Há um debate no âmbito do direito do trabalho acerca do reconhecimento de vínculos empregatícios em atividades ilícitas. O contrato de emprego é uma espécie de negócio jurídico que obedece a certos requisitos de validade, entre eles, possuir objeto em conformidade com a ordem jurídica.
Um dos casos mais discutidos na Justiça do Trabalho envolve trabalhadores que desempenham afazeres relacionados à prática do “jogo do bicho”, considerado contravenção penal pelo artigo 58 do Decreto-Lei n. 3.688/1941.
A Subseção Especializada em Dissídios Individuais I (SBD1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) emitiu a Orientação Jurisprudencial (OJ) n. 199 sobre o assunto: “[…] É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico”.
Portanto, em casos de trabalhos vinculados a práticas ilícitas, como as de “jogo do bicho”, ainda que estejam presentes os elementos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o vínculo empregatício não será admitido.
Entretanto há situações que requererem aprofundamento. Uma delas é quando há dissociação entre o trabalho prestado e o núcleo da atividade ilícita. Essas situações são de maior complexidade e demandam elementos probatórios sólidos.
A Quinta Turma do TST, no Ag-AIRR n. 113-10.2021.5.13.0008, analisou um caso em que uma loteria recorreu contra o reconhecimento do vínculo de emprego de uma vendedora. A empresa sustentou que a ilicitude de sua atividade (apostas do “jogo do bicho”) invalidaria o contrato. Todavia, a vendedora demonstrou que também exercia outras atividades lícitas, como recarga de celulares e venda de bilhetes de loteria.
O TST, ao decidir, reafirmou sua jurisprudência em reconhecer a validade do contrato empregatício, porque, apesar de a trabalhadora prestar serviços em um local destinado à atividade ilícita, ela não atuava exclusivamente nessas tarefas. Idêntico raciocínio, na linha do decidido pela Corte, aplicar-se-ia aos trabalhadores da limpeza e segurança.
Por fim, há diferença entre objeto ilícito e objeto proibido ou irregular. No último caso, a teoria das nulidades é reformulada com base nas particularidades do direito laboral e na impossibilidade de devolver a força de trabalho ao trabalhador.
A prática do trabalho cujo objeto é proibido é anulável. Por efeito, não possui caráter retroativo, o que permite a declaração da relação empregatícia e o pagamento de direitos trabalhistas, com o término imediato do contrato. Ao contrário do trabalho cujo objeto é ilícito, que gera a nulidade da avença e impede o reconhecimento do liame de emprego e de direitos laborais, no tocante ao trabalho irregular, a ordem jurídica trabalhista não nega efeitos a essa relação.
Um dos casos decididos pelo TST, alusivo ao trabalho cujo objeto é proibido, envolve o trabalho de policiais militares realizados em favor de particulares. Nesse cenário, aplica-se a Súmula n. 386 do TST:” […] Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar”.
Um policial militar, por exemplo, que trabalha como segurança em estabelecimento comercial exerce atividade lícita. Porém a prática é proibida pelo Estatuto da Polícia. O vínculo de emprego pode ser declarado, inclusive com pagamento de direitos trabalhistas, sem prejuízo da punição do policial militar pela corporação.
Portanto, em caso de discussão sobre vínculo empregatício, é crucial avaliar a natureza do objeto do contrato: se for ilícito, o pedido será negado, salvo se houver demonstração de que outras atividades lícitas eram realizadas e que havia relativa dissociação delas com a ilicitude. Na hipótese de um objeto proibido, a irregularidade não impede a declaração do vínculo, porém o trabalhador e/ou tomador do seu trabalho (contratante) podem ser punidos.