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As falhas na rede de proteção à criança no Espírito Santo

Mais um crime brutal chocou o Espírito Santo há alguns dias. Ana Victória Silva dos Santos, uma menina de apenas 8 anos, teve sua vida ceifada a golpes de paulada pelo próprio pai, Wellington Caio Silva Nogueira, de 28 anos, em Cariacica, na sexta-feira do dia 12 de abril. O crime hediondo, motivado por um bilhete da escola sobre o não cumprimento de tarefas escolares, levanta um debate urgente sobre a segurança e a eficácia da rede de proteção à infância no Estado.

A tragédia expõe, de forma cruel, as fragilidades do sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente no Espírito Santo. Um levantamento recente do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) já havia acendido um alerta preocupante sobre o alto risco de revitimização enfrentado por crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência ao acessarem as políticas públicas estaduais.

A fiscalização do TCE-ES, cujo relatório foi julgado na última quinta-feira (3) sob a relatoria do conselheiro Rodrigo Chamoun, identificou “relevantes problemas na eficácia e segurança do sistema de enfrentamento à violência infantojuvenil”. O tribunal apontou a “urgência de ações estruturantes” para fortalecer a rede de proteção e garantir um atendimento integrado e qualificado que assegure o bem-estar das crianças em situação de violência.

O levantamento do TCE-ES analisou as ações e políticas públicas do Poder Executivo Estadual, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Justiça, no período de 2023 a 2024. Os números da Secretaria de Segurança Pública (Sesp) corroboram a gravidade da situação: foram registrados “4.502 boletins de ocorrência de crimes diversos contra crianças e adolescentes em 2023”, e outros “2.806 casos entre janeiro e agosto de 2024”. Entre os crimes mais comuns, destacam-se lesão corporal e estupro, além de ameaça, corrupção de menores, maus-tratos e favorecimento à prostituição.

Proteção à criança

As falhas na rede de proteção à criança no Espírito Santo
Conselheiro Rodrigo Chamoun

O conselheiro e relator Rodrigo Chamoun enfatizou que “a criança e o adolescente possuem direitos e garantias, resguardados pela norma constitucional, como a proteção a sua dignidade – direito esse basilar de todo texto constitucional”. Ele citou o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, diversos direitos, além de “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Chamoun destacou a Lei nº 13.431/2017, criada para normatizar o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, conforme o artigo 227 da Constituição e outros compromissos internacionais. “Esta Lei normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, cria mecanismos para prevenir e coibir a violência, nos termos do art. 227 da Constituição Federal…”, esclareceu o conselheiro.

A escola tem culpa?

A advogada Jamily Wenceslau, especialista em Direito de Família e Direito Criminal, esclareceu que a escola não teria culpa na morte da menina. “A responsabilidade penal pela morte de Ana Victória recai diretamente sobre o pai, autor confesso da agressão. No entanto, é possível discutir a responsabilidade civil ou administrativa da escola apenas se houver indícios de negligência, como, por exemplo, sinais anteriores de maus-tratos não comunicados ao Conselho Tutelar. A escola tem o dever legal de comunicar suspeitas de violência (ECA, art. 13), mas ela não tem obrigação legal de “conhecer os pais” profundamente, apenas de acompanhar e comunicar indícios de risco à criança”.

As falhas na rede de proteção à criança no Espírito Santo
Advogada Jamily Wenceslau

Wenceslau destacou que a escola seria responsabilizada, se a criança apresentasse sinais de violência.  “Não podemos transferir a responsabilidade por um crime brutal e individual para a instituição de ensino, a menos que haja evidência concreta de omissão frente a sinais anteriores de agressão. É importante lembrar que a generalização de culpa estrutural pode gerar distorções, inclusive abrindo espaço para responsabilizações indevidas em casos onde a escola sequer teve acesso a sinais de alerta. A tragédia não se resolve com caça às bruxas, mas com cumprimento das obrigações legais já previstas”.

Para o advogado penal e constitucional Ilmar Muniz, o Ministério Público deve investigar se houve outras pessoas envolvidas ou omissas em relação à violência sofrida por Ana Victória. “O Ministério Público tem o dever de apurar se outras pessoas, além dos agressores diretos, contribuíram com a tragédia por meio da omissão. Isso inclui familiares, vizinhos, agentes públicos e instituições que tinham contato com a criança. A investigação deve identificar se houve falha na rede de proteção e garantir que todos os envolvidos sejam responsabilizados, direta ou indiretamente”, observa.

O advogado Marco Alonso David, especialista em Direito da Criança e do Adolescente, afirmou que o Estado precisa de rede de proteção contra a violência contra a criança e adolescente. “Sem dúvida, como colocamos, são os profissionais da linha de frente com as crianças e adolescentes, que com eles mais convivem, quem tem a melhor oportunidade para identificar as nuances indicadoras de uma possível situação de violência infantil. Contudo, em se tratando de nuances, nada é muito claro e cristalino e o treinamento e capacitação constante são as ferramentas primordiais a tais profissionais para prevenir o acontecimento deste tipo de situação”.

Celeridade no julgamento e pena exemplar

As falhas na rede de proteção à criança no Espírito Santo
Advogado Ilmar Muniz

Jamily Wenceslau declarou que o Estado deve ter celeridade no julgamento desse crime brutal. “A investigação rigorosa e uma punição proporcional à gravidade do crime são fundamentais para garantir a proteção integral das crianças, como determina o ECA (art. 227 da Constituição e art. 5º do ECA). A resposta do Estado precisa mostrar que a infância é prioridade absoluta, e que qualquer forma de violência será tratada com seriedade, celeridade e justiça”, afirma.

Muniz destaca a importância de uma investigação rigorosa e de uma punição exemplar neste caso para a proteção de outras crianças e para a sociedade como um todo. “Uma investigação profunda e a responsabilização dos envolvidos são fundamentais para evitar novos casos semelhantes. Isso reforça a importância da denúncia, do engajamento da comunidade e da atuação eficaz dos órgãos de proteção. Além disso, envia uma mensagem clara de que crimes contra crianças não serão tolerados e que a omissão também gera consequências”, salienta.

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