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Denúncia no MPES aponta “farra de gratificações de risco de vida” para comissionados da Sejus

Uma denúncia formalizada no Ministério Público Estadual (MPES) em 2020, escancara uma farra de concessão da gratificação por risco de vida a servidores comissionados que, segundo denúncias, jamais se aproximaram das atividades perigosas inerentes ao sistema prisional.

O benefício – criado como compensação dos riscos do serviço do policial penal – estaria sendo pago a 90% servidores da Secretaria de Estado da Justiça. Inclusive, os que sequer se aproximam de unidades prisionais, como servidores que atuam no edifício Fabio Ruschi, no Centro de Vitória.

Os dados do Portal da Transparência revelam um aumento exponencial na concessão dessas gratificações entre 2020 e 2024, totalizando aproximadamente 317 benefícios, todos no percentual máximo de 40%. Este volume contrasta significativamente com os quinquênios anteriores, levantando sérias questões sobre os critérios de distribuição.

A farra com o dinheiro público levou o Ministério Público a ingressar com uma Ação Civil Pública, buscando estancar o que considera um grave desvio de finalidade. O objetivo central da ação é interromper o pagamento da gratificação de risco aos servidores da Sejus que não desempenham atividades com exposição real a perigo.

O MPES sustenta a inconstitucionalidade da prática, argumentando que a concessão indiscriminada da gratificação viola o artigo 34 da Lei Complementar Estadual 233/02, além de invadir a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e condições para o exercício de profissões.

A ação também aponta para a afronta aos princípios basilares da administração pública, como legalidade, isonomia, moralidade e impessoalidade, previstos nos artigos 37 da Constituição Federal e 32 da Constituição Estadual. O promotor de Justiça Manoel Milagres Da Silva Ferreira, responsável pela denúncia, é enfático ao destacar a discrepância da situação.

“Não resta dúvida que o pagamento da gratificação visa tão somente a majoração dos vencimentos ou recomposição de perdas salariais feitas por vias transversas, já que grande parte dos servidores trabalha no prédio da Sejus e não têm contato direto com a população carcerária do Estado”, assevera o promotor.

No mês passado, veio à tona o escândalo no INSS, em que diversos servidores do órgão, inclusive o chefe da pasta, foram acusados de participar de esquemas que envolviam a concessão ilegal de aposentadorias, pensões e auxílios-doença, deixando de beneficiar quem realmente tem direito. Hoje, no Espírito Santo, pessoas que não têm direito à gratificação por risco de vida têm recebido o benefício, enquanto que quem arrisca a vida diariamente nos presídios não o recebe.

O pagamento provoca descontentamento entre os servidores. “É uma injustiça com quem realmente trabalha exposto a riscos”, afirma um servidor efetivo que pediu anonimato por temer retaliações. “Tem gente que ganha esse adicional enquanto passa o dia em gabinete com ar-condicionado”, pontua.

Outro policial penal, lotado na Penitenciária Estadual de Vila Velha 3 (PEVV-III), acha a gratificação um deboche contra a categoria que coloca a vida em risco todos os dias. “É uma distorção clara da finalidade da gratificação, que foi criada para proteger quem realmente coloca sua vida em risco. Enquanto isso, pessoas que não têm contato com o sistema prisional continuam recebendo o adicional”, afirmou outro.

Servidores de carreira denunciam que há dificuldades para garantir o pagamento correto do adicional a quem realmente atua nas unidades prisionais. “Tem gente em Xuri, em Viana, que coloca a vida em risco todos os dias e não consegue receber a gratificação. Mas quem está na sede, atendendo telefone, recebe sem problema”, critica um policial penal que atua em Viana.

Outro policial penal, lotado no Centro de Detenção Provisória de Viana 2 (CDPV-II), destaca que era para todos os policiais penais receberem esse benefício já que colocam a vida em risco todos os dias. “Essa gratificação foi criada para proteger quem arrisca a vida lidando com facções, armas brancas e rebeliões. Transformaram isso em bônus para cargos políticos”, denuncia.

Dados revelam um aumento alarmante na concessão dessas gratificações entre 2020 e 2024, com um total aproximado de 317 benefícios, todos no percentual máximo de 40%. A Lei Complementar 46/94, que rege a matéria, estabelece que a gratificação é destinada a servidores em “execução de trabalho com risco de vida”. Já a Lei Complementar 233/02, alterada pela LC 879/17, complementa, exigindo o “efetivo exercício em estabelecimento penal” para que os servidores da Sejus façam jus ao adicional, com algumas diretorias específicas também contempladas.

