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A cada 36 horas uma menina dá à luz no ES

De janeiro a agosto de 2022, a cada 36 horas, uma menina entre 10 e 14 anos
deu à luz no Espírito Santo. Os 148 partos registrados no Estado fazem parte de uma preocupante estatística que envolve fatores familiares e educacionais, e que trazem impactos sociais ainda pouco abordados pelas políticas públicas brasileiras.

Segundo o Código Penal brasileiro, em seu 217º artigo, qualquer relação de caráter sexual com pessoas de idade igual ou menor a 14 anos se caracteriza como estupro. A tipificação correta da violência sexual, que se justifica na tentativa de blindar crianças e adolescentes, pode gerar, entretanto, uma ausência de amparo e reconhecimento de uma realidade igualmente nociva a esses jovens ainda em formação: a exposição cada vez mais precoce de crianças e adolescentes à prática sexual.

“Na nossa cultura temos vários elementos de estímulo precoce à sexualidade, como filmes, músicas e redes sociais. Importante monitorar o conteúdo que está sendo consumido pelas crianças e adolescentes. O acesso à pornografia, por exemplo, é prejudicial em todas as idades, com riscos maiores para crianças e adolescentes”, explica a mestra em Psicologia Institucional e psicóloga clínica, Keli Lopes Santos.

De acordo com Keli, além da gravidez precoce e todos seus desdobramentos, como a falta de estrutura física, mental e social desses adolescentes, a exposição a estímulos sexuais em um momento indevido da vida acarreta em uma série de outros problemas, como a não identificação de possíveis abusos e a inação diante de crimes sexuais.

Importante arma, reconhecida no combate à exposição sexual precoce, à propagação de doenças sexualmente transmissíveis, à identificação de abusos e também ao tema da
gravidez na adolescência, a educação sexual ainda sofre resistência por parte de uma camada conservadora da sociedade.

“Importante pontuar que a educação sexual nas escolas e também nas famílias precisa ser incentivada. Educação Sexual é mais uma estratégia de Proteção contra abusos sexuais, uma vez que a criança aprende a identificar um possível abuso e a buscar ajuda se ocorrer.
(…) pesquisas apontam que ao contrário de estimular a sexualidade, como a maioria das pessoas pensa, (a educação sexual) retarda a iniciação sexual precoce. Isso porque as crianças e adolescentes começam a entender que sexo também exige responsabilidade e pode ter sérias consequências como gravidez ou Infecções Sexualmente Transmissíveis”, pontua Keli.

Blindagem 

Além da importância da educação sexual, é preciso entender que não há uma blindagem específica para a iniciação sexual de jovens e adolescentes e que essa pode não ser uma
boa saída no combate aos problemas resultantes de uma exposição antes da hora ao universo sexual.

É o que explica o também psicólogo clínico, Ricardo Rodrigues. “Blindar significa retirá-los desse universo completamente, e isso é impossível. Na época em que vivemos, os celulares chegam cada vez mais cedo nas mãos das crianças e adolescentes. Consequentemente, o
acesso à internet e a toda a informação e o conteúdo sobre esse universo sexual. Porém, existem configurações tanto nos aparelhos, quanto nas plataformas digitais que permitem o monitoramento do uso que crianças e pré-adolescentes fazem na internet”, comenta.

O psicólogo também ressalta a importância de um convívio saudável com familiares na busca de uma melhor qualidade de vida dessas crianças e adolescentes. “É importante manter um diálogo saudável sobre sexualidade. Tanto crianças, quanto adolescentes poderão mostrar interesse e curiosidade sobre esse assunto. Não repreender e sim dialogar e orientar são as melhores estratégias para que consequências como a gravidez precoce sejam evitadas”, explicou.

 

“Situação se configura como estupro”, afirma delegado

A estatísticas relacionadas à gravidez de meninas entre 10 e 14 anos são oriundas da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) e do Ministério da Saúde, captadas a partir do deputado Delegado Danilo Bahiense (PL).

O parlamentar ressalta que o sexo com menores nessa faixa etária se configura como estupro. “A figura do crime de estupro contra vulnerável é prevista no Artigo 217-a, criado pela Lei 12.015/2009. O texto do mencionado artigo veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos”, afirma Bahiense.

Segundo o deputado , este tipo de violência “está mais próxima do que imaginamos”. “Em Vila Velha, aconteceram 19 partos. Na Serra, foram 16. Em Cariacica, 13; e, em Vitória, ocorreram 11”, disse o deputado.

Também existem os dados do Disque-100 relacionados à violência contra criança e adolescente. O órgão do governo federal identificou, no ano passado, 2.605 denúncias e 7.944 violações contra menores no Espírito Santo. Uma denúncia pode ter mais de um tipo de agressão. “Se fizermos uma conta rápida, vamos verificar sete denúncias por dia. São muitos crimes contra nossas crianças e nossos adolescentes. E ainda temos as subnotificações. As escolas são muito importantes para checar o que tem acontecido”, finaliza Bahiense.

 

Proteção de vítimas de estupro

Diferente do que muito se propagou durante anos, o maior índice de predadores sexuais se encontra dentro dos ciclos mais próximos de convivência das crianças vítimas de abusos. É o que comprova pesquisa conduzida pela Universidade Federal de Pernambuco, que aponta como topo do ranking de abusadores a figura do pai da criança, seguido de perto pelo padrasto, tios, primos e, por último, professores.

Para a especialista em neuropsicologia Maria Ligia Soares, o empoderamento de crianças desde a mais tenra idade pode ser a chave para a diminuição no número de casos de abusos no país. “Precisamos ir às escolas explicar para as crianças como elas identificam
predadores e ensinar que elas devem imediatamente denunciar e gritar quando forem tocadas inapropriadamente. Crianças de 5 anos entendem tudo e elas naturalmente procuram a liderança de um adulto, elas confiam e assim têm recursos para se proteger de
ataques à sua integridade e dignidade. Empoderar as crianças é proteger toda a sociedade. Crianças são fundamentais e é nosso dever protegê-las segundo o artigo 98 do
Estatuto da Criança e Adolescente”, cita a especialista.

Em relação a dirimir os traumas de abuso sexual de criança, em especial o que culmina em gravidez precoce, Maria Ligia ressalta a importância do apoio familiar e da comunidade, responsáveis pelo suporte emocional, recreativo e até mesmo financeiro da jovem e seu
filho. Apesar disso, o entendimento de que o aborto legal precisa ser
melhor recebido por todos – unânime entre os psicólogos ouvidos – é defendido de maneira concisa pela estudiosa, que se vale de um episódio recente como exemplo: o
da menina de dez anos, engravidada pelo tio no Espírito Santo.

“O caso chocou o mundo, mas os estupros começaram muitos anos antes. Gerou muita polêmica, causada principalmente por grupos de extrema direita. Em caso de menor de 14 anos não existe sexo consensual, será sempre estupro e a Lei garante o aborto em
rede de hospitais. O fato desse direito estar na Lei não garante que será cumprido, visto que o preconceito interfere nestes casos, causando perturbação às vítimas de estupro que sequer podem se pronunciar, pois são crianças. Isto mostra que o Estado falhou onde
a família também falha: na proteção da integridade de vulneráveis. O abuso sexual de crianças e adolescentes é multidimensional e é preciso empoderar meninas para que tenham acesso à educação plena que atenda às necessidades de uma sociedade complexa em constante mudança. Entretanto, a rigidez dos papeis dos gêneros parece não acompanhar a evolução da sociedade”, conclui.

Texto: Rodolpho Paixão.

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