No último dia 30 de abril, uma criança de um ano e seis meses passou mal e teve que ser levada a um pronto socorro em Vila Velha, após ingerir, acidentalmente, um cigarro com maconha que estava em sua casa. Diante da situação, a mãe foi encaminhada à delegacia regional do município e a criança levada para os cuidados do Conselho Tutelar.
Em contato com a Região 4 do Conselho Tutelar da cidade, a responsável que cuidou do caso – Eliane Beninca – disse que foi uma situação excepcional, que não costuma acontecer. “A delegada de plantão entendeu que a criança era bem cuidada, que foi um caso isolado. Foi oferecido tratamento aos pais, que entenderam que não era necessário, pois não são viciados no uso do entorpecente”, relatou.
O caso acende um sinal de alerta para perigos semelhantes, com substâncias nocivas e remédios, além de outros cuidados domésticos gerais. Também levanta questões sobre a segurança e responsabilidade dos pais ou responsáveis.
Diante do contexto, a médica pediatra, Kely Rodrigues Fontes Maia, apresenta algumas das formas que este tipo de ingestão por uma criança se manifesta: “A intoxicação pela substância pode se manifestar de várias formas. Uma das principais é a depressão do sistema nervoso central, que provoca sintomas como perda de consciência, crises convulsivas e até mesmo o óbito. Por isso, os pais devem evitar o acesso fácil a medicamentos, produtos de limpeza e outros itens tóxicos”.
“O atendimento médico imediato em caso de suspeita de intoxicação é de extrema importância. Procedimentos simples como uma lavagem gástrica na primeira hora de acidente salvam muitas vidas. Os responsáveis não devem omitir nenhuma informação e tentar esclarecer com riqueza de detalhes sobre o tipo de substância ingerida, a quantidade, o horário do acidente, e os sinais e sintomas, para que seja tomada a conduta mais adequada em cada caso”, alerta a profissional de saúde.
Prejuízo no desenvolvimento
A psicóloga e terapeuta familiar, Naira Caroline, acrescenta um possível prejuízo no desenvolvimento mental. “O impacto depende do tipo de substância, da idade da criança e da frequência da exposição. Drogas ilícitas, álcool e medicamentos de uso controlado não prescritos podem prejudicar o desempenho do aprendizado, emocional, social e comportamental das crianças, podendo resultar em problemas cognitivos, de saúde mental e até mesmo dependência química no futuro”.
Valéria Martins – especialista em Segurança Doméstica, Bombeira Civil e Técnica em Segurança do Trabalho – explicita outras situações que podem ocorrer nas residências: “A casa é recheada de riscos, principalmente para os menores, mas 90% desses acidentes podem ser evitados através da inspeção, fiscalização e supervisão dos adultos. Por exemplo, a cozinha não é lugar para crianças, já que elas podem se queimar com o fogo e panelas quentes, se cortar com facas e objetos pontiagudos, escorregar e tomar choques em tomadas.”
A palestrante também cita os perigos em locais como o banheiro – área muito úmida e com possibilidades de escorregamento e cortes – piscinas e lugares com grande quantidade de água.

“Minha dica de segurança é nunca deixar uma criança sozinha e sempre se perguntar, com um olhar criterioso em cada cômodo da casa, onde e como haveria riscos de acidentes. Também é importante lembrar que criança não cuida de criança”, complementa.
Papéis da sociedade no ensinamento
Para evitar estes possíveis problemas, pais, responsáveis e instituições da sociedade precisam se envolver e buscar conscientizar as crianças, conforme explica Valéria Martins. “Uma criança orientada, será um adolescente orientado. É uma conversa que deve ser constante e, desde o início da alfabetização, precisa-se ensinar os números de emergência, deixando anotado em algum lugar de fácil acesso”.
A psicóloga Maria Lígia Soares, especializada em Neuropsicologia e psicologia junguiana, fala sobre os métodos de abordagem. “Algumas dicas para tratar este assunto de maneira eficaz são: comunicação aberta e honesta; adaptação da linguagem à idade da criança; demonstrar, ao invés de apenas falar; estabelecer regras claras e consistentes; incentivar a responsabilidade pessoal, promover a resolução de problemas e reforçar a importância de pedir ajuda”.
Naira Caroline versa sobre o papel da sociedade, de modo geral, na prevenção de acidentes relacionados à ingestão de substâncias por crianças. “É preciso ter instituições que eduquem e tragam esses esclarecimentos de prevenção. A gente precisa levar isso para a educação pública através de campanhas de conscientização, destacando a importância de armazenar as substâncias de forma segura, longe do alcance das crianças. Também é necessária uma regulamentação sobre o assunto”.
Na visão dela, “uma sociedade educada, com profissionais da saúde que conversem entre si e estejam integrados, desempenha um papel fundamental na proteção das crianças. Cria ambientes mais seguros e garante a sua preservação e o desenvolvimento para a vida adulta”.
O psicológico dos pais ou responsáveis
Outra questão que acaba sendo esquecida é o psicológico dos pais e responsáveis após o acontecimento de acidentes domésticos com seus filhos. “Isso pode ser extremamente desafiador, por isso é fundamental que eles busquem apoio emocional e psicológico – com amigos, familiares e profissionais – evitem se culpar excessivamente e aprendam com a experiência”, discorre Maria Lígia Soares.
“Os pais também precisam de cuidado. É importante educar-se e entender o que aconteceu para evitar situações semelhantes no futuro e ajudar a se sentirem mais capacitados e menos ansiosos. Também é preciso praticar uma autoestima, no sentido de que, mesmo acontecendo este tipo de coisa, eles fizeram o melhor que podiam. A culpa neste momento, mesmo que natural, não vai ajudar em nada”, acrescenta Naira Caroline.
Sinais de alerta de que uma criança pode ter ingerido uma substância perigosa
- Mudanças repentinas no comportamento da criança, como sonolência extrema, agitação incomum, confusão mental ou dificuldade para acordar;
- Dor abdominal intensa que não está relacionada a nenhuma lesão física aparente;
- Náuseas, vômitos frequentes ou diarreia;
- Respiração prejudicada, respiração ofegante, falta de ar ou tosse persistente;
- Alterações na pele, como erupções cutâneas, manchas ou vermelhidão;
- Queimaduras ou irritação na boca, lábios ou garganta;
- Salivação excessiva;
- Mudanças na cor da língua ou lábios;
- Convulsões ou tremores;
- Alterações na frequência cardíaca ou na pressão arterial.
POR VÍCTOR FONTES (ES HOJE)