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8 de maio de 2024
quarta-feira, 8 de maio de 2024
João Gualberto Vasconcellos
João Gualberto Vasconcellos
João Gualberto Vasconcellos é mestre e professor emérito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Doutor em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciência Política de Paris, na França, Pós-doutorado em Gestão e Cultura. Foi secretário de Cultura no Espírito Santo entre 2015 e 2018.

A origem do capixaba

Uma observação inicial. As viagens marítimas ligadas às grandes descobertas estão intimamente ligadas à Ordem de Cristo, da qual Pedro Alvares Cabral foi um grande personagem. Assim, a chamada descoberta do Brasil tinha um caráter religioso vinculado ao imaginário das Cruzadas. A Ordem de Cristo organizou a Expedição de Pedro Álvares Cabral. A sua cruz ornava todas as caravelas portuguesas. A ideia central seria catequizar os supostos ímpios, os indígenas. A intenção era universalizar o cristianismo e o catolicismo, num mundo onde já havia a ameaça da Reforma Protestante.

Outro dado. Quando os colonizadores portugueses chegaram ao solo capixaba – como de resto quanto ao que viria a ser o país onde hoje vivemos – eles certamente não tinham como objetivo criar uma sociedade autônoma. Antes, pelo contrário, trouxeram todo o aparato legal para a executar a gestão da Capitania do Espírito Santo. Uma normatização que utilizaram em toda a colônia. Nenhuma preocupação com os povos originários que aqui viviam. Usando uma expressão consagrada por Raimundo Faoro em Os Donos do Poder: “no Brasil o Estado existiu antes da sociedade”, já que tudo veio pronto nas caravelas. Estado e religião no Brasil não foram produtos da sociedade, mas imposição do colonizador, a partir de sua experiência europeia.

O Estado português que se instalou na Capitania, tinha nas figuras do Donatário e o do Capitão Mor, as peças centrais do jogo de poder. Como as Capitanias eram organizações que operavam no nível público, aplicando a lei, e no nível privado, gerindo a produção econômica, realmente tinham um poder muito grande. Um poder total sobre os indivíduos. Esse poder era ainda ampliado pela distância da metrópole.  Ou seja, os que tinham poder, podiam mandar na nova ordem. Eles faziam o que bem entendiam.

Acerca dos indígenas, nos primeiros séculos de colonização, o ideal lusitano era muito claro: torná-los cristãos e submetê-los ao regime de trabalho que tornasse a vida econômica viável. Os nativos não tinham poder de escolha.

Os indígenas também foram barbaramente escravizados. Tanto é assim que era comum chamá-los de negros, nos escritos daquela época. A utilização do termo para os habitantes da terra era sintoma claro da sua condição de subordinação. Tão grande era o papel da escravidão indígena, que o historiador colonial Jorge Caldeira registra, em sua obra, que desde a fundação da cidade de São Paulo, o principal negócio dos portugueses era a venda de indígenas escravizados da região. Foram centenas de expedições com o objetivo de capturar homens e mulheres para o trabalho servil. Os prostíbulos europeus ficaram cheios de jovens indígenas brasileiras, submetidas a todo tipo de selvageria sexual.

Nesse contexto, muito importante foi a obra da Companhia de Jesus, em uma espécie de mediação social, não só na catequese, mas também na educação dos brasileiros. Os primeiros jesuítas chegaram ao Espírito Santo no primeiro século da colonização e criaram, ainda na metade do século XVI, o Colégio São Tiago. Ficava onde está hoje o Palácio Anchieta. Para sustentar economicamente os alunos do colégio, eles criaram um grande conjunto de fazendas. A de São João de Carapina, Muribeca, na fronteira com o que é, hoje o estado do Rio de Janeiro, que chegou a ter 2.000 cabeças de gado, Araçatiba no atual município de Viana, são exemplos. Essas foram as maiores fazendas do litoral brasileiro no primeiro século da colonização. São elas um exemplo claro de que o tal marasmo colonial de que trata uma certa história do Espírito Santo é um mito. Contextualizando: Fomos prósperos e empreendedores no início da colonização.

O papel dos jesuítas também é muito importante na conjuntura do surgimento de nossa identidade regional. Isso porque eles estavam muito preocupados em doutrinar os indígenas. Mais importante do que obtê-los como mão de obra, era tê-los no rebanho cristão. Ao catequizar os indígenas, eles estavam, de fato, tornando-os capazes de viver no mundo ocidental. Aptos a participarem do processo de dominação que era, no fundo o ideal lusitano.

Não podemos esquecer que para realizarem a catequização, os inacianos mergulharam no mundo das matas. Aprenderam a sobreviver e conhecer bichos, insetos, ervas. Identificaram novas formas de alimentação e de curar doenças. Um século depois de terem desembarcado no Brasil, não seriam os mesmos.

O grande arqueólogo Henriques Valadares em seus estudos profundos sobre o tema, acredita que a fusão entre indígenas, africanos e portugueses tenha produzido os primeiros capixabas na metade do século XVII. Esse novo ser que habitava, sobretudo o litoral do Espírito Santo, não era mais europeu e nem indígena. Era capixaba. Dotado de uma identidade própria e que resiste aos séculos de uma vizinhança forte com baianos, cariocas, fluminenses e mineiros. Sua identidade está mais alimentada nos saberes e falares indígenas do que a maioria de nós supõe. Quero com isso dizer que temos mais raízes nos povos originários do que a maioria de nós conhece.

João Gualberto Vasconcellos
João Gualberto Vasconcellos
João Gualberto Vasconcellos é mestre e professor emérito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Doutor em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciência Política de Paris, na França, Pós-doutorado em Gestão e Cultura. Foi secretário de Cultura no Espírito Santo entre 2015 e 2018.

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