“Tantos hoje dizem querer o Brasil de volta e em vista disso gritam ‘Bolsonaro 2018’. Não quero ser estraga-prazeres, mas os comunistas não começaram a tomar o Brasil pela Presidência da República; tomaram primeiro as universidades, depois a Igreja Católica e várias das protestantes, depois os sindicatos, depois a grande mídia, depois o sistema nacional de ensino, depois o judiciário, depois os partidos políticos, e, por fim, depois de 40 anos de esforços, a cereja do bolo: a Presidência da República. Vocês acham, realmente, que tomando a cereja de volta, o bolo inteiro virá junto?”.
Esse tweet é de 2018. Foi feito pelo pensador Olavo de Carvalho, que está para a direita moderna assim como Edmund Burke, o pai do conservadorismo, esteve para esse público no século XIX. E embora date de seis anos atrás, ano da eleição de Bolsonaro, a mensagem segue atual. Durante o exercício da presidência, Jair Bolsonaro e os bolsonaristas pouco fizeram no sentido de catequizar segmentos sociais – mais fez por afastá-los –, todavia, após perder a cereja do bolo para Lula, tenta, agora, estruturar suas camadas.
Os movimentos messiânicos feitos com as igrejas protestantes e evangélicas históricas são parte desse processo de ‘ocupar espaços’. No evento de Copacabana, Rio, no último domingo, 21, Dia de Tiradentes, outra lenda exaltada por quem defende a liberdade, Jair e Michelle capricharam na mistura de fé e política. Também avançaram sobre um outro público: o que está presente nas redes sociais e defende o direito de tudo dizer, e, por isso, condecoraram a figura de Elon Musk, o polêmico visionário dono do X (ex-Twitter), que travou recente embate com o ministro do STF Alexandre de Moraes, algoz da direita: “Mito da liberdade!’, bradou Bolsonaro de cima do trio elétrico.
Dentro do ambiente religioso, o bolsonarismo tem como alvos os evangélicos críticos e os fundamentalistas. Os primeiros são os conservadores nos costumes, e para eles o discuro contra o aborto, o casamento gay e a liberação das drogas funciona; os segundos são aqueles que leem a Bíblia de forma literal. Para estes, se o livro sagrado diz que apenas pessoas casadas podem exercer o ato sexual, essa é a verdade; se não se cita no manual cristão o “racismo”, é porque esse tema não é relevante para a religião. Ipsis litteris: essa é a forma de enxergar o mundo.
O princípio basilar da política partidária é o campo cultural. Ou você toma todos os meios culturais, entra dentro das escolas, das universidades e na edição de livros diáticos, ou não adianta pegar a cereja do bolo. E essa prática também tem sido adotada pela direita. Na semana passada, a prefeita de Canoinhas, em Santa Catarina, um dos Estados mais conservadores do país, jogou livros didáticos na lata do lixo e sugeriu que outros prefeitos sigam seu exemplo. A esquerda teve a maneira de construir sua visão política; a direita tem a dela: desmontando o bolo que a esquerda estruturou.
Com a ocupação de espaços feita pela direita, cresceu também a disputa, no campo da esquerda, para que não se perca os lugares que alcançou ao longo desses 40 anos na nova democracia. Daí as guerras cultural e moral que vivemos hoje.
Sinto muito dizer, caro leitor, mas essa batalha, por vezes sangrenta, não vai terminar tão cedo. A esquerda, por anos, planou soberana na tomada de zonas e paragens. Agora que a direita aprendeu o caminho, não vai dar meia volta. Há, contudo, uma diferença: em um mundo altamente conectado, os bolsonaristas aprenderam a usar as redes sociais a seu favor. Nesse campo, a esquerda tem muito a aprender com a direita.