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Sessenta anos do golpe militar: hits e histórias que nunca serão esquecidos

Sessenta anos do golpe militar: hits e histórias que nunca serão esquecidos

Na corrente anual de lembrar para não esquecer, um fato é inegável: a censura foi, sob suas garras nefastas, uma grande propulsora de hits – graças, unicamente, à genialidade de nossos compositores. E o período também resultou em histórias tristes, potentes e curiosas.

Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco e outros grandes músicos abusaram da criatividade para driblar o autoritarismo. Nesta coluna, vamos rememorar alguns contos marcantes do período, visto que no próximo 31 de março o golpe de 1964 completa 60 anos.

Chico, um dos maiores símbolos do embate entre música e censura no regime, foi o responsável por inventar o lendário personagem Julinho Adelaide para ludibriar a ditadura. Como consta no livro “Mordaça: história de música e censura em tempos autoritários”, de João Pimentel e Zé McGill, Julinho foi quem assinou, por exemplo, os clássicos “Acorda, Amor” e “Jorge Maravilha”.

A primeira foi escrita por Chico Buarque para o disco “Sinal Fechado”, de 1974, provavelmente “porque se lembrou  do pesadelo que foi o episódio de sua detenção para interrogatório, ocorrida no dia 18 de dezembro de 1968 (inicio da época cruenta, sob o comando de Costa e Silva),  apenas cinco dias após o decreto do Ato Institucional Número Cinco (o AI-5)”, relata a obra “Mordaça”.

Já “Jorge Maravilha”, de 1973, com o disseminado refrão “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, era um recado ao então presidente Ernesto Geisel, uma vez que a filha dele, Amália Lucy, era fã declarada de Chico Buarque.

O pseudônimo não durou tanto, segundo conta o autor. O Jornal do Brasil chegou a delatar o inventor e a Polícia Federal passou a exigir documentos de identidade com a letra. Até hoje, todavia, “Jorge Maravilha” é evocada em discursos políticos mais à esquerda, nestes tempos com o intuito de apontar que as filhas e filhos de bolsonaristas podem não sustentar o grito da extrema-direita.

Entre tantas outras, não poderia faltar o samba “Apesar de Você”, certamente a canção que mais rendeu problemas ao compositor. Num primeiro momento, a música foi aprovada pela censura, por ser entendida como inofensiva. Quando enfim “descoberta” pelo sistema repressor, o compacto que a continha, entretanto, já havia vendido 100 mil cópias e invadido as rádios, de modo que o samba se tornou hino.

No caso de Caetano Veloso, como também retrata a obra “Mordaça”, ele não teve tantos problemas como Chico na relação música e censura – títulos gritantes de protesto em sua discografia, como “É Proibido Proibir”, apresentado no Festival Nacional da Canção de 1968, nunca foram censurados pelo governo militar, apesar da conhecida (e descabida) reação de repúdio do público naquele espetáculo.

Mesmo assim, Caetano, com Gilberto Gil, foi preso duas semanas após o AI-5, no final de 68. “Os baianos, no dia seguinte após o show que fizeram com ‘Os Mutantes’ na boate Sucata, no Rio, foram praticamente sequestrados pelos militares e colocados em solitárias separadas num quartel da Polícia do Exército por terem supostamente desrespeitado a bandeira e o hino nacionais naquela apresentação”, escrevem Pimentel e McGill.

Um caso curioso sobre Caetano vale ser narrado. Na turnê do disco “Transa”, de 1972, em Salvador ele recebeu uma intimação da Censura antes da apresentação.

O censor-chefe tinha sido seu professor de Metafísica na faculdade de Filosofia. O ex-tutor implicou com a música Nine Out of Ten”, acreditem, por esta ter na letra a palavra “reggae”, estilo ainda desconhecido por muitos. O show quase foi barrado, mas Caetano conseguiu convencer o professor de que não havia nada.

De João Bosco, há muitas memórias de censura. O compositor diz a João Pimentel e Zé McGill que o regime chegou um ponto de não haver qualquer critério para impedir uma canção. “Podia vetar a palavra ‘vermelho’, independentemente do local e do significado na letra. Podiam censurar ou liberar uma canção só por não saber o que significava”, comenta no livro.

Um exemplo foi a letra de Aldir Blanc para a canção “Querido Diário”, faixa do disco “Comissão de Frente”, de 1982. Bosco ressalta que “a música falava de bacanal romana, de ninfomania, pichava o governo, mas a Censura implicou com a frase: ‘hoje, acordei, tomei café, me masturbei’.” Eles tiveram de trocar o “me masturbei” por “me machuquei”.

E, claro, o clássico dos clássicos “O Bêbado é o Equilibrista”, também dobradinha de João e Aldir, consagrada pela voz de Elis Regina, teve papel importante em detrimento do regime militar. Lançada em 1979, ela não foi censurada porque já era época de distensão, promessa de Geisel de uma retomada da democracia por meio de um processo gradual e seguro. Havia uma suspensão parcial da censura prévia.

Ainda em 1979, o então último presidente do regime, João Baptista Figueiredo, concedeu o perdão aos perseguidos políticos. Era a histórica Lei da Anistia, cuja obra-prima de João Bosco e Aldir Blanc foi símbolo.

Por fim, já que não é possível citar todos os casos emblemáticos em um artigo, trazemos à tona Milton Nascimento. A voz de Deus na terra, como diria Elis Regina, lançou uma de suas maravilhas com algumas músicas sem letra.

Era o disco “Milagre dos Peixes”, de 1973, um ano depois do incomparável “Clube da Esquina”. Com os versos de Fernando Brant, Ruy Guerra e Márcio Borges censurados, respectivamente nas faixas “Os escravos de Jó”, “Cadê” e “Hoje é dia de El-Rey”, Milton peitou a ditadura e gravou-as instrumental, mas com sussurros, gritos e arranjos que representavam os horrores daquela era.

Felipe Izar
Felipe Izar
Felipe Izar é jornalista músico e pós-graduado em marketing digital. São mais de 15 anos de experiência como profissional de comunicação: passou por redações de jornal, blogs, portais, assessorias de imprensa e escritório de marketing nas áreas de música, empresarial, política, de esportes e mais. Como compositor, lançou dois discos, um em 2018, “O Amor, A Escuridão E A Esperança”, e outro em 2022, “Fantástica Realidade”. Em 2023, disponibilizou no mercado curso online de assessoria de imprensa para artistas e profissionais da cultura, chamado Assessoria Autoral.

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