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8 de maio de 2024
quarta-feira, 8 de maio de 2024
Raphael Câmara
Raphael Câmara
Raphael Americano Câmara é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Formou-se em direito em 1999, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal do Espírito Santo em História Social das Relações Políticas, especializações em Direito Público e Direito Processual Civil.

A questão de Francisco

Tratamos das despedidas. Desses desenlaces recorrentes ao longo da vida, ao longo do dia. O dia D. O último instante de contato, como o último aperto de mãos ou a última lágrima dividida entre tantas emoções dolorosas e agora necessariamente esquecidas. Breves ou longas, estamos sempre entre despedidas, virando uma página aqui, rasgando outra por ali e abrindo um novo livro que, cedo ou tarde, será vencido e deixará as marcas certas para as próximas aventuras.

Eu fico imaginando a vidas desses grandes personagens. Heroínas, ditadores, gênios ou Santos. Nasceram tão frágeis quanto todos nós e divisaram tantas encruzilhadas quanto qualquer pessoa. Despediram-se também, tenho certeza. Seguiram em frente, destruindo ou construindo, para a sorte ou para o azar de quem os cruzava pelos caminhos. Deixaram tudo para trás muitas vezes e, talvez por isso mesmo, tornaram-se gigantes e imbatíveis.

Mortais. Mas imbatíveis.

Arrisco dizer que Francisco de Assis foi um desses mortais. A gente até pensa que ele nasceu assim, já de batina e tudo, tamanhas as histórias, as chagas e o número de admiradores. A impressão é que o pobrezinho nasceu sabendo. “Nasceu de olho aberto”, como diziam as mães zelosas. Rico, bonito e menestrel, teria sido só isso não fossem as despedidas heroicas ao longa da curta e grande vida.

Francisco é um gerúndio, como todo Santo. Não largou tudo: foi largando… Não renunciou à riqueza: foi renunciando… Não é um milagre. Fez-se milagre. Isso à custa de muita luta interior, sobretudo para um jovem trovador admirado e invejado. A grandeza é fruto do cotidiano virtuoso, de renúncias silenciosas e de lutas constantes, como o crescimento discreto de um baobá.

Tenho em casa uma imagem do Santo. Sentado numa pedra e com as duas mãos no rosto. Provavelmente envergonhado. Ou com medo. Um convite claro à conversão mas um aviso também indiscutível de que a vida virtuosa exige despedidas, numa interminável reticência que talvez nunca termine. É preciso coragem.

E coragem é ir com medo. Disso sabem os imbatíveis.

Até breve.

Raphael Câmara
Raphael Câmara
Raphael Americano Câmara é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Formou-se em direito em 1999, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal do Espírito Santo em História Social das Relações Políticas, especializações em Direito Público e Direito Processual Civil.

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