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Quase 100 pessoas acusam maestro capixaba de assédios

Desde o mês de agosto, o maestro Leonardo David, que fundou e rege a Orquestra Camerata do Serviço Social da Indústria (SESI-ES), foi demitido. O motivo: justa causa, após denúncias de assédio recebidas e apuradas pelo Comitê de Ética da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes).

A advogada que está acompanhando o caso, Renata Stefan, afirma que foi procurada por diversos músicos integrantes da orquestra. “As denúncias de assédio moral e sexual tiveram início através das redes sociais. A partir disso, a Findes teve uma postura exemplar ao investigar e demitir o funcionário por justa causa”.

Quase 100 pessoas acusam maestro capixaba de assédios
Maestro Leonardo David não faz mais parte da Orquestra Camerata após denúncias Foto: Divulgação/Findes

Segundo a advogada, são quase 100 relatos de vítimas do maestro. “As pessoas tinham medo de serem demitidas. A minha orientação foi para que elas encaminhassem as denúncias ao MPES. Independente da quantidade de pessoas que fizeram as denúncias, os fatos devem ser apurados”.

De acordo com Renata, o maestro coagia os músicos através de ameaças, xingamentos e maus tratos. A reportagem do ESHOJE ouviu cinco relatos de vítimas, que já encaminharam as denúncias ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e, segundo a advogada, serão também encaminhadas ao Ministério Público Federal do Trabalho.

A advogada explicou que apesar da demissão do maestro Leonardo David pela Findes, diversos músicos o denunciaram estão temerosos pois tocam na Orquestra Sinfônica do Estado, que também é regida por ele. “As vítimas estão temerosas que o estado não faça nada. Esperamos que haja rigor nas apurações, pois a vida dessas pessoas pode virar um inferno”.

“Sempre aconteceu”

X. é apenas uma das vítimas que preferiu pedir demissão ao continuar sofrendo humilhações. “Isso sempre aconteceu. Desde que ele assumiu o cargo de confiança como maestro. Os abusos (de autoridade) são para todo mundo ver. Ele muda as notas para que o músico erre intencionalmente na frente de outras pessoas, para nos humilhar”.

De acordo com o músico, existe uma perseguição contra quem questiona os métodos de Leonardo David. “Como ele era maestro das duas orquestras, quando queria retaliar alguém, manipulava a agenda mesmo sabendo que os horários não batiam. Na frente das câmeras era um anjo, atrás era só humilhação”, afirmou.

Ainda segundo X., o silêncio dos integrantes da Orquestra Sinfônica se deve ao medo. “Primeiramente que 75% dos músicos têm um contrato temporário, sendo apenas 25% efetivos. É um contrato ilegal e quase imoral, de apenas um ano, podendo ser renovado para mais um. O medo vem a partir disso, das ameaças. Ele diz ser muito influente. Portanto, fazia tudo escancaradamente. Nos xingava, dizia que a gente não valia nada. Falava para quebramos nossos instrumentos, entre tantas outras coisas. Para se vingar de quem o confrontasse, ele reprovava através das notas. Não tem como provar que o concurso é idôneo”, explica.

De acordo com X., a coragem que desencadeou as denúncias veio a partir da participação do maestro em uma live no Youtube para falar sobre racismo. “Ele quis pegar carona no movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Mas, durante a transmissão, foi possível perceber o racismo dele mesmo”.

A partir disso, X. conta que iniciou um movimento de pessoas negras nas redes sociais, que discordaram da postura do maestro na live. Isso, diz, encorajou as vítimas dos abusos a desabafarem, gerando um movimento de exposição das atitudes do maestro, que chegaram a quase 100 relatos de músicos contra ele. “Ninguém se sentia seguro para falar. Essa foi a oportunidade que encontraram. A pessoa que expôs os relatos precisou ocultar os posts das redes sociais, após sofrer ameaças de processo”.

A vítima ainda relata que, além do assédio moral, também presenciou assédio sexual contra uma das integrantes. “Ele assediava minha colega na frente do marido dela, que também era integrante. Eu tinha medo de me pronunciar e depois me ‘queimar’ no setor de música. Os maestros do Brasil todo se defendem entre eles. Esse tipo de atitude é comum em nossa área. Só tive coragem de falar pois agora não estou mais no Estado”, relata.

