Vez ou outra, ou vez em sempre, sou impelido por alguns atores políticos ou pela imprensa, em entrevistas, a comentar sobre o ambiente de polarização calcificada em que vivemos e que tem dado vozes cada vez mais audíveis ao ódio e à violência, de parte a parte na régua ideológica política. Começo minha avaliação recorrendo a um ditado popular dos mais batidos, que minha avó sempre invocava quando eu e minha irmã nos estranhávamos: “quando um não quer, dois não brigam”.
A direita como a conhecemos hoje emergiu alfinetando o PT. “Alfinetar” é um eufemismo para a batalha política sangrenta que se travou no Brasil desde a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. Foi ali o nascedouro do antipetismo voraz, personificado na figura de Jair Bolsonaro, que passou a rodar o país e encher aeroportos com seus fãs. O PT bateu cabeça durante os quatro anos seguintes, na tentativa de encontrar uma estratégia para aplacar o crescimento de Bolsonaro – não sem antes subestimar sua ascensão e se surpreender com sua vitória em 2018.
Dali em diante, encontrou um caminho que, na minha avaliação, desde sempre, não era estrategicamente o melhor: esticar a corda com o bolsonarismo, estabelecendo a polarização que vemos hoje. Entendo que a estratégia encampada pelos petistas e o próprio Lula foi necessária para não permitir que o PT sucumbisse a esse novo e avassalador movimento da direita. Todavia estabelecer narrativas e ações a partir da mesma régua do opositor e seus incansáveis militantes não foi a melhor estratégia.
A opção do governo federal de apostar na manutenção da polarização com Bolsonaro depois do 8 de Janeiro, alimentando debates com o grupo político do ex-presidente em temas como a política externa, agora preocupa os petistas mais racionais e que sabem fazer contas eleitorais. Ainda na campanha de 2022, Lula defendeu a tal “pacificação” na política e a “união”. Mas com a necessidade de estressar ainda mais as relações entre os dois polos, a fim de inflamar os descontentes com os bolsonaristas a encampar as ações de seu antagonista, o PT, criou um ambiente que tirou completamente o foco das ações de governo.
No atual momento político em que vivemos, ou se sustenta as pautas morais e ideológicas, ou se discute governos e ações. As duas não cabem em um mesmo discurso, pois a primeira acaba engolindo a segunda, sobretudo nas redes sociais, onde o terreno é propício para disseminação de ódio, narrativas e as malfadadas fake news.
Nessa toada, o PSDB perdeu um enorme séquito de soldados. Só em São Paulo, durante a janela partidária, o número de prefeitos caiu de 173 para 26 filiados à legenda – isso em um território que décadas é dominado pelo partido. O PSB de Tabata Amaral tem encontrado dificuldades de produzir alianças e fazê-la crescer nas pesquisas de intenção de votos. A deputada federal que é pré-candidata a prefeita da capital paulista está em terceiro lugar, muito atrás do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que reza a cartilha bolsonarista, e de Guilherme Boulos, que tem o irrestrito apoio do PT e de Lula. A situação não diferente da de outras legendas tradicionais, como o MDB e o PDT, que têm visto seu capital eleitoral escorrer entre os dedos para as mãos de siglas mais próximas dos polos.
A apreensão do PT com as eleições municipais é grande. No Sudeste, a única capital em que o partido deve ter candidatura própria é Vitória, com João Coser. Nas demais, fará alianças na tentativa de manter a frente ampla que trouxe o partido até aqui. Fora do Nordeste, berço da liderança do PT, a situação é muito crítica, país agora. Centro-Oeste e Sul são majoritariamente conservadores. O Norte se divide um pouco mais. Na janela que se encerrou no último sábado, a direita no Espírito Santo foi a que teve o maior contingente de novos filiados aptos a disputar o pleito deste ano.
Se o PT abandonasse a rinha que tem travado com a direita e adotasse um discurso mais suprapartidário, centrado nas ações e governo e entregas e menos nas questões ideológicas, conseguiria abafar parte a gritaria do outro lado. Em vez disso, o campo progressista se coloca como caixa de ressonância que reverbera esse som escorchante que são os costumes. Em vez de invocar um pouco de racionalidade em sua voz, lembrando ao cidadão que pautas morais não colocam comida na mesa, não geram emprego nem constroem cidades, apela para a máxima “ganha a briga quem grita mais alto”.
Por mais que os dois lados cresçam em tamanho, em uma disputa nunca há dois vencedores – um sempre vai sair perdendo. E nessa baderna de megafones, a direita me parece estar se saindo muito melhor.