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20 de maio de 2024
segunda-feira, 20 de maio de 2024
José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.

De saraus e músicas: o lugar da poesia na cultura viva

Uma das coisas mais interessantes de andar pela cidade é descobrir suas inúmeras faces. O ecossistema urbano é diverso, complexo e muitas vezes mal entendido. Mas, mesmo sob o sol escaldante de uma tarde em que se busca almoçar, novidades podem nos ser apresentadas. Caminhava pela Rua da Lama, em Jardim da Penha quando alguém me falou que ali, na outra rua, era onde aconteciam as sextas musicais. Fiquei curioso.

Fui buscar entender do que se tratava e, de imediato, a imagem dos antigos saraus me vieram à mente e fomentaram essa escritura. O sarau é um evento cultural, mas sobretudo, é social. Um ponto de encontro para compartilhar a coletividade sensível.  Pesquisadores dizem que essa prática cultural, quase esquecida:

“[…] deriva, etimologicamente, do latim sérum, que significa  tarde, período em que justamente se davam os encontros”. […] Mas com o passar dos anos, seu significado mudou, como aparece, por exemplo, no dicionário Aurélio,  definido como uma festa literária noturna, feita em casas particulares”.

Assim, tomando nosso Aurélio como inspiração, podemos afirmar que o sarau se caracteriza como um evento que promove o encontro musical e/ou literário, estando associado a ações de particulares e não especificamente do poder público – embora alguns projetos nacionais e locais tenham financiamento do estado para seguirem em formatos mais contemporâneos, mas que de fato funcionam como saraus. Seja qual for a versão, o sarau tem o intuito de promover a integração e uma formação social e cultural em um determinado grupo. Não muito diferente de sua origem medieval, do encontro de trovadores e cantores.

De saraus e músicas: o lugar da poesia na cultura viva
Originalmente, o Sarau era um evento da elite brasileira

Essa prática cultural chega ao Brasil, formalmente, com a Família Real portuguesa, seguindo formatos europeizados, mas não demorou para que os proprietários de fazendas no interior do país criassem sua versão abrasileirada, mantendo, obviamente, seu objetivo de reunir as pessoas em um fim de tarde ou noite para o deleite do espírito – cansado da rotina diária e dos afazeres da produção ou do poder, os saraus se tornaram importantes lugares de confraternização e mesmo de encontros. Há referências de que já no início do século XX, tais eventos ganharam esse formato mais popular, acontecendo em praças, bares ou casas. Afirma-se inclusive que modernistas como Mario e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Tarsila do Amaral, Paulo Prado e muitos outros se reuniam nesses saraus populares paulistanos.

No Espirito Santo, não me parece haver muito registro sobre a história dos saraus, exceto um livro – ao qual tive acesso apenas por algumas fotos – de autoria do servidor da UFES Djair Rodrigues de Souza que nos dá, pelo menos por imagens que pude ver, uma visão do papel e da diversidade dos saraus capixabas.

De saraus e músicas: o lugar da poesia na cultura viva
Sarau da Greve – Biblioteca Central da UFES, 2014. Fonte: https://literaturaouvida.blogspot.com/

Entre esses saraus que Djair refere-se, vale comentar o que ele nomeou Sarau da Greve (2014), evento organizado na frente da Biblioteca Central da UFES e que, segundo depoimentos no blog Literatura Ouvida, era um momento especial de contraponto às tensões rotineiras da greve universitária: “[…]  Eu gostei muito, um tempo muito bom, um tempo mais leve, ao contrário da greve, que é um negócio meio tenso, muito embate, geralmente se sai das reuniões com a cabeça doendo de tanto ouvir falação. O sarau, não, um negócio mais leve, em que a gente ia predisposto a se abrir, a ouvir o outro e ouvir um pouco de arte. Foi muito bom, mesmo”. Alias, me ocorre dizer que parece bastante pertinente essa fala que evidencia estratégias complementares nos movimentos históricos de reivindicação e defesa da educação pública na UFES. Uma bela atividade de integração e escuta coletiva.

Atualmente, diversos projetos capixabas se articulam em torno da ideia do sarau, entre eles o Sarau da Barão, criado em 2015 e que vem reunindo mensalmente pessoas no centro de Vitória para música e poesia.

De saraus e músicas: o lugar da poesia na cultura viva
Sarau da Barão, O lugar da Poesia é na Calçada, 2024.
Fonte: https://www.facebook.com/saraudabarao/about?locale=pt_BR
De saraus e músicas: o lugar da poesia na cultura viva
Som na Sexta, encontro musical mensal no Instituto IMA. Fonte: Instituto IMA

Outra ação efetiva e rica no sentido de levar conhecimento, cultura e música de excelente qualidade é o projeto  Som na Sexta, um ação de extensão da UFES em parceria com o Instituto IMA, que promove, o que a Professora Stela Maris Sanmartin, coordenadora do projeto define como um “ encontro com espaço e tempo para apreciar boa música e abrir ao pública a oportunidade de, para além da apreciação estética, conversar sobre música, sobre o repertório apresentado, sobre os compositores suas peças, enfim, em um espaço descontraído, aproximar as pessoas da arte. Esse é sempre meu intuito como artista, professora, pesquisadora e idealizadora deste projeto que foi acolhido pelo IMA e pelo PPGA como parceiros desta nova jornada”.

Esses saraus são eventos abertos, inclusivos, que buscam criar um ambiente aconchegante para a participação de todos os artistas, poetas e pessoas apreciadoras do bom e tradicional compartilhamento de conversas. O objetivo é sempre criar um ambiente colaborativo e de formação sensível, ampliando não apenas a conexão com a comunidade, mas também fomentando a expressão artística, o desenvolvimento profissional e pessoal, bem como um estímulo à criatividade.

De saraus e músicas: o lugar da poesia na cultura viva
Equipe idealizadora do Som na Sexta, que tem a professora Stela Maris (de preto) como coordenadora

Saraus são um convite para conhecer um pouco mais da nossa produção artística, uma possibilidade a mais de levar a arte e a cultura onde o povo está.

Serviço:

Foto da Capa: fotografia do Instituto IMA

Sarau da Barão: próximo encontro dia 02/05/2024, a partir das 19h30 (evento aberto) – Bar do TAC, Rua Barão de Monjardim, Centro, Vitória, ES, Brazil – [email protected]

Som na Sexta: próximo encontro dia 03/05/2024, a partir das 18h (evento aberto) – Instituto Marlin Azul (IMA), Oscar Rodrigues de Oliveira,570, Jardim da Penha, Vitória, ES. @institutomarlinazul

José Cirillo
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José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.

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