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4 de maio de 2024
sábado, 4 de maio de 2024
Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

Avaliações

Avaliar é apurar a qualidade, a intensidade, a extensão e tantos outros atributos de alguma coisa da qual se pretende aferir utilidade ou valor. Quem leva a penhor uma joia pode até ficar feliz diante de um comentário elogioso do funcionário da loja acerca da beleza da peça, mas o que realmente lhe interessa é saber quanto receberá pelo metal que a compõem, porque essa quantia é que importa para saldar sua dívida.

Assim também, um gerente de recursos humanos de uma empresa certamente adorará entrevistar um pretendente que torce pelo mesmo time seu, mas sua função é verificar se ele reúne as condições técnicas para a função pretendida. Em quaisquer circunstâncias, apurar demanda critérios que correspondem à expectativa, pouco importando os valores íntimos ou características daquela pessoa objeto do escrutínio.

A um médico responsável por acudir a vítima de um atropelamento, não deve importar se se trata de um admirável professor ou perigoso assassino, já que a conduta dedicada à salvação do primeiro, quando negligenciada ao segundo, poderá custar sua carreira.

Também a um juiz que profere uma sentença, uma vez demonstradas a autoria e a materialidade de ato definido como crime, não poderão prevalecer sobre a prova dos autos sua solidariedade com o réu, ou a crença de que aquele ato não deveria ser tipificado como ilícito ou, ao contrário, mas na mesma toada, quando conclui pela ausência desses mesmos elementos, porém nutre por ele ou por seu ato qualquer espécie de repulsa, é obrigado a condená-lo no primeiro caso, e a absolvê-lo no segundo. Em ambos os casos, os correspondentes processos de avaliação demandam- isenção, equilíbrio e, sobretudo, a honestidade intelectual.

Realizar juízo de valor, prática que inspira o título, é operação que, mesmo quando envolve escolhas pessoais, impõe a observância de critérios que compõem uma espécie de gabarito, permitindo a conclusão desse processo com decisão revele compromisso com a verdade e adoção de parâmetros de excelência, eficácia ou mérito que a legitimam, garantindo sua respeitabilidade. E os exemplos são diversos.

Quem compra uma mercadoria, vende um carro, apita uma disputa esportiva ou media um conflito entre amigos mereceu a confiança dos responsáveis pela sua escolha ou investidura, mais ainda dos destinatários finais de sua conduta. Seguindo minimamente regras legais e éticas aplicáveis à missão que lhe foi atribuída, é possível até que desagrade a alguns poucos, mas se fugir delas por qualquer motivo ou interesse, terminará conspurcando sua imagem, os propósitos de sua atividade e corrompendo todo um sistema.

A maioria das pessoas tem uma ideia errada do que significa corrupção. Por simplismo ou ignorância adotam, para compreendê-la, alegorias como “molhar a mão do guarda de trânsito” ou “dar um agrado a um fiscal de obras”.

Corrupção é muito mais que isso e, infelizmente, compõe a matriz do caráter de muitos de nós. No âmbito do direito penal, aquele que oferece, exige ou aceita algum tipo de vantagem para fazer ou deixar de fazer o que lhe impõe seu ofício comete esse crime.

Ampliando o quadro, um pai que sabe ilegal um comerciante vender bebidas alcoólicas ao seu filho menor, mas as adquire no mercado, fornecendo ao seu garoto e aos amigos dele dentro de sua casa, além do crime correlato também perpetrou corrupção, nesse caso dos seus deveres de responsável pela educação do menino e da confiança dos pais dos outros.

O mesmo ocorre com uma mãe que, temendo a reprovação do seu filho na faculdade, compra para ele um trabalho final de alguém que ganha sua vida fraudando regras acadêmicas. Toda vez que inserimos no contexto de nossas avaliações e decisões, profissionais ou cotidianas, um germe que as contamina, terminamos por depravar o sistema, com repercussões pequenas ou grandes, que afetam a nós mesmos ou a toda uma coletividade, e suas consequências deletérias, na maior parte das vezes, não podemos mais controlar ou melhorar.

No “armário” de nossos caráteres não existem penduradas duas mudas de roupa distintas, uma para ficarmos em casa, outra para sairmos às ruas. Quem é desonesto consigo mesmo, também o é em público. E vice-versa.

Gustavo Varella Cabral
Gustavo Varella Cabral
Advogado, jornalista, professor Mestre em direitos e garantias fundamentais pela FGV

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