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7 de novembro de 2025
sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Casamentos x uniões consensuais no Censo 2022 à luz do Evangelho: quando a conveniência substitui a aliança

Casamentos x uniões consensuais no Censo 2022 à luz do Evangelho: quando a conveniência substitui a aliançaOs dados do Censo 2022 revelam um movimento que vai muito além das estatísticas: o avanço das uniões consensuais — aquelas em que duas pessoas vivem juntas sem formalizar o casamento civil ou religioso. Segundo o IBGE, o número de novos casais nessa condição superou, pela primeira vez na história no Brasil, a estatística dos casamentos, alcançando 38,9% das uniões, contra 37,9% dos matrimônios.

O dado, em si, já chamaria a atenção. Mas há algo ainda mais significativo: uma porcentagem crescente de católicos (40,9%) e evangélicos (28,7%) — pessoas que professam a fé cristã — também têm optado por esse tipo de relação. O fenômeno, portanto, não é apenas social, mas espiritual e cultural.

A raiz psicológica do “amor provisório”

Para o psicólogo John Gottman, referência mundial em terapia de casais, o amor duradouro depende de “comprometimento e confiança — pilares que se constroem com previsibilidade e segurança emocional”. A união consensual, ao contrário, costuma operar sob o signo da provisoriedade: o “enquanto durar”, em vez do “até que a morte nos separe”.

A psicóloga Judith Wallerstein, que dedicou décadas a estudar os efeitos das instabilidades conjugais em famílias, constatou que “a ausência de vínculos claros e estáveis gera ansiedade relacional, especialmente nas mulheres e crianças”. A falta de uma aliança formal, seja ela civil ou espiritual, cria um ambiente de ambiguidade afetiva, no qual a segurança emocional é substituída pela expectativa do incerto.

Do ponto de vista da psicologia social, como analisa Zygmunt Bauman em Amor Líquido, vivemos em uma era de relações frágeis, “em que o vínculo se torna um objeto de consumo — descartável, substituível, efêmero”. Essa liquidez afetiva, agora refletida nos números do Censo, tem se infiltrado até nas comunidades de fé.

Casamentos x uniões consensuais no Censo 2022 à luz do Evangelho: quando a conveniência substitui a aliança
Bauman afirma que vivemos em uma era de relações frágeis, “em que o vínculo se torna um objeto de consumo — descartável, substituível, efêmero”

Quando o sagrado se torna conveniência

Na tradição cristã, o casamento é mais do que um contrato: é uma aliança. A Escritura o descreve como reflexo do próprio amor de Cristo pela Igreja — um vínculo de entrega e fidelidade (Efésios 5:25-32). Por isso, John Stott, em O Cristão Contemporâneo, afirma que “a sexualidade humana só encontra sua plenitude dentro do pacto conjugal, onde o amor se expressa com compromisso e exclusividade”.

No entanto, em uma sociedade que idolatra a autonomia e teme a entrega, o casamento passou a ser visto como limitação — quando, na verdade, é proteção. A união consensual parece oferecer liberdade, mas muitas vezes substitui o pacto por conveniência, o compromisso por convivência e o “nós” por “enquanto me fizer bem”.

Do ponto de vista espiritual, o que está em jogo é a própria compreensão da aliança. Como observa Tim Keller em O Significado do Casamento, “o amor sem compromisso não é amor, é autogratificação”. E onde o amor se torna autogratificante, o outro deixa de ser parceiro e passa a ser produto.

Casamentos x uniões consensuais no Censo 2022 à luz do Evangelho: quando a conveniência substitui a aliança
Keller afirma que “o amor sem compromisso não é amor, é autogratificação”

O impacto invisível sobre os filhos

Estudos conduzidos pela American Psychological Association (APA) indicam que crianças criadas em lares estáveis e comprometidos têm melhores índices de saúde emocional e desempenho escolar. Quando a estrutura familiar é marcada por incerteza — como costuma acontecer em uniões sem compromisso formal —, o desenvolvimento afetivo sofre.

A ausência de um pacto claro entre os pais tende a gerar, segundo Bronfenbrenner (The Ecology of Human Development), “um ambiente imprevisível, que mina a percepção de segurança da criança no mundo”.

Na prática, filhos de uniões consensuais apresentam maior probabilidade de experienciar rupturas familiares, o que repercute em sua autoconfiança e em sua visão sobre o amor e o compromisso.

Entre o altar e o improviso

O aumento das uniões consensuais entre cristãos mostra que a secularização não se dá apenas fora das igrejas, mas dentro delas. A cultura da pressa e do medo de comprometer-se contaminou também a vivência da fé.

O desafio, portanto, é resgatar o valor espiritual e humano da aliança. O casamento, longe de ser uma instituição ultrapassada, é uma expressão concreta do pacto divino — um lembrete de que o amor verdadeiro exige decisão, e não apenas desejo.

Talvez os números do Censo não mostrem apenas o que mudou nas famílias brasileiras, mas o que está mudando no coração dos cristãos.

E se, em vez de adaptar o Evangelho aos novos costumes, voltássemos a ser moldados por ele?

O que fazer diante dos dados?

Os dados preocupantes do Censo apontam para duas tarefas urgentes nas igrejas: a pregação e ensino da aliança matrimonial como vocação e compromisso, não mero contrato; e o cuidado pastoral e comunitário com aqueles que vivem em uniões consensuais — oferecendo suporte, restauração e clareza do ponto de vista bíblico.

Casamentos x uniões consensuais no Censo 2022 à luz do Evangelho: quando a conveniência substitui a aliança
A pregação e ensino da aliança matrimonial como vocação e compromisso é uma tarefa urgente nas igrejas

Agora, apresento algumas reflexões diretas para você, leitor que se encontra em alguma das seguintes situações:

Se você vive em união consensual, pergunte-se: o vínculo de vocês é apenas uma boa convivência enquanto tudo estiver bem, ou é uma aliança real — firmada com compromisso, responsabilidade, fidelidade, sacrifício e temor diante de Deus?

Se você é casal cristão de jovens ou prepara-se para uma união, avalie se o casamento é visto somente como evento ou se está sendo entendido como pacto que reflete o evangelho.

Se você tem filhos ou pensa em ter, considere que a qualidade da estrutura parental importa profundamente: o ambiente que transmite permanência, fidelidade, compromisso e responsabilidade molda a saúde emocional e espiritual da próxima geração.

Mais que uma estatística, uma convocação

Os números do Censo 2022 são estonteantes — mas eles não devem causar apenas assombro. Eles convocam a Igreja, as famílias e os líderes cristãos a refletirem seriamente sobre o que significa viver em aliança, a resistir à cultura da descartabilidade e a anunciar que o casamento não é contrato temporário, mas pacto eterno.

A união consensual pode parecer uma escolha moderna, flexível, até libertadora. Porém, sob a lente da psicologia e da teologia, revela-se vulnerável, desigual e desfocada de sua finalidade divina.

Como povo da aliança, somos chamados a mais — mais fidelidade, mais estabilidade, mais amor sacrificial. Porque o casamento aponta para algo que vai além de nós: aponta para o amor que não muda, que não cessa, que permanece — e isso transforma vidas, gera testemunho e fortalece a sociedade.

Gustavo Gouvêa
Gustavo Gouvêahttps://eshoje.com.br/author/gustavo-gouvea/
Jornalista graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em 2009; atuou nos principais veículos de comunicação do ES; tem mestrado em Ciências Sociais pela Ufes (2019) e é teólogo formado pelo Cetebes (Centro Teológico Batista do ES).

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