As editorias de economia dos grandes meios de comunicação ressaltam, quase sempre, os temas do dia a dia: indicadores de inflação, dados de crescimento econômico, desempenhos setoriais e resultados da balança comercial, dentre outras estatísticas apuradas pelos institutos de pesquisa. Poucas vezes temos matérias de análise projetando os grandes desafios da economia no médio e no longo prazo. E quando nos deparamos com alguma análise de maior fôlego, raramente elas se aprofundam numa discussão mais estratégica de projeto de país; sempre é mais do mesmo: necessidade de reformas e de cortar despesas para encolher o estado e o país funcionar melhor.
Falta ao Brasil um planejamento econômico de médio e longo prazos.
Num país como o nosso, com imensas carências sociais e com desigualdades de renda e de propriedade tão vergonhosas cabe perguntar como construir um projeto de longa duração, que contemple uma mudança qualitativa do padrão da economia e que nos torne de fato uma grande nação.
A economia brasileira se expande com um apoio muito grande do agronegócio exportador. O Brasil possui uma pauta de exportações concentrada em itens de baixo valor agregado; esta é uma marca histórica, mas ela se agudizou nos últimos anos, com uma dependência enorme de commodities do agronegócio e de minérios. Ao mesmo tempo as concentrações de renda e riqueza persistem, sendo apenas tocada de forma tangencial pelas políticas públicas.
Esse é o caminho mais apropriado para o nosso futuro? Qual o país que queremos ser daqui a duas ou três décadas? Para onde caminhamos? Avançamos na direção de uma sociedade com uma qualidade de vida decente para o seu povo, com liberdade para empreender e com a preservação de uma ambiência social e ambiental colaborativa e solidária?
Neste desafio maior, há aspectos delicados e urgentes que precisam ser enfrentados. A nação brasileira só se consolidará de verdade se houver um enfrentamento corajoso da questão da segurança pública e da organização sócio urbana em todos os quadrantes de nosso território. O esgarçamento do sistema político nacional e os vazios entre Instituições e a sociedade dificultam debater a fundo os vetores que levam ao estado de coisas de hoje, em que os choques de horror vão se normalizando dia a dia.
Para se tirar da prancheta a construção de um projeto econômico moderno e com melhor distribuição de renda será necessário constituir um fundo nacional com parcelas das riquezas que o nosso país tem gerado ano a ano, com confortáveis saldos na sua balança de pagamentos, bem como nos impressionantes resultados financeiros das grandes corporações empresariais, em especial as financeiras. Tais êxitos tem coexistido com o agressivo modelo de concentração de riquezas que todos criticam, mas pouco é feito efetivamente para enfrentar.
É preciso ousar e colocar o dedo nas questões que são relevantes. Um projeto de país com novas estruturas precisa ter mudanças para valer. Já passa da hora de se abrir um debate sobre a constituição de um fundo público utilizando-se de parcelas bem dosadas dos resultados líquidos das receitas com commodities agrícolas e minerais e da lucratividade excedente a um dado percentual sobre o patrimônio líquido das grandes empresas e das grandes riquezas patrimoniais, com destaque para aquelas que orbitam nas esferas financeiras.
Tais recursos precisam ser diretamente direcionados para dois eixos: um, é o da ciência e tecnologia, focada diretamente na inovação e na transição energética. O outro eixo é o de atuar na raiz dos fatores que levam à imoral desigualdade de renda e riqueza das famílias brasileiras. É necessário turbinar programas com eficácia comprovada que favoreçam os mais necessitados, mirando principalmente em investimentos para cuidar da primeira infância.
O fundo financeiro proposto deve ser um fundo público de direito privado gerido por uma coordenação participativa de toda a sociedade, com metas construídas para uma trajetória de trinta anos. Obviamente, é necessário ter empenho total na transparência da gestão dos recursos e também ter uma revisão periódica de metas.
Uma proposta como essa pode soar ingênua e exageradamente pretensiosa. Ela se coloca acima dos embates eleitorais de curto prazo e precisa independer das mudanças de correlação de forças na política partidária.
O grande problema está na polarização atual e no rescaldo dos atos golpistas recentes. Eles podem truncar as interlocuções necessárias para se caminhar juntos em um projeto de país de longo prazo.
É preciso que a sociedade perceba o risco que corremos. O caminho atual vai nos levar, mais cedo ou mais tarde, a um ponto de não retorno, com impactos imprevisíveis para a organização institucional e social de nosso país. A única rota de superação que temos passa pela construção de uma trajetória que liberte o Brasil da dependência primária na balança comercial e que haja uma repactuação efetiva nas relações políticas de nosso país, sem abrir mão de uma verdadeira inclusão social.