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1 de maio de 2024
quarta-feira, 1 de maio de 2024
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

Projeto de Lei sobre o trabalho em empresas operadoras de aplicativos – Parte 2

Como alertado na semana anterior, o Governo Federal apresentou o Projeto de Lei Complementar (PL) sobre a relação de trabalho entre trabalhadores e empresas operadoras de aplicativos.

 

O objeto do PL limita-se a regular a relação de trabalho entre trabalhadores e empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas. Portanto, descabe interpretação extensiva para aplicar os termos do PL às relações laborais verificadas em empresas operadoras de outros tipos de aplicativo.

 

O art. 2º do PL define a empresa operadora de aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros como “[…] a pessoa jurídica que administra aplicativo ou outra plataforma de comunicação em rede e oferece seus serviços de intermediação de viagens a usuários e a trabalhadores previamente cadastrados”.

 

Essa definição supera a discussão verificada em muitos processos jurisdicionais sobre se as empresas operadoras de aplicativos eram vinculadas ao setor de tecnologia ou de transporte. O art. 2º do PL evidencia que essas empresas atuam no segmento econômico de transporte de passageiros.

 

Os trabalhadores dessas empresas, segundo o art. 3º do PL, são considerados “autônomos por plataforma”. Seus direitos são regidos pelo PL e não pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

 

Entretanto, para o enquadramento do trabalhador como autônomo, o art. 3º, §1º, I e II, do PL exige as seguintes condições: a) inexistência de exclusividade entre o trabalhador e a empresa operadora de aplicativo, assegurado o direito de prestar serviços a outras empresas, inclusive no mesmo período; b) inexistência de exigências relativas a tempo mínimo à disposição e de habitualidade na prestação do trabalho.

 

Em tese, a inobservância dessas condições importará o reconhecimento do vínculo empregatício ou, minimamente, o enquadramento do trabalhador em outra categoria que não a de “trabalhador autônomo de plataforma”.

 

O PL, ademais, se abstém de impedir pedidos de reconhecimento de vínculo entre trabalhador e empresa operadora de aplicativo, desde que presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, por se tratar de uma presunção relativa de que o trabalho é realizado de forma autônoma, bem como da garantia constitucional de acesso à justiça (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988, art. 5º, XXXV).

 

A provação do PL, desse modo, será incapaz de impedir a propositura de demandas na Justiça do Trabalho cujo objeto seja a alegação de vínculo de emprego. Por outro lado, requererá maior esforço argumentativo do trabalhador, ao exigir que suas alegações e produção probatória superem a presunção estabelecida pelo art. 3º do PL.

 

O texto do art. 3º foi um dos graves equívocos do PL. O trabalho realizado em favor das empresas operadoras de aplicativo, a rigor, cumpre com os requisitos necessários ao reconhecimento do vínculo empregatício, constantes dos arts. 2º e 3º da CLT (trabalho realizado por pessoa física, não eventual, oneroso, pessoal e subordinado/dependente econômico). A CLT, inclusive, possui dispositivo expresso no sentido que “[…] Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio” (art. 6º, parágrafo único).

 

Essa exclusão dos trabalhadores dos direitos previstos na CLT é um passo arriscado, por legitimar um modelo de contratação (“trabalho autônomo sem autonomia e sem direitos”) com capacidade de generalização em uma sociedade “datificada” e “digitalizada” na qual a inteligência artificial é disseminada tanto em tarefas simples quanto nas mais complexas. Em outro dizer, dentro de um longo processo de negativa de direitos trabalhistas, é um passo largo na admissão e no incentivo do que se chama provisoriamente de “uberização” das relações de trabalho.

 

A “uberização” vem se apresentando como um novo modo de organização do trabalho, com caraterísticas próprias, entre elas, a negativa de vínculo empregatício e de direitos trabalhistas. O PL, portanto, acolhe em grande parte as alegações das empresas operadoras de aplicativos e “precariza” institucionalmente as relações de trabalho no Brasil.

 

Continuarei a análise do PL na próxima semana.

Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

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