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5 de maio de 2024
domingo, 5 de maio de 2024
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

STF nega vínculo e afasta competência da Justiça do Trabalho em ação de motorista de aplicativo

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 23 de maio de 2023, ao apreciar a reclamação n. 59.795, em decisão do Ministro Alexandre de Moraes, cassou acórdão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região que reconhecera vínculo empregatício entre motorista e Cabify Agência de Serviços de Transporte de Passageiros Ltda.

A decisão considerou que o STF vem permitindo outras formas de relação de trabalho, como terceirização, pejotização e contratos de natureza civil. Rememorou o conflito de competência n. 164.544, apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja decisão admitira a competência da Justiça Comum Estadual para julgar determinado caso entre motorista e Uber sob o fundamento de que se tratava de relação de natureza civil.

O Ministro Relator, no STF, concluiu que essas premissas pautariam a relação jurídica entre o motorista e o aplicativo mantido pela Cabify, porquanto, em sua visão, essa situação se assemelha à vivenciada pelo transportador autônomo de cargas regulado pela Lei n. 11.442/2007, isto é, um liame sem vínculo, marcado pela autonomia do motorista e de natureza comercial (não de trabalho).

Por efeito, o Ministro Relator julgou procedente o pedido da reclamação n. 59.795 para cassar os atos proferidos pela Justiça do Trabalho e determinar a remessa dos autos à Justiça Comum.

A Cabify, autora da reclamação, alegou que o acórdão do TRT da 3ª Região contrariou as seguintes decisões do STF: ação direta de constitucionalidade (ADC) n. 48; recursos extraordinários (RE) n. 958.252 e n. 688.223; arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) n. 324; ação direta de inconstitucionalidade (ADI) n. 5835. Nenhum desses precedentes, entretanto, abordaram a relação de trabalho entre motoristas e aplicativos.

A ADC n. 48 lidou com o transporte rodoviário de cargas previsto na Lei n. 11.442/2007. Esta lei autoriza a contratação de motoristas, para esse tipo específico de trabalho, na condição de autônomos. É uma situação diferente do motorista de aplicativo, que não tem lei regulamentadora e está inserido em outro contexto.

A ADF n. 324 e o RE n. 958.252 dedicaram-se à possibilidade de terceirização de atividade-fim. A decisão do precitado RE gerou o Tema n. 725: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. Portanto, o quadro exposto no Tema n. 725, decorrente da análise de preceito da Lei n. 6.019/1974, versa sobre a relação entre pessoas jurídicas distintas, cenário diverso do liame entre motorista (pessoa física) e empresa responsável pelo aplicativo.

O RE n. 688.223 (Tema n. 590) e a ADI n. 5835 decidiram sobre a incidência do imposto sobre serviços (ISS). Desse modo, não abordaram especificamente a situação do trabalho por aplicativo.

O STF citou ainda os seguintes paradigmas:

  1. a) ADI n. 5.625 cujo objeto foi a declaração de constitucionalidade do contrato civil entre salões de beleza e trabalhadores desse segmento econômico, previsto na Lei n. 13.352/2016, o que não traduz à situação dos motoristas de aplicativo;
  1. b) ADI n. 3961 cujo pedido foi julgado improcedente para reconhecer a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim, algo similar ao verificado na ADPF n. 324 e no RE n. 958.252;
  1. c) reclamações n. 47.843 e 56.285 cujas decisões, a rigor, ocuparam-se da contratação mediante pessoa jurídica (pejotização), que não se amoldam à relação entre motorista (pessoa física) e empresas responsáveis pelo aplicativo, por não envolver duas pessoas jurídicas;
  1. d) RE n. 606003 (Tema n. 550) cuja decisão cuidou da relação jurídica entre representante comercial autônomo (pessoa física) e empresa de representação comercial (pessoa jurídica) e concluiu que se trata de liame de natureza mercantil. Essa decisão, igualmente, não abordou o caso dos trabalhadores vinculados às empresas responsáveis por aplicativos de transporte.

Portanto, inexistiam precedentes paradigmas no âmbito do STF para sustentar e permitir o acolhimento da reclamação. Em outro dizer, a Suprema Corte não possuía nenhuma decisão anterior sobre o caso (trabalhos vinculados a aplicativos) com efeito vinculante. Com isso, o resultado da reclamação deveria ser o julgamento de improcedência.

Aliás, todos os paradigmas citados tratavam de situações reguladas por leis específicas, situação distinta da relação entre motoristas e empresas responsáveis por aplicativos, que não possui regulamento normativo próprio.

Caso o STF, entretanto, entendesse, como de fato compreendeu, que o conjunto de precedentes anteriores, embora não cuidassem da situação experimentada pelo trabalho vinculado a empresas responsáveis por aplicativos, sinaliza a tendência da Corte em admitir outras formas de trabalho, deveria ter cassado as decisões da Justiça do Trabalho em relação ao vínculo empregatício, porém determinado a manutenção dos autos nessa Justiça Especializada.

O art. 114, I, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) foi alterado pela Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004. Essa modificação ampliou a competência da Justiça do Trabalho. A partir de então, a rigor, as causas decorrentes da relação de trabalho (e não apenas as envolventes de vínculo empregatício) devem ser apreciadas por essa Justiça Especializada.

Assim, ainda que se negue o vínculo empregatício entre motorista e aplicativo, haveria entre ambos uma relação jurídica de trabalho cuja existência atrairia a competência da Justiça Laboral.

Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

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