Na noite de quarta-feira (5), a Câmara dos Deputados aprovou, por 317 votos a 111, projeto que, na prática, visa tornar ainda mais difícil o acesso de menores de 14 anos vítimas de violência sexual e grávidas a serviços de aborto permitidos por lei. O texto derruba resolução do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que regulamentou diretrizes para atendimento de crianças e adolescentes em casos de aborto legal.
Especialistas apontam que os riscos de levar a termo uma gestação são piores para menores de 15 anos. Nessa faixa etária há riscos mais elevados de complicações como anemia, hemorragia pós-parto e até mortalidade materna.
Dados do SUS (Sistema Único de Saúde) compilados pelo Observatório Criança Não é Mãe mostram que a taxa de mortalidade materna para meninas de 10 a 14 anos é de 62,57 mortes a cada 100 mil nascidos vivos. A média brasileira para todas as idades é de 52,27 mortes no mesmo intervalo.
Estudo publicado em 2005 no American Journal of Obstetrics and Gynecology mostra que adolescentes com 15 anos ou menos têm um risco de morte por causas relacionadas à gravidez quatro vezes maior em comparação com mulheres de 20 a 24 anos.
Mulheres acima de 35 anos têm a maior taxa de mortalidade materna entre todas as faixas etárias. Mas há uma diferença: no Brasil, relações sexuais abaixo de 14 anos são consideradas estupro de vulnerável e, portanto, todas as gestantes abaixo dessa idade têm direito ao aborto legal.
A legislação brasileira permite que o procedimento seja feito em três situações: gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal. O Código Penal não estabelece limite da idade gestacional.
Na prática, 57 meninas entre 10 e 14 anos se tornam mães todos os dias no Brasil, conforme mostrou a Folha, e mulheres vítimas de violência sexual têm tido o acesso ao aborto legal negado em todo o país após o avanço de uma ofensiva antiaborto no meio político.
No Senado, a Comissão de Direitos Humanos fez avançar três projetos em outubro: um deles impede o uso de ferramentas de telessaúde para o aborto legal, outro proíbe a interrupção da gravidez acima de 22 semanas em caso de estupro e anencefalia, e o terceiro quer obrigar o poder público a divulgar centros de “apoio à gravidez”, muitas vezes ligados a organizações antiaborto.
O CORPO DURANTE A GRAVIDEZ
As principais adaptações que o corpo de uma pessoa sofre durante a gravidez são as cardiovasculares e metabólicas, afirma Helena Paro, coordenadora do comitê da Figo (International Federation of Gynecology and Obstetrics) sobre aborto seguro.
Professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia e coordenadora do serviço de aborto legal do Hospital das Clínicas da cidade, ela diz que o volume plasmático aumenta 50% durante o período, chegando a 80% no pós-parto. Isso pode acarretar em problemas cardíacos previamente existentes, mas que passam desapercebidos na pessoa não gestante.
O volume plasmático aumenta mais do que o aumento da produção de hemoglobina, o que gera anemia nas gestantes. “Na maioria das vezes sem muitas repercussões, mas as meninas de até 15 anos têm risco 40% maior de desenvolver anemia sintomática, que requer tratamento”, diz.
Ainda, do ponto de vista imunológico, o corpo da gestante fica mais suscetível a infecções. No pós-parto, há o risco de infecção uterina ou endometrite puerperal, quatro vezes maior em gestantes de até 15 anos do que em grávidas na faixa etária de 20 a 24 anos, aponta estudo. A mesma pesquisa diz que o risco de hemorragia pós-parto é aumentado em 60% em gestantes de até 15 anos.
Segundo Rosires Pereira de Andrade, presidente da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista Em Lei da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia), do ponto de vista orgânico, o corpo de crianças e adolescentes não está preparado para uma gravidez.
Além disso, há a questão emocional. Além da dificuldade de entender a gravidez, existe a possibilidade de sofrer negativa e preconceito por parte do profissional médico.
“Frequentemente, passa-se muito tempo até que alguém mais bem informado e sem preconceitos aceite realizar o atendimento e o pedido para um aborto legal”, diz.
Durante a gestação, a maioria das crianças não reconhece os sinais de gravidez nos corpos, como alterações nas mamas e movimentos fetais, acrescenta Paro. O diagnóstico, por isso, costuma vir após as 20 semanas de gravidez, quando o útero começa a crescer.
Por isso, o limite temporal ao aborto, discussão que já chegou ao Congresso, prejudica em especial crianças e adolescentes. “O limite temporal não tem embasamento científico em qualquer idade, a própria OMS recomenda que não haja limites temporais para o aborto, mas sobretudo crianças e outras mulheres mais vulneráveis a quem os serviços são negligenciados”, afirma Paro.
“Há que se falar nas consequências de se obrigar uma menina a manter uma gravidez forçada: a gravidez forçada é considerada como uma forma de tortura, tratamento desumano e degradante pelos organismos de direitos humanos da ONU e limita o desenvolvimento das autonomias, crescimento e desenvolvimento.”
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – LUANA LISBOA