A Lei Complementar 46/94 estabelece, em seu Art. 100, que a gratificação por execução de trabalho com risco de vida será concedida ao servidor que desempenhe atribuições ou encargos em circunstâncias potencialmente perigosas à sua integridade física, com possibilidade de dano à vida. Já a Lei Complementar 233/2002, em seu Art. 34, complementada pela Lei Complementar 879/2017, especifica que servidores com efetivo exercício em estabelecimento penal fazem jus à percepção da gratificação.

“Art. 34 O servidor público civil localizado ou designado para o desempenho de atribuições, tarefas, encargos ou nomeado para qualquer cargo da Secretaria de Estado da Justiça – SEJUS, com efetivo exercício em estabelecimento penal, faz jus à percepção da Gratificação de Risco de Vida de 40% (quarenta por cento) do vencimento do cargo ocupado pelo servidor, instituída pelo art. 100 e parágrafos da Lei Complementar nº 46, de 31.12.1994, a partir da vigência desta Lei Complementar”.

A interpretação conjunta das leis sugere que, para receber a gratificação, o servidor deve ter em suas atribuições atividades potencialmente perigosas e estar lotado ou designado para exercer suas funções em um estabelecimento penal. Segundo a denúncia, alguns desses servidores comissionados teriam acréscimos salariais superiores a R$ 4 mil, ultrapassando, em alguns casos, o salário de um subsecretário de Estado.

Denúncia no MPES aponta "farra de gratificações de risco de vida" para comissionados da Sejus
O advogado Marco Antonio Alonso David, analisa a desvirtuada interpretação da Sejus ao pagar, por exemplo, servidor da área de assessoria de imprensa ou assessoria técnica, uma gratificação sem que as funções as coloque em risco. Para ele, a interpretação da Sejus parece “desalinhada com o estabelecido tanto pela Lei Complementar nº. 46/94 quanto com a 233/01”, uma vez que as leis exigem o exercício em local de risco ou atividades perigosas.

Denúncia no MPES aponta "farra de gratificações de risco de vida" para comissionados da Sejus“Sob os princípios constitucionais, bem como sobre os requisitos estabelecidos pelas leis complementares em tela, não há que haver diferença de tratamento e remuneração para trabalhadores que desempenham as mesmas funções e com os mesmos riscos. No caso, nos parece que nenhum deles deveria receber a referida Gratificação”, avalia o advogado.

Penalidades para dano ao erário

A lei de improbidade administrativa aponta uma série de hipóteses aplicáveis a dano ao erário. Sobre o tema, o advogado Felipe Pastore alerta para as possíveis consequências legais: “O artigo 10 da Lei 8.429/1992, que trata dos atos de improbidade administrativa, traz diversas hipóteses que podem ser aplicadas para quem dolosamente causa dano ao erário. E os incisos do dispositivo são meramente exemplificativos, podendo existir outras hipóteses não contempladas expressamente. O inciso IX diz expressamente que: ‘ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento’, que me parece adequado à espécie”. Ele enfatiza que os servidores que receberam indevidamente poderão ter que “devolver ao erário”.

Denúncia no MPES aponta "farra de gratificações de risco de vida" para comissionados da SejusO procurador de Justiça do  Ministério Público de São Paulo (MPSP), César Dario Mariano da Silva, expressa preocupação com as recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa, que podem dificultar a punição em casos como este. “As alterações da Lei de Improbidade são terríveis do ponto de vista do combate às ilegalidades e imoralidades que ocorrem diariamente no serviço público. Inúmeras condutas até então tidas como atos de improbidade administrativa passaram a ser permitidas”.

Comissionados do gabinete beneficiados

Contrariando essa legislação, o Portal da Transparência revela que diversos servidores comissionados, alocados em setores administrativos no Edifício Fábio Rush, em Vitória, estariam recebendo a gratificação sem, aparentemente, preencher os requisitos legais. No gabinete do secretário de Justiça, Rafael Pacheco, por exemplo, há, pelo menos, cinco servidores comissionados sendo beneficiados com a gratificação em valores que variam de R$1.328,58 a R$ 4.493,37. Todos eles trabalham em locais administrativos.

Advogados consultados sobre o caso, como Marco Antonio Alonso David e Felipe Pastore, da Kuntz Advocacia, apontam que a extensão da gratificação a servidores em funções administrativas, sem comprovação de risco inerente às suas atividades e sem exercício efetivo em estabelecimentos penais, parece “‘desalinhada'” com a legislação vigente e com os princípios da moralidade e legalidade que regem a administração pública.

