Espuma de história: Dorival Martins fecha as portas do Salão Elite

Salão de beleza é espaço de histórias, muitas histórias. E se o Salão Elite virasse livro, bastaria o cheiro da espuma de barbear para trazer fortes memórias afetivas sob o comando de Dorival Martins, que aos 81 anos, encerrou suas atividades em espaço localizado na Praia do Canto, em Vitória.

Para dar um abraço a alguns que fizeram parte desta história – que na cabeça de Dorival parte delas estão se perdendo após o diagnóstico de demência – no último sábado familiares e clientes estiveram com ele num geste de gratidão e amizade no último sábado (23) no Praia Shopping.

A história, que começou ainda em Barracão de Petrópolis (Santa Teresa) aos 16 anos, quando aprendeu ofício com o pai. Dorival e os irmãos chegaram a Vitória e muitos seguiram na profissão, sendo que ele atuou por muitos anos como funcionário no famoso Salão Garcia no Centro de Vitória – muito bem frequentado – depois seguiu com espaço no Edifício Lea e depois foi para a Praia do Canto.

“Conheci Dorival em 1959 quando cheguei em Santa Teresa, porque passei na prova da então Escola Técnica Federal e quando me instalei na cidade fui ao salão da família dele. Quando em formei e voltei para Vitória, o encontrei de novo e nunca mais frequentei outro salão. Onde Dorival estava, eu ia para cortar cabelo com ele”, relembrou Antônio Orsili Miguez, um dos mais antigos clientes-amigos.

Parecida com a história de Antônio foi a de Robson Melo, que conheceu Dorival em dezembro de 1970 e no último sábado esteve no Salão Elite para ser o último a sentar naquela tão concorrida e bem frequentada cadeira do barbeiro. “Eu tinha recém-chegado a Vitória, iniciando minhas atividades na construção da então CST. Precisava cortar cabelo e fui ao Salão Garcia e ele me atendeu, fora do horário de expediente normal. Desde então, sempre foi ele. Agora, confesso, estou perdido porque vou ter que arranjar outro lugar. Mas vai ser difícil, porque aqui virei cliente e amigo”, relembra.

O cliente que virou o amigo Robinho, entre emoção e histórias, lembra que apesar de seu primeiro atendimento ter sido sem marcação, um dos grandes diferenciais de Dorival sempre foi o “caderninho”. “Essa agenda tem história. Dorival só atendia com marcação, tinha que ter o nome da gente aqui, senão não atendia. Cliente novo ele não perdia, mas com a gente tinha que ter organização, senão reclamava”, contou com carinho.

Já Fernando Zambom relembra de pessoas importantes nesta história, como os irmãos Darli, Deosdete, Dilma, Deuza, além de ‘Zé’ – José Pedro pereira -, Batista, Jô, Penha. Juraci…

“Nossa, e tem nomes que a gente nem se lembra, porque criamos aqui uma relação e tem gente que só lembremos pelos apelidos. Mas tem uma história que eu gosto é que um dia eu vi que um cliente tinha deixado um perfume para quando Dorival terminasse de fazer a barba passasse nele. Aí eu passei a fazer minha barba e dizer: ‘Dorival, pode passar o perfume que o Fofoca deixou aí, que eu também quero’”, relembrou arrancando risos em meio a uma despedida em que ninguém escondeu as lágrimas.

Aliás, Jô – porque os fiéis clientes que seguiram por todas essas décadas ali não conheceriam se chamássemos de Jocelia Oliveira – mal conseguia falar, tamanha emoção de ver o ciclo se encerrar. Foram 23 anos ao lado de Dorival.

“Cheguei aqui por indicação com 30 anos e sempre tive um bom patrão. Ele nunca mandou ninguém embora e os clientes sempre foram respeitadores conosco. Era um salão que durante um tempo atendia homens e mulheres e depois é que foram ficando somente os homens, sobretudo, pessoas importantes na sociedade capixaba. Vivemos muita coisa e sempre fomos felizes aqui”, detalhou em um misto de saudade e alegria.

Terezinha, esposa do barbeiro, e Mariana, uma das filhas, estavam lá e disseram que a dedicação ao trabalho é algo que define essa figura tão querida pelos clientes. “Serviço é o sinônimo dele. Tinha hora para chegar a não tinha para ir embora. Papai, inclusive, começou a dar sinais de que não estava bem de saúde quando passou a acordar no meio da madrugada e se arrumar para ir trabalhar. Aquilo nos chamou atenção, mas o diagnóstico veio após um exame por outra situação e o médico nos orientou a procurar um neurologista que confirmou a demência”, revelou Mariana.

E Terezinha completou: “Sempre foi um homem muito bom, muito dedicado, que sempre fez tudo por nós. Se posso reclamar é que ele se dedicava mais ao salão do que a gente, porque sempre foi muito empenhado no trabalho. Hoje a gente sente que está triste porque não consegue mais, mas ele foi muito feliz em todos esses anos”.

Já o neto e o genro, Rafael e Roni Lemika – respectivamente -, enaltecem o parente e o profissional que Dorival sempre foi. “Muito orgulho do meu avô. Em todos esses anos,  ele foi o melhor de Vitória, não tenho dúvida”, destacou o neto. E Roni acrescentou: “É uma pessoa maravilhosa e sempre será lembrado e amado por todos”.

Vale destacar que, apesar do diagnóstico obtido ainda ano passado, Dorival Martins conseguiu se manter atendendo nos últimos meses. Entretanto, a doença progrediu. A demência é uma diminuição, lenta e progressiva, da função mental, que afeta a memória, o pensamento, o juízo e a capacidade para aprender. Normalmente, os sintomas incluem perda de memória, problemas para utilizar a linguagem e fazer as atividades, alterações de personalidade, desorientação e comportamento disruptivo ou inapropriado. Os sintomas progridem de tal forma que as pessoas não podem realizar suas tarefas sozinhas, tornando-as totalmente dependentes dos outros.