“Por que pastores não devem ser políticos”, por Gustavo Gouvêa*
Artigo publicado originalmente em 23 de agosto de 2023
Sempre me impactou a resposta atribuída ao pastor Billy Graham, quando foi convidado a concorrer à presidência dos Estados Unidos, tamanho era o seu prestígio como evangelista mundo afora: “Não vou deixar de ser embaixador da Pátria Celestial para ser presidente dos Estados Unidos. Vocês querem me rebaixar de cargo?”.
Anos após a célebre frase, vemos muitos pastores, tais quais Billy Graham, sonhando com a carreira política no Brasil, nos Estados Unidos, e em vários outros países. E, com a proximidade das eleições municipais de 2024, quando elegeremos prefeitos e vereadores, já vemos alguns pastores se colando como pré-candidatos aos cargos.
Hernandes é pastor presbiteriano
“Eu fico triste quando eu vejo um pastor tendo como sonho da vida dele ser vereador da cidade, ou deputado estadual, ou deputado federal, ou senador, ou prefeito ou governador ou presidente. Embora todas essas funções sejam funções, missões e vocações sacrossantas. São muito importantes. (…) Porém, fico com o conselho que Charles Spurgeon dá para os seus alunos. Spurgeon diz: “meus filhos, se a Rainha da Inglaterra convidar vocês para serem embaixadores em qualquer lugar do mundo, não rebaixem de posto; vocês já são embaixadores do Rei dos reis, do Senhor dos senhores”. Eu creio que quem tem um chamado pastoral bem claro no seu coração, ele vai se dedicar ao ministério”
Quem acompanha os bastidores da política sabe que as movimentações e negociações para as eleições municipais de 2024 – que acontecem daqui a menos de quatro meses – estão a todo vapor.
E aí, lembrando o compromisso fiel de Graham em servir ao Senhor do universo, e a advertência do experiente Hernandes Dias Lopes, ambos embasados no sábio conselho do príncipe dos pregadores Charles Haddon Spurgeon, precisamos questionar:
Cuidar de uma igreja, por menor que seja, já não é trabalho árduo para uma vida inteira? Forjar Cristo nas vidas das ovelhas já não dá trabalho demais em relação a oração, preparo espiritual, estudo, jejum e intimidade com o Senhor no secreto, fora todas as demais atividades que incluem o cuidado com a congregação? Cuidar da Menina dos Olhos de Deus, das ovelhas compradas com o precioso sangue de Jesus já não é responsabilidade suficiente – e um privilégio! – para mais de uma vida (pois sempre ouvimos a reclamação da falta de tempo)?
Então, por que dividir esse chamado sublime e extraordinário com qualquer outra coisa dessa vida?
Paulo lembra ao jovem pastor Timóteo: “Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é agradar aquele que o recrutou” (2 Timóteo 2:4). Isso, portanto, é uma clara advertência a todo pastor e aspirante ao ministério pastoral.
Simplesmente não dá para dividir o cuidado com a igreja com qualquer outra coisa que seja – a não ser que o pastor em questão precise trabalhar em outra profissão no caso de a igreja em que pastoreia não honrá-lo com um salário digno. Ainda mais porque a imensa maioria dos pastores têm família, que sempre será o primeiro ministério. E, se pastorear a família já é desafiador, imagine inúmeras famílias de uma congregação?
As inúmeras atividades do pastor
Em seu ofício o pastor tem que, via de regra: ter tempo devocional de qualidade com Deus; orar pelas suas ovelhas; estudar para estar atualizado; preparar média de três sermões por semana e pregá-los (cada sermão pode levar até seis horas para ser preparado); visitar as ovelhas; atender em seu gabinete; aconselhar famílias; visitar enfermos; realizar casamentos; realizar cultos fúnebres; realizar cultos especiais (datas comemorativas, formaturas…); escrever mensagens pastorais; realizar reuniões de liderança; estar em contato os ministérios da igreja, atendendo demandas necessárias e muitas vezes coordenando-os…
Óbvio que pastores de perfil centralizador tendem a ter mais dificuldade para harmonizar suas demandas. Aqueles com o perfil mais democrático dividem o fardo, mas não no sentido de ficarem mais livres para outras atividades não condizentes à igreja, e sim, para se dedicar com uma melhor qualidade às incumbências que já possui na congregação.
Precisamos entender que, entre os cristãos, temos gente vocacionada por Deus para a função política – inclusive é de suma importância que a igreja entenda isso, apoie e invista nisso de alguma forma. Mas, pastores são chamados a gastar a vida no pastoreio da Igreja do Senhor.
Fica muito óbvio, portanto, que dividir o ministério pastoral com qualquer outra frente que seja, além de antibíblico (vide 2 Tim 2.4), também traz uma grande perda no exercício do ministério, uma vez que o tempo terá que ser dividido entre as funções, assim como a dedicação empregada para a obra de Deus, que ficará prejudicada. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou irá odiar um e amar o outro, ou irá se dedicar a um e desprezar o outro” (Mateus 6:24).
Licença ministerial
Nas últimas eleições, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) tomou uma posição sensata ao determinar que os pastores que quisessem concorrer a cargos políticos deveriam pedir licença do ministério, “para não fazer do pastorado um curral eleitoral, não ‘misturar as estações’”, de acordo com o pastor Hernandes.
A perda de foco no chamado dos líderes, enfeitiçados por muitas distrações do mundo – sendo, atualmente, a política a principal delas – é uma das razões da superficialidade e do enfraquecimento de muitas igrejas na atualidade. Mas este é assunto para ser desenvolvido em outro artigo.
O chamado para o pastoreio é o mais glorioso. Mas também é o que exige a maior renúncia e a maior entrega para o seu cumprimento.
Além disso, os pastores da Igreja de Cristo devem sempre se lembrar que serão os mais cobrados pelo Senhor, a fim de que sejam considerados “servos bons e fiéis” (Mateus 25.21).
“Meus irmãos, não sejam, muitos de vocês, mestres, sabendo que seremos julgados com mais rigor” (Tiago 3:1)
“A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido” (Lucas 12:48).
*Gustavo Gouvêa é jornalista, editor da coluna Fé Pública, bacharel em Teologia e mestre em Ciências Sociais