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20 de maio de 2024
segunda-feira, 20 de maio de 2024
Homero Junger Mafra
Homero Junger Mafra
Advogado, ex-presidente da OAB-ES por 3 mandatos, professor de Processo Penal, marido da Ligia Mafra e pai da Laura.

Flicts

Homero, meu filho, seja homem.
Homero, taí um conselho do qual você não precisa.
Juízo e trabalho rapaz.
Conto com você.

O mês exato eu não sei, em qual livro foi feita eu não lembro (com certeza em Flicts ou Jeremias, o bom), mas o ano foi 1972, em junho ou logo depois, isso eu garanto.

O texto eu lembro porque o adolescente nunca mais esqueceu a dedicatória que recebeu de Ziraldo e o ano e o mês ficaram marcados em razão da resposta à pergunta sobre a morte de Leila Diniz – “uma pessoa maravilhosa, em cuja morte ainda não acredito”-  na célebre entrevista (célebre ao menos para nós) que fizemos, eu, Renata Bitti Leal e Fernando Papiniano (Pape) com Ziraldo para o jornalzinho que tínhamos no Salesiano.

Era um jornal impresso, que nós, meninos e meninas que acreditávamos em utopias e sonhos, fazíamos, crendo em liberdade, mesmo naqueles duros anos de ditadura.

A entrevista foi em uma feira de livros, sim, existiam feiras de livros e as pessoas iam a elas, sedentas de saber e conhecimento e de folhear livros e conversar com os autores.

Acho que comecei a ter Ziraldo em minha vida com a Turma do Pererê lá em São José do Calçado, ou foi em Campinho (Campinho para os que não sabem é o verdadeiro nome de Domingos Martins, terra de “Seu” Otaviano Santos, avô de Cristina Velloso, minha grande amiga e madrinha da minha Laura que, já com 4 anos, folheia Flicts, A turma do Pererê e O Menino Maluquinho).

Seus personagens e suas histórias, sim, histórias, foram inesquecíveis: Galileu, sempre caçado pelos fazendeiros, Tininim, o indiozinho e melhor amigo do Pererê, o próprio Pererê, o coelho Geraldinho, o macaco Alan.

Certamente alguns personagens ficaram de fora.

Naquela época, lia as aventuras do Saci e sua turma como uma grande brincadeira de crianças. Hoje me pergunto se ao menos os dribles nos fazendeiros que tentavam pegar a onça Galileu não eram os oprimidos vencendo os opressores. Elocubrações de adulto. “Eu fico é com a pureza da resposta das crianças” e volto a ler a Turma do Pererê como lia em Campinho, como o menino que um dia fui.

Todos nós temos um Menino Maluquinho, com certeza, se não for todo o tempo, em algum momento dentro de nós.

Herói é burro.
Herói morre e vira objeto do sistema.

Essa frase também ouvi de Ziraldo.

E taí a foto de Che Guevara virando objeto de consumo pra não deixar Ziraldo mentir.

Foi essa frase mesmo que ouvi? Ouvi ou ouvimos, Renata Bitti? Você que estava lá, Pape, foi assim mesmo? Ou estou imaginando coisas?

E nesse mesmo tempo da entrevista já existia o Pasquim, que comprávamos ávidos nas bancas, em busca de seus quadrinhos, do Henfil, do Nani, do Millor, do Jaguar, do Ziraldo.

Ziraldo perpassou nosso tempo.

O cartaz de uma mulher com uma piteira e a frase “fumar é patético” é dele, Ziraldo, como é dele também, a logomarca do PSOL, linda.

Li, talvez numa edição de “Jeremias, o bom”, uma diferenciação entre o bom e o justo, mostrando que o justo é, sim, o perigoso, o que realmente transforma o mundo.

Obrigado, Ziraldo, por me ensinar.

Obrigado Renata Bitti e Pape por estarem comigo no meu tempo e naquela entrevista.

E aquela entrevista nos marcou tanto que quarta, quando liguei pra Renata e perguntei onde tinha sido, ela, sem me esperar completar a frase, respondeu, numa feira de livros.

Era uma vez uma cor
Muito rara e muito triste
que se chamava Flicts” (frase que abre o livro)

Que é Flicts? Não digo. Não quero dizer.
Cada um que trave contato pessoal com Flicts, e sinta o que eu sinto ao conhecê-la: um deslumbramento, um pasmo radiante, a felicidade de renascer diante do espetáculo das coisas em estado puro. Flicts faz a gente voltar ao ponto de partida, que paradoxalmente, é ponto de chegada. No princípio era a cor; e no fim será a cor, alegria da percepção.” (Carlos Drummond de Andrade, em O Correio da Manhã).

Homero Junger Mafra
Homero Junger Mafra
Advogado, ex-presidente da OAB-ES por 3 mandatos, professor de Processo Penal, marido da Ligia Mafra e pai da Laura.

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