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4 de maio de 2024
sábado, 4 de maio de 2024
Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

Crachá de autoridade

Há muitos anos, antes da facilitação do acesso instantâneo à qualquer tipo de informação, surgiam do nada algumas pessoas, algumas delas longevas conhecidas, ostentando carteiras de couro e adesivos de para-brisas com brasões imponentes sugerindo serem seus portadores membros de alguma “Instituição” ou “Poder” bastante relevante na sociedade, como um tal “Tribunal Arbitral Brasileiro”.

Como insetos atraídos pelo brilho das lâmpadas, muita gente se deixava enganar por esses notórios trambiqueiros, desfrutando e festejando sua companhia até que se davam conta da armadilha na qual haviam caído, para a maioria sequer mais tempo havendo para dela livrarem-se, morrendo esturricados ou envenenados enquanto seus algozes desfrutavam dos louros e lucros de seus planos, para os quais indispensável é escolherem com rigor e experiência suas vítimas: quanto mais ingênuas, vaidosas e impressionáveis, melhor.

Essa lembrança me veio à mente novamente junto com a notícia da prisão dos foragidos do presidio federal em Mossoró(RN), quando li alguns comentários lançados nos diversos canais que veicularam a notícia. Em muitos deles li manifestações críticas ao custo daquela operação, alguns deles curiosíssimos pela identidade de quem os fazia, como o de uma conhecida, aguerrida patriota até poucos meses engajada na cruzada contra a aplicação das vacinas comunistas contra a COVID-19, agora vociferando impropérios ao “sigilo” das investigações nos processos que a Polícia Federal vem tocando e protestando veementemente contra o que chama de “seletividade e perseguição política”, coroando sua postagem com firme posição: os recursos públicos gastos na busca e captura deveriam ter sido empregados na compra de mais vacinas contra a Dengue, o que me autorizou concluir, com confessado alívio, que dessa vez não haveria o risco de alguém ser transformado em jacaré, ficando o problema zoológico restrito apenas ao mosquito.

Em meio à tal mixórdia narrativa que nos embala o momento, também se avultam referências quase sempre permeadas por termos como “ditadura” e “inconstitucionalidade”, sobre o que aprenderam a apelidar de “falta de transparência e de publicidade” nessas investigações, missões ou processos, terminando sempre nas indefectíveis teorias da conspiração, todas elas fundadas na premissa de que seu revelador é uma espécie de oráculo de um grande movimento de libertação ou de conscientização internacional, descido à Terra para salvar a humanidade de algum perigo que apenas aos seus iluminados integrantes foi revelado.

O mais impactante nessas situações, pelo menos para mim, não são os comentários provindos de pessoas absolutamente ignorantes, mesmo de boa-fé, como as moscas atraídas pelas tais luminárias brilhantes, mas aqueles feitos por quem alcançou alguma formação técnica sobre o tema em voga, pelo menos como pretensamente informam seus currículos, crachás e brasões. Enquanto esforçado estudante que sou de alguns temas como o direito, aprendi que a maioria esmagadora das pessoas, público esse no qual me incluo, somos irremediável e fragorosamente ignorantes sobre quase tudo na vida, com alguns lampejos de lucidez fruto de esforço e dedicação cognitivos, observação e humilde contemplação.

Não obstante, na mesma dimensão que crescem os enxames, também aumenta o número de encantadores que vivem de piscar suas lanternas à cata de novos satélites para sua órbita. Não raro tropeço em algum vídeo, entrevista ou podcast onde estão – meros exemplos – pessoas que nunca abriram um exemplar da Constituição explicando Teoria do Estado, debatendo ritos processuais ou verberando contra decisões de Ministros do STF. Isso sem contar com aqueles que, sob o pálio do argumento da autoridade na qual estão investidos, ficam bravos quando a gente diz que determinado bicho felpudo, que bebe leite, anda pelo telhado, mia e caça ratos, para nós parece um gato já que, na ingente tarefa de defender suas convicções políticas, religiosas e ideológicas, quase sempre ancoradas em algum tipo de arranjo ou esquema inconfessáveis, cabe-lhes fincar o pé de que o tal animal é um camelo. C

laro que dentro dos limites da convivência harmônica, determinadas falas, vindas de pessoas com as quais dividimos algum tempo e vida, demandam tolerância, por respeito às diversidades de opinião e ao equilíbrio de nossas relações. Mas uma vez acesa a “luz amarela” que indica perigo, a melhor saída é parar naquele ponto a conversa.

Como um operário do direito que sou, expressão cujo crédito registro ao querido amigo Rodrigo Mazzei, não-raro escuto teses e frases que produzem em mim o mesmo efeito daquelas cornetas comuns nos dias de jogos da Copa do Mundo. Passado o susto, costumo avaliar a identidade e a formação de seu soprador, e também o contexto no qual foi tal berrante acionado.

Opiniões divergentes são absolutamente naturais e saudáveis à nossa evolução pessoal e social, porém quando um dos conferentes sabe exatamente o impacto e o equívoco da tese por si sustentada mas ainda assim insiste na sua cruzada, essa discussão deixa o campo da retórica e invade o campo da delinquência intelectual, dança à qual a gente pode e deve recusar o convite.

Algumas pessoas públicas, muitas delas eleitas para o sagrado exercício da representação política, precisam compreender, ao risco da vida lhes ensinar da pior forma, que não são donos de seus mandatos e cargos, mas apenas seus efêmeros ocupantes. Deveriam cuidar e reservar pelo menos parte da energia que gastam nas suas eloquentes e caricatas manifestações para refletirem sobre o inescapável destino que já alcançou absolutamente todos seus antecessores assemelhados e que, mais hora, menos hora, tocará suas campainhas.

E quando desligada a lâmpada principal de suas vidas, ou substituída por um modelo mais novidadeiro e eficiente ao mesmo propósito, sumirão antigos companheiros de trincheira, cairão adornos, comendas e medalhas, e eles acabarão depositados na gaveta escura da mediocridade, quando muito virando referência de alguma coisa muito extravagante que por um momento pareceu ter alguma graça, valor ou serventia, mas que ao cabo ficou apenas como signo de um lamentável projeto mau-enjambrado de ser humano.

Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

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