“Me beijou a força”

Y. contou que é uma das vítimas de assédio moral e sexual por parte do maestro Leonardo David. “Passei por várias situações constrangedoras com ele, a maior parte delas por assédio moral. Ele nos chamava de lixo, era humilhante. Mas uma vez, durante uma viagem, ele me pediu para tirar uma foto e eu não queria. Porém, por insistência, acabei aceitando. Foi quando, na hora de bater a foto, ele me beijou contra a minha vontade”.

Quase 100 pessoas acusam maestro capixaba de assédios
Maestro Helder Trefzger. Foto: Secult

De mediato, Y. afirma que reagiu negativamente à abordagem. “Pedi para apagar a foto e ele disse que era uma brincadeira entre ele e o maestro Helder Trefzger (titular da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo). Para ele isso era normal, devido à tanta impunidade”.

Outras mulheres também foram vítimas dos assédios de Leonardo David, afirma Y. “Nunca houve um pedido de desculpas pelo que aconteceu. Na volta dessa viagem, ele aproveitou que estava sozinho comigo no carro para contar diversos casos pessoais dele de cunho sexual. Eu tentava pensar em qualquer outra coisa. Infelizmente, aconteceu com muitas outras. Me senti muito violada”.

Retaliações

A vítima Z. que também conversou com a reportagem, contou que os músicos não podiam ir a consultas médicas sem sofrer retaliações do maestro. “Fui tirado do meu lugar. Ele gritou comigo e me ameaçou, dizendo que eu não poderia mais tocar na orquestra. Isso porque foi uma consulta feita a pedido da Instituição. Como tocava nas duas orquestras, eu não tinha outro horário”.

Quase 100 pessoas acusam maestro capixaba de assédios
Foto: Divulgação / Sesi-ES

De acordo com o relato, o maestro usava o regimento a favor dele. “Segundo o regimento, músico que falta aos ensaios não pode tocar na apresentação. Eu estava lá, mas ele não me permitiu tocar e terminou o ensaio mais cedo para que pudesse usar a falta contra mim e colocar um amigo convidado para tocar no meu lugar”.

São diversas atitudes abusivas apontadas por Z., que os levaram a pedir demissão. “Ele burlava as notas de quem se posicionasse contra alguma atitude dele. Sem contar que ele não contabilizava hora extra e viagens. Caso alguém precisasse ir ao médico, era ameaçado”, afirmou.

De acordo com a vítima, ex-integrante da orquestra, o maestro abusava do tempo de trabalho dos músicos. “Um dos episódios me marcou. Durante a gravação para o mestrado dele, tivemos que tocar por quatro horas seguidas, sem ar condicionado e sem poder ir ao banheiro. Em outro episódio, ele chamou um colega para brigar na rua. Não temos a quem recorrer. Pedi demissão por não aguentar mais abusos”.

Apesar da demissão do maestro ter sido uma notícia positiva, muitos músicos continuam sofrendo retaliações. “Muitos colegas tocam nas duas orquestras. Quando ele foi demitido do Sesi, sabia que foi em consequência das denúncias. Ele nos colocou em uma sala e disse que só sairíamos dali após confessarmos quem fez a denúncia”, relatou.

Para a vítima, é difícil acreditar que o Estado tenha a mesma atitude que a Findes em relação ao caso. “Ele é uma pessoa querida de grandes figuras políticas do Estado, que colocam panos quentes na situação”.

“Costas quentes”

A vítima W. conta que tocou com Leonardo David desde que era apenas uma criança. E que o maestro teria as ‘costas quentes’. “Ele chegou à direção da orquestra por meios políticos. Tem o aval do maestro Helder Trefzger para todas essas atitudes. Sempre foi uma pessoa difícil. Ganhou por apenas um voto de diferença e, desde então, começou a represália com todos que votaram contra”.

A perseguição foi tanta que, de acordo com W., o maestro tentou processo. “Ele dizia que me admirava e não aceitou quando eu disse que ele não tinha bagagem musical para o cargo. Ele não tem formação de maestro. Depois disso, tentou me processar por faltas, mas ganhei o caso por falta de provas”.

