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16 de maio de 2024
quinta-feira, 16 de maio de 2024
Homero Junger Mafra
Homero Junger Mafra
Advogado, ex-presidente da OAB-ES por 3 mandatos, professor de Processo Penal, marido da Ligia Mafra e pai da Laura.

Onde estará aquele que não apareceu”?

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reabriu nesta terça-feira (2) processo para investigar o assassinato do ex-deputado federal e engenheiro civil Rubens Paiva. Ele foi preso, torturado e morto pela ditadura militar em 1971. Tido como desaparecido por 40 anos, teve a morte confirmada em decorrência dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, concluída em 2014. (Agência Brasil, 02/04/2024)

A reabertura do caso Rubens Paiva é a certeza de que o país não pode manter silêncio sobre os desaparecimento de presos políticos no período da ditadura militar.

Esquecer é permitir repetir.

No dia 20 de janeiro de 1971 era feriado no Rio, por isso dormi até mais tarde. De manhã, quando todos se preparavam para ir à praia (e eu dormindo), a casa foi invadida por seis militares à paisana, armados com metralhadoras. Enquanto minhas irmãs e as empregadas estavam sob miras, um deles, que parecia ser o chefe, deu uma ordem de prisão: meu pai deveria comparecer na Aeronáutica para prestar depoimento. Ordem escrita? Nenhuma. Motivo? Só deus sabe.” (Marcelo Rubens Paiva, Feliz Ano Velho).

A ditadura sempre negou a prisão do ex-Deputado: “Ele acalmou os invasores, pediu que guardassem as armas e vestiu-se. Saiu de terno e gravata, guiando o próprio carro. A recuperação posterior desse carro seria a prova de que o ex-deputado fora preso — o que os órgãos de repressão negavam.” O carro foi devolvido e como não se podia negar a prisão de Rubens Paiva, e seu desaparecimento, criou-se uma mirabolante hipótese de fuga, impossível de ser acreditada.

De todos os abusos, de todos os crimes cometidos pelo regime de 64, de todos os horrores da ditadura militar, o que mais me chocou foi a não entrega das vítimas de tortura ou execução para seus parentes, depois de mortos.

Nunca consegui sequer imaginar a dor dos familiares dos desaparecidos políticos, aos quais foi negado o mais elementar dos direitos, que é o de velar seus mortos. E isso, viver o luto, a ditadura não permitiu a tantas e tantas famílias brasileiras.

Quando fui Presidente da OAB/ES lutei para que os municípios capixabas homenageassem os nascidos ali e que o regime ditatorial matara e desaparecera com seus corpos, nunca entregues a seus familiares: Arildo Valadão, José Maurilio Patricio, João Gualberto Calatrone, Marcos José de Lima (todos mortos na Guerrilha do Araguaia) e Orlando Bonfim Junior.

Em alguns municípios, poucos, consegui, noutros, a maioria, não.

Mas ainda há tempo.

Sempre é tempo de lembrar. Nunca é tempo de esquecer.

Quando eu me banho no meu Araguaia
E bebo da sua água sangre fria
Bichos caçados na noite e no dia
Bebem e se banham eles são comigo
Triste guerrilha companheiro morto
Suor e sangue, brilho do corpo
Mas se o corpo desse pó é pó
Um círio da luz dessa dor
Violento amor há de voar”. (Araguaia, Ednardo).

Onde estão Osvaldão, Arildo Valadão, Jana Moroni, onde estão? Helenira Rezende, onde está?

Onde estão os desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Onde estão seus corpos? Em que parte da floresta, junto com seus sonhos, foram jogados?

Ele retrucara ao Avrum, o Secretário da Sociedade, que na entrada do Cemitério do Butantã há uma grande lápide em memóriacdos mortos do holocausto, e debaixo dela não há nenhum corpo. Avrum o admoestara por comparar o que aconteceu com sua filha ao Holocausto, nada se compara ao Holocausto, disse; chegou a se levantar, tão aborrecido ficou. O Holocausto é um e único, o mal absoluto. Com isso K. concordou, mas retrucou

que para ele a tragédia da filha era continuação do Holocausto.” K, Relato de uma busca, Bernardo Kucinsky).

Ana Rosa Kucinsky era professora de Química na Universidade de São Paulo e desapareceu junto com seu marido, Wilson Silva, nas proximidades da praça da República, em São Paulo.

O ano do desaparecimento foi 1974 e segundo o médico Amilcar Lobo, que prestou seus serviços aos órgãos da repressão, seus corpos foram despedaçados na chamada Casa da Morte, em Petrópolis.

Ana Rosa Kucinsky, como seu marido, era uma militante política e foi presa, torturada e morta por pessoas a serviço do Estado.

Seus parentes nunca receberam o corpo e o departamento de química da USP, na ditadura, teve a desfaçatez de reconhecer, para uma desaparecida política, sabidamente morta, abandono de serviço.

Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações” (Vai Passar, Chico Buarque).

João Massena, Heleny Ferreira Telles Guariba, Hiran de Lima Pereira, Honestino Guimarães, Isis Dias de Oliveira, Itair José Veloso, Mário Alves, Walquiria Afonso Costa, Sueli Yumiko Kanayama, onde estão seus corpos? Quando teremos notícias suas?

Mário Alves era jornalista e militante político. Morreu empalado na tortura e é mais um desaparecido político.

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar”. (Angélica)

Stuart Angel Jones foi morto sob tortura. Tinha 25 anos e era filho da famosa estilista Zuzu Angel e de um cidadão norte americano.

Seus torturadores queriam arrancar dele o segredo que levaria ao endereço de Carlos Lamarca. Mesmo barbaramente torturado, Stuart não falava. Morreu arrastado no cano de descarga de um jeep pela base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro.

Sua mãe passou a denunciar a causa e a forma da morte (tortura) em todos os lugares possíveis.

O corpo de Stuart nunca foi encontrado, mesmo estando preso na base aérea do Galeão.

Sua mãe, Zuzu Angel, e sua irmã, Hildegard, talvez só o tenham visto nos belos e tristíssimos versos de Chico Buarque em Angélica, sabidamente dedicados à luta de Zuzu.

Esquecer os desaparecidos não pode ser uma opção.

Os familiares têm o direito de saber em que lugar estão seus mortos e finalmente poder viver seu luto na integralidade.

Saber que estão mortos, todos sabemos. Mas onde estarão? Na escuridão do mar, da mata, nas cidades, onde?

“Onde estará aquele que não apareceu”

Homero Junger Mafra
Homero Junger Mafra
Advogado, ex-presidente da OAB-ES por 3 mandatos, professor de Processo Penal, marido da Ligia Mafra e pai da Laura.

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