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Problema do SUS não está no caráter público, afirma especialista

Um decreto publicado pelo governo federal ganhou repercussão durante toda esta quarta-feira (28). Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o texto permite estudos sobre a privatização de Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do Sistema Único de Saúde (SUS). 

A decisão gerou reação de especialistas e representantes de entidades em saúde ouvidos por ESHOJE, que demonstraram preocupação com o texto. “O problema do SUS não está no caráter público. Dotado dele, criou-se uma imagem de que no Brasil o privado é eficiente e o público ineficiente”, avaliou o especialista em saúde coletiva e médico de família, Thiago Dias. 

No final da tarde desta quarta, o presidente anunciou a revogação do decreto em rede social. O texto permitia que a pasta da Economia fizesse estudos para incluir as UBSs dentro do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI). 

“[…] trata da qualificação da política de fomento ao setor de atenção primária à saúde, para fins de elaboração de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Os estudos referidos terão por finalidade a estruturação de projetos-pilotos”. 

Vale destacar que PPI é o programa do governo que trata de privatizações, em projetos que incluem desde ferrovias até empresas públicas. Para Dias, “com esse decreto ficaram muitas dúvidas, por ele ser sucinto demais, publicado de forma repentina, e assinado pelo ministro da Economia sem participação, a nível de assinatura, do Ministério da Saúde”. 

O especialista em saúde coletiva, que tem uma linha de pesquisa em atenção primária à saúde, ainda esclarece que “já existem PPPs [parcerias público privadas] na atenção básica brasileira há algum tempo” com experiências municipais por meio de Organizações de Saúde Sociais (OSS) no Rio de Janeiro e em São Paulo.

 “No estado a gente já teve, não lembro se temos ainda em atividade, parceria com instituição privada para contratar profissionais, que eram selecionados por entidades privadas. Essa parceria público privado já existe de alguma forma dentro do SUS, incluindo na atenção básica, mas não é algo tão comum como a nível hospitalar”, ressaltou, explicando que “a margem de lucro de uma entidade privada ‘pegar’ [para administrar] uma UBS não é tão grande quanto um hospital”. 

Tanto a nível de atenção básica quanto a nível hospitalar, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRMES), Celso Murad, se manifesta contrário, em razão das funções do estado e da privatização na saúde.

“Na área da saúde, o estado tem uma função social, que é uma ideologia, e a privatização, entre elas a de empresas, é arriscada e de lucro. São duas ideologias antagônicas e excludentes. Nós temos um artigo no código de ética médica que a medicina não pode ser exercida como comércio”.

Mesmo antes de se debater as diferenças, a professora titular do Departamento de Medicina Social da Ufes, Patrícia Duarte, recebeu o decreto de forma apreensiva. “Esta situação prejudicaria milhões de brasileiros que precisam do SUS, precisam do programa de vacinação, que é feito pela APS [atenção primária à saúde], e deverão acessar este mesmo serviço do SUS para vacinação contra Covid19”.

Neste ponto, dentro do cenário da pandemia, vários questionamentos foram levantados: em que medida esse decreto fortalece o sistema  na hora em que mais precisamos dele? Ele não enfraquece o SUS? Essa é realmente a solução para o sistema hoje? Por que o Ministério da Economia quer incidir no SUS como nem o Ministério da Saúde fez hoje? 

De acordo com Dias, a pandemia sinalizou a importância de um sistema público com estratégia na saúde da família e atenção básica. “Isso não foi debatido com a maturidade e profundidade necessária, no conjunto da sociedade. Mexer na estrutura do SUS de maneira radical, como está sendo sinalizada com esse decreto, precisa ser discutido e amadurecido com muito cuidado e zelo, porque a gente não pode, enquanto país, abrir mão do SUS, que tem problemas, mas sem esse sistema, mesmo sendo deficiente, a existência dele é o que segura boa parte de que a gente tá observando no enfrentamento da pandemia”. 

Murad, por sua vez, destaca que “o papel que o SUS teve na pandemia é um dos melhores para evidenciar o reconhecimento do protagonismo deste sistema público de saúde”. 

PPPs e UBSs

Dentro dessa discussão, a iniciativa privada pode ter parcerias com o SUS, como já existe em várias modalidades, não sendo uma única forma de conexão da gestão pública com a privada. O especialista em saúde coletiva e médico de família explica que essas modalidades variam desde a gestão por OSS até a contratação terceirizada de empresas para fazer exames, por exemplo. 

Contudo, o direito à saúde está garantido na Constituição de 1988, papel esse exercido e posto em prática pelas UBSs. Por se tratar uma cláusula pétrea, não existe possibilidade de alteração por meio de emenda constitucional.

Tendo em vista este encargo, Dias considera as UBSs a base do SUS. “Elas acabam sendo o primeiro lugar que a pessoa procura”. 

Em uma rede social, nesta quarta, o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, se pronunciou dizendo que “o decreto presidencial é intempestivo e desconhecido de todos os gestores estaduais da saúde pública do Brasil” e se destacou favorável “a todos os movimentos de modernização e aperfeiçoamento do SUS, desde que fortaleçam seu caráter público, gratuito e universal”.

Fernandes, por fim, ainda ressaltou que ” O SUS não é um órgão da União, é um Sistema. Em especial, a execução da atenção básica é de competência municipal, toda e qualquer iniciativa sobre ela sem devida pactuação e motivação interfederativa carece de legitimidade”.

A reportagem também entrou em contato com a deputada federal Soraya Manato (PSL), que é médica, e com os deputados estaduais Dr. Emílio Mameri (PSDB) e Dr. Hércules (MDB), presidente e vice da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Estado (Ales), respectivamente, para avaliar o decreto, mas até a publicação da reportagem, não obtivemos retorno.

Matheus Passos
Matheus Passos
Graduado em Jornalismo pelo Centro Universitário Faesa, atua como repórter multimídia no ESHoje desde abril de 2021. Atualmente também apresenta e produz o podcast ESOuVe. Ingressou como estagiário em junho de 2019. Antes atuou na Unidade de Comunicação Integrada da Federação das Indústrias do Estado (Findes).

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