveis. O ano já era 2044. Ele já era um homem feito e refeito, um super empresário do ramo de tecnologia cibernética, tornou-se grande combatente de crimes cibernéticos especialmente contra crianças e adolescentes. Casou-se, teve três filhos. Suas marcas tornaram-se sua Marca!
Ao olhar para trás encontrava no seu presente a espinha dorsal de quem ele é. Ao olhar as pegadas ao seu redor, aquelas que lhe faziam companhia naquele tempo cinza, hoje, encontrava nessas pegadas os encarcerados, presos nos calabouços, os “Babacas”. Eles são aqueles que, em razão de soluções midiáticas, tornaram-se vítimas do nada existencial da torpeza das próprias idiossincrasias.