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16 de maio de 2024
quinta-feira, 16 de maio de 2024
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

(In)Constitucionalidade de preceitos do regime de teletrabalho na CLT – Parte I

Nos artigos das semanas anteriores, apresentei as principais alterações promovidas pela Lei n. 14.442, de 2 de setembro de 2022, cujo texto alterou, parcialmente, o regime de teletrabalho e alguns dispositivos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela Lei da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017).

Iniciarei a análise acerca da (in)constitucionalidade de alguns preceitos constantes da modalidade teletrabalho na CLT.

Há fortes indícios de inconstitucionalidade de alguns dispositivos. Destacar-se-ão três, talvez os mais sensíveis: a) disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado (CLT, art. 75-D); b) saúde e segurança do empregado na modalidade teletrabalho (CLT, art. 75-E); c) exclusão do empregado adotante desse regime do Capítulo II do Título II da CLT cujo epígrafe é Duração do Trabalho (CLT, art. 62, III). A análise seguirá essa ordem.

O exame começa pelo art. 75-D da CLT, incluído pela Lei da Reforma Trabalhista, cujo conteúdo dispõe: “[…] As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.”

Essa disposição, aparentemente, desconhece que a relação empregatícia é, por natureza, um vínculo marcado pela dependência econômica e subordinação do empregado ao empregador. A rigor, inexistem autonomias da vontade e privada do trabalhador nesse tipo de liame. Portanto, os contratos de trabalho, sobretudo os de emprego, se apresentam como autênticas avenças de adesão, com margem praticamente inexistente para discussões por parte do trabalhador.

O direito do trabalho, diferentemente de outros ramos jurídicos, não é pautado pelas autonomias da vontade e privada das partes na relação de emprego. Adota a premissa de que regula um vínculo assimétrico por natureza. Por isso, seus preceitos, como regra, buscam proteger o empregado. Consequentemente, embora o contrato seja de adesão, há forte dirigismo contratual, com introdução automática de inúmeros direitos e obrigações, ainda que ausentes do desejado ou ajustado pelas partes.

Parece simples imaginar o resultado de uma negociação entre empregado e empregador para definir quais dos dois será o responsável pela aquisição, manutenção e/ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo trabalhador. A rigor, inexistirá plena negociação. Ao empregador caberá definir se concorda, ou não, em custear. Ao empregado restará aceitar ou desistir do posto de emprego.

A aquisição dos meios de trabalho, por parte do empregado, por conta da modalidade teletrabalho, por sua vez, cria um fator injustificado de discriminação quando cotejado com os empregados em regime presencial, que não possuem essa obrigação. Ademais, olvida-se que, o exercício do trabalho, é um direito fundamental que deve ser exercido de maneira alinhada à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho.

Muitos dos equipamentos necessários ao exercício da atividade laborativa, ademais, são imprescindíveis para a manutenção de um meio ambiente adequado. Por efeito, são indispensáveis a saúde e segurança do trabalhador. A imposição de aquisição pelo empregado pode oportunizar falhas nesse escopo e desconsiderar que, embora à distância, o risco da atividade continua a ser do empregador.

O texto do art. 75-D da CLT, embasado nesses argumentos, parece conspirar, em um rol meramente exemplificativo, contra o direito fundamental ao trabalho digno (Constituição Federal de 1988 – CF/1988, arts. 1º, III, 6º e 170), o valor social do trabalho (CF/1988, arts. 1º, IV, e 170), o direito fundamental ao meio ambiente laboral adequado e/ou o direito a saúde e segurança no trabalho  (CF/1988, arts. 7º, XXII, 196, 200, VIII, e 225) e a proibição de discriminação nas relações trabalhistas (CF/1988, arts. 5º, caput, 7º, XXX, XXXI e XXXII).

Em sentido próximo a essa conclusão, encontra-se o Enunciado n. 70 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, aprovado no XIX Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, realizado em 2018: “Teletrabalho. Custeio de equipamentos.  O contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de  despesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que  devem ser suportados exclusivamente pelo empregador. Interpretação sistemática dos  artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, XIII e 170 da Constituição da  República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT.”

Continuaremos a análise na próxima semana!

Bruno Gomes Borges da Fonseca
Bruno Gomes Borges da Fonseca
Pós-doutorado em Direito pela PUC-Minas; Pós-doutorado em Direito pela UFES; Doutor e Mestre em Direito pela FDV; Procurador do Trabalho na 17ª Região; Professor da FDV; Professor do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Pública da UFES; ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

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