A Igreja tem muitas similaridades com a política. A Igreja é feita de símbolos; a política, também. A Igreja carrega rituais que sobrevivem ao tempo; a política, também. A Igreja é uma comunidade que se comporta com níveis de hierarquia na liderança de um povo; a política, também.
Há alguns anos a Igreja Católica, em seus estudos internos, tem buscado formas de preservar em suas bases eclesiais os fiéis em suas bases, que há cerca de três décadas têm migrado para religiões evangélicas e protestantes. Se olharmos pelo prisma da política, o modus operandi é muito semelhante ao da captura de eleitores. A própria esquerda brasileira, após a assunção do bolsonarismo, se vê em dilema semelhante, com o esfacelamento de seus redutos eleitorais que, vinte anos atrás, lhe deram quatro vitórias presidenciais consecutivas e uma ampla base no Congresso Nacional.
Ao ser eleito papa, em 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio, que nos deixou na última segunda-feira, 21, pediu que o Anel do Pescador, geralmente confeccionado em ouro, fosse de metal prateado. A cruz, símbolo máximo do cristianismo, pendurada sobre o peitoral do líder da Igreja, não era de metal nobre; era de latão. Em seu testamento, Francisco deixou registrado que ao invés dos suntuosos caixões fabricados em cipreste, chumbo e carvalho, gostaria de uma urna em madeira simples, e que seu túmulo não tivesse qualquer requinte ou adereço. Lições de humildade e simplicidade que faltam a grande parte dos políticos.
Num momento em que o mundo está cada vez mais dividido, Francisco fazia questão de unir. À época do anúncio de construção de um muro entre EUA e México, feito pelo presidente norte-americano Donald Trump, o papa chegou a vocalizar que “quem pensa em construir muros, quaisquer muros, e não pontes, não é um cristão”. Articulou a retomada das relações entre Cuba e EUA, durante o governo de Barack Obama, e fez uma campanha diplomática contra a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
A diplomacia que por vezes falta à política existiu em abundância no papado de Francisco, o primeiro representante-maior da Igreja a visitar nações como o Iraque e o Timor-Leste.
Há 20 anos, Lula levou o ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Sarney, no avião presidencial, para o funeral do papa João Paulo II, no Vaticano. Hoje, a reprodução dessa cena civilizada, com Jair Bolsonaro e Michel Temer, artífice do impeachment de Dilma, seria impensável.
Curiosamente, o Santo Padre fez gestos que considerava serem corretos e agiu segundo sua própria consciência e as leis sagradas. Nisso as autoridades políticas de nosso mundo terreno também têm muito o que aprender, afinal, vez ou outra corrompem as leis e tomam decisões à revelia da vontade popular e suas próprias consciências.
Francisco soube enxergar as questões de seu tempo, se posicionar e agir a partir da visão de um mundo que mudou ao longo do tempo. Esse, talvez, seja um bom exemplo de como a política (e os políticos) pode imitar a Igreja. Perdemos um papa que mudou o tom da melodia cristã: a régua e o compasso, agora, carregam novos parâmetros e novas notas. Regredir no que se avançou politicamente dentro da Igreja parece não ser uma opção. Francisco apontou caminhos, dentro e fora de seus limites; onde havia muros, enxergou pontes. Esse é o maior ensinamento que ele nos deixou.