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O palanque eletrônico e a regulamentação do TSE

Luciano Ceotto*

A vedação à utilização não autorizada de dados não é matéria inédita na seara eleitoral. O tratamento de dados pessoais já estava presente em nossa legislação desde a reforma eleitoral de 2009, que inseriu o art. 57-E na Lei n.º 9.504/97 a proibição de compra, venda ou cessão gratuita de dados cadastrais para candidato, partido ou coligação.

Na sessão do último dia 27.2.2024, o plenário do TSE aprovou a Instrução n.º 0600751-65.2019.6.00.0000, alterando a Resolução n.º 23.610/2019 para incluir na regulamentação da propaganda eleitoral e das condutas ilícitas aspectos que envolvem a utilização de softwares capacitados por Inteligência Artificial. A norma baixada pela Justiça Eleitoral agora inclui: proibição das deepfakes; obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral; restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor; e responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, antidemocráticos, racistas, ou, homofóbicos.

A eleição de 2024, será o primeiro pleito municipal em que as disposições da LGPD (Lei 13.709/2018) ocorrerá com sua integral incorporação à legislação eleitoral. Em 2022, o TSE cuidou de publicar, em colaboração com a ANPD, o Guia de Orientação para a Aplicação da LGPD no contexto Eleitoral, onde orientava a atuação das instâncias inferiores sobre a necessidade de proteção de dados pessoais.

A Justiça Eleitoral vem seguindo a linha que já era adotada desde a reforma de 2009, que limitou a utilização de cadastro de eleitores como forma de garantir a isonomia de oportunidades na propaganda eleitoral e redução do custo das campanhas. Já sob a égide da LGPD acrescentou-se a tais elementos a necessária proteção de dados individuais, especialmente, dados sensíveis, garantindo os direitos fundamentais de respeito à privacidade e da autodeterminação informativa.

Mas, se em pleitos anteriores a atenção dos postulantes e do Judiciário estava no uso de dados pessoais, para a eleição municipal que se aproxima, o uso da Inteligência Artificial em redes sociais é o aspecto que vem demandando maior esforço para a compreensão de suas capacidades, limites legais e éticos.

Imaginava-se que a essa altura, o PL 2630/2020 (PL das Fake News), já tivesse sido aprovado e convertido em Lei. Seria esta a linha divisória a partir da qual os candidatos poderiam planejar suas campanhas, assim como as big techs e a Justiça Eleitoral atribuiriam os direitos, serviços e responsabilidades aos atores políticos. Mas, a falta de consenso quanto à abrangência do “PL das Fake News” não permitiu o avanço da legislação no Congresso, mantendo o vazio regulatório quanto às limitações do discurso e propaganda política capacitada por ferramentas de Inteligência Artificial.

Para 2024, o TSE exerceu a competência prevista no art. 23, inc. IX do Código Eleitoral e, como de hábito, expediu instruções para a aplicação da Lei. A norma expedida exige de partidos e candidatos que informem, de forma explícita, quais foram as tecnologias utilizadas na produção dos conteúdos divulgados, sob pena de caracterização do crime previsto no art. 323, §1º do Código Eleitoral. Nesse contexto, a utilização de peças de propaganda ou comunicação de campanha eleitoral sem a evidenciação das ferramentas tecnológicas utilizadas tenderão a ser reputadas como Fake News, podendo ainda caracterizar abuso no uso dos meios de comunicação capaz de levar a cassação do registro de candidatura e, até mesmo, a perda de mandatos.

Ao afastar das campanhas eleitorais as ocorrências de desordem informacional o TSE nada mais faz do que atualizar conceitos abertos já existentes na legislação eleitoral, como a vedação à calúnia, difamação, injúria, do que é afirmação sabidamente inverídica (art. 58, caput, da Lei 9.504/97), ou, na conhecida proibição de trucagens, montagens e outros recursos destinados a ridicularizar partido ou candidato (art. 45 e incisos, da Lei n.º 9.504/97). A proibição de robôs também encontra respaldo na constitucional vedação ao anonimato, como também no Código Eleitoral, que desde 1965 repele a utilização de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais (art. 242, Código Eleitoral)

Há dúvida, no entanto, se a instrução aprovada ultrapassou a competência regulamentar da Justiça Eleitoral ao atribuir responsabilidade pela aplicação de medidas capazes de impedir ou diminuir a circulação de conteúdo reputado como ilícito, incluindo a criação de canais de denúncias e de ações corretivas e preventivas às empresas proprietárias de plataformas virtuais pelos eventuais ilícitos na seara eleitoral. No Brasil, antes do Marco Civil da Internet, utilizava-se a interpretação pela qual a responsabilidade seria decorrente do não atendimento a uma notificação, o Marco, por sua vez, introduziu a concepção da responsabilidade somente no caso de descumprimento de decisão judicial.

