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A corrupção pode matar

Deu no jornal Swissinfo: 80% dos suíços acreditam que a corrupção seja grande em seu país, mas 30% acham que isto não afeta suas vidas. Será que não afeta?

Vejamos o caso da China – onde a corrupção é punida com a pena de morte. Lá, o Ministério do Comércio divulgou que nos últimos anos cerca de 4 mil corruptos fugiram do país carregando nada menos que US$ 50 bilhões. Lamentando o fato, um dirigente chinês declarou: “A China precisa desesperadamente desse dinheiro, que poderia ser usado na construção de escolas para suas crianças, na geração de empregos para centenas de milhares de seus desempregados e na criação de serviços básicos de que seu povo tanto precisa”.

Está aí, nesta frase, o óbvio que as nossas bondosas leis ignoram – cada uma destas crianças sem escola, cada um destes desempregados e cada cidadão que padece – e até morre – por falta de serviços básicos é, no final das contas, uma vítima de crimes.

Li que o Brasil perde anualmente R$ 26 bilhões com a corrupção. O desvio de recursos seria equivalente ao orçamento de até 7 Ministérios pequenos, quase o do Ministério da Educação, ou cerca de 1,35% do nosso Produto Interno Bruto.

Enquanto isso, o MEC divulgou no ano 2000 que apenas 4% das salas de aula das escolas públicas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste tinha dicionário, 1 em cada 3 não tinha apagador e em 25% delas não havia quadro-negro em condições de uso. Imaginando-se a extensão do dano que isto causará ao futuro das crianças destas regiões, é difícil não defini-las como “vítimas de crimes” – e daqueles hediondos.

No quesito “desemprego” já temos mais de 11 milhões de brasileiros  sem trabalho. Segundo a ADESG, para sanar este problema o país precisaria investir cerca de 25% do PIB. Como – recordemos – 1,35% do PIB é tragado pela corrupção, temos aí alguns milhões sem emprego por conta da bandalha! Entre eles chefes de família cujos dramas dispensam comentários. Ora, impossível não defini-los como vítimas de crimes bárbaros!

Quanto aos “serviços básicos”, cálculos grosseiros indicaram que o Brasil precisaria investir cerca de R$ 22 bilhões por ano em infra-estrutura de base (eletricidade, rodovias, ferrovias, portos, hidrovias e saneamento) só para atender a demanda crescente – lembremos que a corrupção custa ao Brasil R$ 26 bilhões a cada ano, ou seja, R$ 4 bilhões a mais.

Logo, que tal pensarmos nas vítimas de acidentes de trânsito causados pela má qualidade das nossas estradas como vítimas de crimes? Que tal considerarmos  aqueles semelhantes nossos que morreram em filas de hospital, sem atendimento, como vítimas de crimes? Que tal considerarmos os mais de 80 milhões de brasileiros que não têm esgoto sanitário, muitos dos quais acabam contraindo doenças fatais, como vítimas de crimes?

Alguém diria: já o são, eis que a corrupção tem como sujeito passivo, no final das contas, toda a Sociedade. Grande engano! No Brasil, se alguém rouba uma única pessoa com violência da qual resulta morte, não haverá direito a anistia, graça, indulto ou fiança, e a pena poderá chegar a 30 anos de reclusão. Já um corrupto que desviou milhões de um hospital, causando a morte de diversas pessoas, terá direito a todos os benefícios legais e a pena, na pior das hipóteses, chegará aos 16 anos de reclusão – que ele dificilmente cumprirá integralmente.

Um outro aspecto: como quase sempre os acusados têm endereço certo, etc., acabam conseguindo ficar pelas ruas durante todo o processo, que pode durar muitos anos – e mesmo após condenados irão recorrendo também soltos.

Assim, dizer-se que nosso sistema legal e judiciário considera como verdadeiras vítimas de crimes os tantos que padecem tanto por causa de tão poucos nos traz à memória aquela frase de Anatole France: “a lei, no seu majestoso igualitarismo, proíbe tanto os ricos quanto os pobres de dormir debaixo da ponte”.

Pedro Valls Feu Rosa
Pedro Valls Feu Rosa
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo desde 1994. Programador de computadores, autor de diversos “softwares” dedicados à área jurídica, cedidos gratuitamente a diversos Tribunais do Brasil. Articulista de diversos jornais com artigos publicados também em outros países, como Suíça, Rússia e Angola.

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