W. contou, ainda, que passou a duvidar do caráter do maestro Leonardo David após uma conversa. “Uma vez ele chegou a me oferecer benefícios, entre elas, abono de faltas para apoiá-lo. Me disse: ‘Você tem que ter ambição. Não importa os meios que você precise para chegar lá na frente'”, relatou.,

Gosta de humilhar

“Ele é a pior pessoa que conheci na minha vida”, afirma B. “Ele gosta de humilhar as pessoas. Dos integrantes temporários ele ameaçava tirar o emprego, e dos efetivos, cortava o ponto. Enquanto violinista, já era uma pessoa difícil. Mas, quando se dá poder, a pessoa se revela. Fico feliz com a atitude da Findes. São centenas de pessoas dizendo que ele é ruim. Não estamos enganados”.

B. contou o caso de uma colega que sofreu retaliação do maestro. “Ela foi elogiada pela revista Concerto, que tem alcance nacional. Mas foi reprovada logo após questionar o maestro Leonardo. Ficou claro que foi retaliação. Ninguém garante que não há influência nas provas. A esposa dele já teve denúncias por nepotismo, por colocar parentes lá dentro. Infelizmente, conheço muitos músicos que desistiram da música por medo. Muitos desenvolveram além, de problemas físicos de saúde pelas horas de ensaio, depressão e síndrome do pânico”.

Leonardo David

Em nota, o maestro Leonardo David afirmou que é inocente de todas as acusações e que jamais faltou com o respeito a ninguém. Disse que confia na apuração dos fatos, que trarão “a verdade”.

Helder Trefzger

O maestro Helder Trefzger, também por nota, disse que nunca teve esse “tipo de brincadeira com o maestro Leonardo David”. Segue a resposta completa:

“Jamais tive conhecimento desses abusos e, se soubesse, certamente teria tomado providências. Nunca incentivei ou avalizei qualquer conduta que não guardasse o devido respeito às pessoas. Inclusive, na orquestra temos uma comissão de músicos que pode ser acionada por qualquer músico, a qualquer hora. Sempre tive uma comunicação aberta com essa comissão, com reuniões regulares, buscando sempre equacionar quaisquer questões que fossem levantadas, e propiciar o melhor tratamento aos músicos”.

Secult

A Secretaria da Cultura do Estado (Secult-ES) informou que recebeu ofício do Ministério Público do Estado do Espírito Santo no dia 25 de agosto. O documento foi respondido com a solicitação de mais informações para que seja aberto o processo interno de apuração.

A Secult reforçou que não compactua com nenhum tipo de má conduta de servidores e que os questionamentos do órgão ministerial vão ser apurados e respondidos dentro do prazo solicitado.

De acordo com a nota, em caso de abertura de um processo administrativo interno, pode haver o afastamento do servidor por 90 dias (podendo ser prorrogado por mais 60), para garantir a idoneidade do processo, que deve cumprir princípios norteadores da gestão, de transparência e ética.

“Para haver uma punição extrema, entre elas a demissão, é preciso que as denúncias sejam apuradas e que as infrações sejam comprovadas. Lembramos que o servidor público tem direito a defesa, e um processo administrativo leva isso em consideração”.

A Secult reforçou, ainda, que o governo possui ferramentas internas para denúncias e que a Orquestra tem uma comissão interna formada por músicos que também cumpre esse papel.

MPES

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) confirmou que instaurou, por meio da Promotoria de Justiça Cível de Vitória, procedimento para apurar denúncia anônima referente a dois maestros.

Segundo o MPES, o caso segue em tramitação e foi remetido também à Promotoria de Justiça Criminal de Vitória, por envolver notícia de crime, e à Secretaria de Estado da Cultura, para conhecimento e eventuais esclarecimentos.

Apoio da Comissão de Músicos

A Comissão de Músicos da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (OSES) se posicionou a favor das vítimas. Segundo nota, a comissão repudia qualquer atitude de assédio moral, sexual, misógina e racista. “Não compactuamos com qualquer conduta que possa ferir a ética, moral e o respeito aos músicos da OSES”.

A comissão afirma ainda que acredita no devido processo legal e estará acompanhando o caso.

*Matéria atualizada em 10/09/2020 às 13h24.

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