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4 de maio de 2024
sábado, 4 de maio de 2024
Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

Ignorância triunfante

Mesmo sob o risco de ferir suscetibilidades mas tentando evita-lo ao máximo, começo esse texto registrando o que penso ser (minha modesta e quase sempre equivocada opinião!) uma verdade absoluta: somos todos, do mais brilhante cientista já nascido neste planeta à mais modesta criatura ainda a respirar, absoluta e irremediavelmente ignorantes sobre 99,99% de tudo o que nos cerca, sobre todo tipo de conhecimento já produzido ou ainda por sê-lo no passado e no presente, e provavelmente assim seremos em relação ao que for descoberto ou inventado no futuro.

Realidade difícil de aceitar, principalmente pelos mais vaidosos de sua pretensa genialidade, quando contemplamos tantas maravilhas produzidas pelo homem desde que nos erguemos sobre duas pernas, dominamos o fogo e passamos a exibir reluzentes títulos de síndicos da criação. Mais ainda hoje em dia quando, à mercê de dois cliques numa telinha, temos acesso às outrora mais escondidas informações, fatos que antigamente ficariam restritos a um punhado de pessoas do outro lado do globo.

Imaginemos um navegador do século 16 com um GPS em suas mãos, um médico da idade média com um microscópio eletrônico às suas ordens ou um sujeito como Isaac Newton munido de uma calculadora HP, dessas que acadêmicos de engenharia hoje usam tanto quanto seus fornos de micro-ondas.

Esse dilúvio de facilidades e essa enxurrada de informações provocaram uma pandemia de versões e opiniões sobre todo e qualquer assunto que nos alcance através dos mecanismos de comunicação e compartilhamento, como redes sociais e provedores de conteúdo, produzindo colossais mudanças em nossos modos de ser, de pensar e de agir. Sociedades antes multifacetadas e fortes em suas diversidades culturais, étnicas e históricas, estão se transformando em massas amorfas, conduzidas a movimentos e escolhas entre duas hipóteses absolutamente antagônicas entre si, cada lado da discussão reivindicando a exclusividade da razão.

Como dito antes, somos inapelavelmente cegos em relação à quase tudo o que existe em nossa volta, e o único antídoto possível à tamanha obscuridade é colhermos e processarmos o máximo possível de elementos informativos. Ocorre que esse processo, de educação e esclarecimento, exige dedicação, tempo, humildade, paciência, compromisso com a verdade e, em relação à essa última, coragem para reconhecê-la principalmente quando ela se revela contrária às nossas convicções.

A mim me impressiona ouvir comentários ou críticas feitas por pessoas que não têm a menor formação ou noção do tema em voga, sobre atos praticados por outros, esses sim, especialistas. Como advogado e sempre estudante dos assuntos jurídicos, procuro me inteirar dos aspectos técnicos de toda questão que me é exposta, seja pessoal ou profissionalmente, porque pior que silenciar revelando minha rasa cultura, é dizer bisonhices ao meu interlocutor, que em tese confia em mim e me valoriza como fonte de informações.

Muitas vezes fujo à mesmice para aprender sobre áreas diversas, em grande parte distantes do meu cotidiano de trabalho, tal como a medicina, que figurava entre as opções no pré-vestibular. Mas não tenho nenhuma capacidade de debater com amigos médicos hipóteses diagnósticas, melhor tratamento, tal ou qual técnica, porque faltam-me conhecimentos, e cultivo algum bom-senso.

Todavia pasma-me gente que, se minutos antes de determinado fato se tornar público dele sequer tinha ouvido falar, desanda a discorrer e defender com afinco ideias ou afirmações escutadas de outros também despidos de competência para isso, na maioria das vezes apenas por simpatia pessoal. E isso se agrava quando alguns, com maior acesso aos meios de comunicação ou travestidos de autoridade, desatam a falar besteiras, levando muita gente a acreditar na veracidade de seu conteúdo ou a praticar desatinos ou crimes na certeza de que estão fazendo o certo.

Os que assim agem, além da irresponsabilidade e da desonestidade intelectual que ostentam à cata de efêmero reconhecimento, terminam desacreditados quando identificados como a fraude que são, antes merecendo as reprimendas sociais e o exílio da mediocridade, frutos da triunfante ignorância que arrotaram por brevíssimo tempo de fama.

Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

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