“De fato. No mínimo mostra a ausência de coerência e padrão na tomada de decisões pela SEJUS, o que, ao final, nos parece violar os princípios constitucionais que regem a administração pública – Moralidade, Pessoalidade e Eficiência”, conclui Marco Antonio Alonso David.

Denúncia no MPES aponta "farra de gratificações de risco de vida" para comissionados da SejusPara o especialista Felipe Pastore Ramaciotti, a gratificação de risco de vida possui uma finalidade clara: “compensar o servidor pelo trabalho realizado em condições potencialmente nocivas”, expondo a vida ou a saúde em atividades classificadas como perigosas pela administração. Nesse contexto, “o recebimento da gratificação por servidores que supostamente não preenchem os requisitos legais pode configurar ato de improbidade administrativa”.

Ramaciotti aponta que, em casos de concessão indevida, “poderiam ser aplicados os artigos 9 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa”. O artigo 9 aborda os “atos que geram enriquecimento ilícito”, enquanto o artigo 11 trata das condutas que atentam contra os “princípios da administração pública, como legalidade e moralidade”.

A ausência de manifestação prévia da Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (SEGER) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) sobre uma possível concessão massiva da gratificação é vista por Ramaciotti como um ponto de atenção. “Pode ser considerado um indício de irregularidade ou falta de transparência, pois analisam a legalidade da concessão faz gratificações, tendo papel importante na interpretação e aplicação da lei”, finalizou.

Quem tem direito à gratificação prevista na lei?

Os requisitos cumulativos para um servidor da SEJUS fazer jus à gratificação de risco de vida, conforme o Art. 100 da Lei Complementar 46/94 e o Art. 34 da Lei Complementar 233/2002, são o desempenho de atribuições perigosas e a lotação em um dos órgãos especificamente listados, incluindo estabelecimentos penais e diretorias diretamente ligadas à segurança e gestão do sistema prisional.

Denúncia no MPES aponta "farra de gratificações de risco de vida" para comissionados da Sejus
Foto: AgepenMS

Embora a Lei Complementar 233/03 presuma o risco à vida para servidores lotados nos órgãos listados em seu Art. 34, a Constituição Federal exige a observância do princípio da moralidade, levantando questionamentos sobre a extensão automática da gratificação pela mera lotação.

O advogado Marco Antonio Alonso David, esclarece de forma precisa quem, segundo a legislação, o direito ao benefício é restrito àqueles que cumprem requisitos específicos relacionados à natureza de suas funções e ao local de trabalho. Ele detalhou que atribuições ou encargos em circunstâncias potencialmente perigosas à sua integridade física, com possibilidade de dano à vida são:

“i) na Secretaria de Estado da Justiça – SEJUS, com efetivo exercício em estabelecimento penal;” – Deixando claro que a atuação direta dentro das unidades prisionais é um dos principais critérios.
“ii) na Diretoria de Inspeção e Controle de Unidades Prisionais;” – Envolvidos na supervisão e segurança dos presídios.
“iii) na Diretoria de Segurança Penitenciária;” – Responsáveis pela segurança interna e externa dos estabelecimentos penais.
“iv) na Diretoria de Inteligência Prisional;” – Atuando na coleta e análise de informações cruciais para a segurança.
“v) na Gerência de Educação e Trabalho;” – Servidores que, mesmo em atividades de ressocialização, atuam dentro dos presídios.
“vi) na Corregedoria;” – Encarregados da fiscalização e disciplina dentro do sistema.
“vii) na Diretoria Geral de Engenharia e Arquitetura;” – Quando as atividades são exercidas dentro dos complexos penitenciários.
“viii) na Diretoria de Assistência Jurídica do Sistema Penal;” – Advogados e profissionais do direito que atuam diretamente nos presídios.
“ix) na Gerência de Saúde do Sistema Penal;” – Profissionais de saúde que atendem a população carcerária dentro das unidades.
“x) na Diretoria de Operações Táticas;” – Equipes especializadas em intervenções de alto risco nos presídios.
“xi) na Diretoria de Movimentação Carcerária e Monitoração Eletrônica;” – Envolvidos no transporte de presos e no monitoramento eletrônico, atividades com potencial risco.
“xii) na Gerência de Reintegração Social e Cidadania;” – Quando as atividades são desenvolvidas dentro dos complexos penitenciários.
“xiii) na Gerência de Controle, Monitoramento e Avaliação de Gestão Penitenciária, bem como nos complexos penitenciários”.” – Servidores que atuam diretamente na gestão e avaliação dentro dos presídios.

 

Thauane Lima
Thauane Lima
Bacharel em Jornalismo pela UFES

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