Há quem defenda a adoção da Teoria da Responsabilidade Subjetiva do Provedor de Internet, que impõe responsabilidade objetiva e solidária às empresas pelos danos causados pelos produtos postos em circulação (art. 927 e par. único e art. 931, Código Civil). Nessa perspectiva, haveria entre usuário e provedor uma relação de consumo e o fato de ter havido uma ofensa, configuraria defeito no serviço prestado.

Entretanto, no caso das Big Techs há que se diferenciar o produto que elas ofertam, qual seja, plataformas virtuais, do conteúdo nelas inserido por seus usuários. Verifica-se uma crescente tendência de atribuir às empresas a imputação de responsabilidade pelos dados e informações veiculados. Mas o próprio Marco Civil da Internet traz exceções ao regime da responsabilização objetiva, exigindo Lei (e não Resolução) para a hipótese de violação de direitos autorais por exemplo.

Enfim, de um lado, tem-se o Marco Civil da Internet, que restringe a responsabilidade do provedor apenas na hipótese de descumprimento de ordem judicial, doutro lado, a norma resolutiva eleitoral que inova no ordenamento jurídico atribuindo responsabilidade solidária às plataformas pelos ilícitos eleitorais de seus usuários. Certamente, este último aspecto gera dúvidas acerca da extrapolação da competência regulamentadora do TSE e da possível invasão da atribuição do congresso nacional para a produção de Leis.

Outro aspecto a se considerar é que em se atribuindo às plataformas de internet a obrigação de filtrar conteúdos ilícitos pode-se induzir comportamento que ameace princípio fundamental do Direito Eleitoral, que é o de garantir igualdade de oportunidades entre os candidatos. As políticas de uso de uma determinada plataforma, não são objeto de regulamentação, nem pelo Marco Civil da Internet, nem pela Resolução do TSE. Então, se admitirmos que as empresas de tecnologia podem escolher ou censurar conteúdos de candidatos, então estaremos também diante do risco de violar a proibição ao tratamento privilegiado (art. 45, inc. IV, V e VI, da Lei 9.504/97).

Enfim, é animadora a atualização na Resolução TSE 23.610/2019, especialmente quanto aos conceitos de deepfake, da utilização de robôs e das regras de impulsionamento. Contudo, ao tratar de remoção de conteúdo e da obrigação solidária das empresas provedoras de internet e plataformas de redes sociais, além dos riscos à liberdade de expressão e da possibilidade de favorecimento de candidatos e do estabelecimento de preferências subjetivas pelas empresas, a questão da competência do TSE, certamente, será discutida e o STF, em algum momento, terá que se pronunciar.

De mais a mais, o art. 55-J, §1º da Lei n.º 9.504/97 enuncia o princípio da intervenção mínima. Tal diretiva tem como finalidade a preservação do conteúdo ideológico da propaganda, e não os meios empregados para sua divulgação, mas que deve ser balanceado com o dever de estabelecer equilíbrio e impedir que o eleitor seja afetado pelo mau uso das Tecnologias de Informação e Comunicação capacitadas por Inteligência Artificial.

Eleições só são consideradas legítimas quando a comunidade reconhece e aceita algo como correto, justo e adequado. Ressalta Dias (2008, p. 41) que a aceitação do resultado das urnas decorre de um “dever moral de obediência enquanto se respeitem as bases que a fundamentam e que essencialmente consistem nas opiniões, valores, crenças, interesses e necessidades de determinada comunidade”.

A dinâmica das ferramentas eletrônicas de manipulação eleitoral, sobretudo, daquelas que ensejam o sugestionamento de voto, deve ser regulada pela ação preemptiva estatal, sempre com fundamento e em obediência à Ordem Constitucional também no combate às transgressões no meio virtual.

*Luciano Ceotto
Advogado
Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento – IDP/SP
MBA em Direito da Economia e da Empresa FGV/RJ
MBA em Direito Tributário FGV/RJ
Membro-fundador da ABRADEP
www.ceotto.adv.br;

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