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6 de maio de 2024
segunda-feira, 6 de maio de 2024
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

Inconstitucionalidade da Lei dos Caminhoneiros

A Lei n. 13.103/2015 dispõe sobre o exercício da profissão de motorista. Ela revogou dispositivos da Lei n. 12.619/2012 e alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), entre outros atos normativos.

O STF acolheu, em parte, os pedidos da ADI n. 5322 para declarar inconstitucional (acórdão ainda não publicado):

  1. a) a expressão “sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, garantidos o mínimo de 8 (oito) horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 (dezesseis) horas seguintes ao fim do primeiro período”, prevista na parte final do art. 235-C, §3º, da CLT.

Esse dispositivo admitia que o intervalo de 11 horas, dentro do período de 24 horas, fosse fracionado e compensado com os períodos de parada obrigatória do veículo.

Segundo o Relator no STF, o descanso entre jornadas (intervalo intrajornada), além da preservação da saúde do trabalhador, reflete diretamente na segurança das rodovias, por permitir ao motorista manter seu nível de concentração e cognição durante a condução do veículo;

  1. b) a expressão “que podem ser fracionadas, usufruídas no veículo e coincidir com os intervalos mencionados no § 1º, observadas no primeiro período 8 (oito) horas ininterruptas de descanso”, na forma prevista no art. 67-C, §3º, do CTB.

Em similar linha ao previsto quanto ao fracionamento do descanso entre jornadas, o STF considerou inconstitucional o fracionamento do intervalo interjornada. O Relator, novamente, ressaltou que o descanso possui relação direta com a saúde do trabalhador e constitui parte de direito social indisponível.

  1. c) o trecho “não sendo computadas como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias”, prevista na parte final do art. 235-C, §8º, da CLT, e, por arrastamento, a elocução “e o tempo de espera”, disposta na parte final do art. 235-C, §1º, da CLT.

O art. 235-C, §8º, da CLT, declarado inconstitucional pelo STF, permitia que o tempo de espera (isto é, as horas em que o motorista aguardava carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário) e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não fossem computados como jornada de trabalho nem como horas extraordinárias.

Segundo o Relator no STF, a inversão de tratamento do tempo de espera representa uma descaracterização da relação empregatícia, além de gerar prejuízo ao trabalhador, porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada normal de trabalho nem como hora extra. No caso, ao esperar, o motorista está à disposição do empregador e, nessa condição, está trabalhando, conforme art. 4º da CLT;

  1. d) o art. 235-C, §9º, da CLT, sem efeito repristinatório. Esse dispositivo admitia que as horas relativas ao tempo de espera fossem indenizadas na proporção de 30% do salário-hora normal, ou seja, permitia que o tempo de trabalho fosse pago em valor inferior ao do salário e ainda sem natureza salarial;
  1. e) a expressão “as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de 8 (oito) horas ininterruptas aludido no § 3º” do art. 235-C, §12, da CLT.

Em idêntica linha ao decidido, pelo STF, sobre o tempo de espera ser considerado como tempo de trabalho, o art. 235-C, §12, da CLT foi declarado inconstitucional, porquanto não considerava como parte da jornada de trabalho as movimentações necessárias do veículo, realizadas pelo motorista, durante o tempo de espera;

  1. f) o trecho “usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso”, constante do art. 235-D, caput, da CLT.

O art. 235-D, caput, da CLT admitia que, nas viagens de longa distância com duração superior a sete dias, o repouso semanal remunerado (de 24 horas) e o intervalo interjornada (de 11 horas), fossem usufruídos no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio;

  1. g) o art. 235-D, §§1º, 2º e 5º, da CLT. Os dois primeiros parágrafos permitiam o fracionamento do repouso semanal remunerado em dois períodos e a sua cumulatividade ao número de três descansos consecutivos.

O art. 235-D, §5º, da CLT, por seu turno, permitia que, nos casos em que o empregador adotar a prática de dois motoristas trabalhando no mesmo veículo, o tempo de repouso poderá ser feito com o veículo em movimento. Para o Relator no STF, “Não há como se imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que, muitas das vezes, sequer possui acomodação adequada […] Problemas de trepidação do veículo, buracos nas estradas, ausência de pavimentação nas rodovias, barulho do motor, etc., são situações que agravariam a tranquilidade que o trabalhador necessitaria para um repouso completo”;

  1. h) o art. 235-E, III, da CLT. Esse dispositivo também prévia o descanso com o veículo em movimento, porém para o caso de transporte de passageiros;
  1. i) a expressão “que podem ser fracionadas, usufruídas no veículo e coincidir com os intervalos mencionados no § 1º, observadas no primeiro período 8 (oito) horas ininterruptas de descanso”, na forma prevista no art. 67-C, §3º, do CTB.

A decisão do STF foi adequada por declarar inconstitucional dispositivos que afrontavam direitos fundamentais dos trabalhadores (no caso, os motoristas). A questão, entretanto, não foi integralmente solucionada, pois diversos preceitos foram considerados constitucionais, com o acolhimento parcial da ADI n. 5322.

Muitos desses dispositivos, inseridos pela Lei n. 13.103/2015, permitiam o fracionamento de descansos, a retirada de períodos de trabalho do cômputo do tempo laboral e consequentemente o aumento da jornada de trabalho, o que oportunizava que motoristas dirigissem, em tese, mais cansados e com cargas de trabalho maiores cujos epílogos podem ser a fragilidade da saúde dos trabalhadores e a ocorrência de acidentes de trânsito (que, na verdade, são autênticos acidentes do trabalho).

A decisão do STF, ainda que não tenha abarcado outros dispositivos da Lei n. 13.103/2015, ocupa espaço de relevância por, corretamente, promover associação entre saúde e segurança, intervalos no trabalho e o labor dos motoristas.

Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

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