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4 de maio de 2024
sábado, 4 de maio de 2024
Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

Fermentação tóxica

Um dos processos naturais mais fantásticos que existem é a fermentação. Através dele, muitas substâncias, combinadas com outras e submetidas a determinadas condições, transformam-se ou produzem outras extremamente importantes, permitindo, inclusive, o surgimento e a manutenção da vida. Desde àquela ancestral sopa de nutrientes que, submetida às forças da natureza, deu origem a todos os seres vivos que habitam nosso planeta, até em atividades algumas comuns em nosso cotidiano como a produção de alimentos e medicamentos, de alguma maneira, esse processo ocorreu.

O ser humano, observando e intervindo, errando e repetindo até conseguir compreender e dominar suas etapas, vem se beneficiando da fermentação cada vez mais, reduzindo custos, aperfeiçoando fases e melhorando seus resultados. Ou alguém imagina que aquele pão espetacular que esquenta nossas manhãs, a cerveja refrescante e o vinho perfumado que nos animam o lazer surgiram por acaso, do fundo de algum buraco cavado ou pendurados em alguma árvore?

Mas, como ocorre com todos os fenômeno que nos cercam, provocados ou não, seus efeitos podem ser usados ou interpretados para o bem ou para o mal, para promover e melhorar nossas vidas, ou para abreviá-las. Tornando ao ambiente natural e à Inteligência maior que nos governa – claro que para quem acredita – determinadas reações e processos dependem da junção de duas ou mais substâncias que interagem entre si, bem como a manifestação de outras condições propícias, para que o efeito possível se materialize, de maneira que, em incontáveis situações, o elemento indispensável é a ação humana, que deriva da vontade ou da necessidade de alcançar aquele fim.

Das mais fantásticas e salvadoras vacinas aos mais mortais venenos sintetizados ou descobertos, alguém, em algum momento, decidiu empregar todo seu conhecimento e toda sua energia para obter o mais eficaz mecanismo de salvação ou de destruição. Ocorre que, salvo um número restritíssimo de pessoas que já viveram ou vivem nesse mundo, a vasta maioria das pessoas não têm conhecimentos, oportunidades ou acesso que lhes permita de alguma forma participar de processos e situações tão complexas e abrangentes, restringindo-se, quando muito, aqueles eventos corriqueiros, comuns em seus ambientes domésticos, profissionais ou sociais.

Porém, mesmo nesses, mesmo em nossos cotidianos ordinários, a fermentação, decidida ou tolerada, pode nos trazer desagradáveis e venenosas consequências.

Qualquer pessoa sabe que se reinserir num alimento, sem lavá-la, a colher levada antes à boca, em pouco tempo todo aquele conteúdo estará estragado. Qualquer um de nós conhece casos de pequenas feridas que, não tratadas, produziram infecções que levaram pessoas antes saudáveis à morte.

Bactérias, das mais simples às mais complexas, nutrem-se exatamente da fermentação que permitimos ou provocamos em seus meios de cultura, produzindo toxinas algumas delas saudáveis, outras mortais. Mesmo quando comparado às mais devastadoras criaturas, existe um elemento patogênico natural que ganha de longe o campeonato de letalidade, porque é o mais potente, o mais abundante, o que se multiplica com mais facilidade e mais rapidamente: o ódio. E, infelizmente, ao contrário do que se possa imaginar, tratamento de choque, com grandes quantidades daquele que que muitos de nós, erradamente, pensamos ser o seu maior antígeno, o amor, de nada adianta, porque submeter-se à tal terapia, assim como ocorre com um adulto diante de uma vacina, depende da sua escolha entre a racionalidade e a ignorância, entre a bizarrice e o equilíbrio, entre a lucidez própria e a estupidez alheia.

Assim como não escolhemos gostar de alguém ou de alguma situação, ódio é sentimento ou sensação que nos surpreende a qualquer instante, ao menos quando não somos daqueles que decidem se dedicar ao seu cultivo, adquirindo as melhores “sementes e adubos” disponíveis. Mas podemos impedir sua proliferação, interromper sua fermentação, isolá-lo o mais longe possível de nossos caminhos e, ainda, afastarmo-nos daqueles espaços sabidamente vocacionados ao seu incremento, frequentados por pessoas que se nutrem de relações apodrecidas, estranhamente fascinadas em velórios da felicidade alheia.

Além de medida inteligente, fazê-lo promove a profilaxia do espírito, a higiene do convívio e a desinfecção de nossa rotina. Uma escolha, enfim, que revela a inteligência da frase de Nietzsche, para quem “aquele que convive com monstros, deve acautelar-se para não se tornar um deles, pois quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo também passa a olhar para dentro de você.”

Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

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