O amor de uma mãe por seu filho transcende qualquer barreira, e quando esse filho vive no seu ‘mundinho particular’, com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), esse amor se revela em sua forma mais pura e resiliente. Aliás, resiliência é uma palavra constante na vida de mães que esperam, às vezes mais de um ano, por tratamento para os filhos com o transtorno.
Nas duas principais instituições de referência para tratamento da TEA no Estado, a Associação dos Amigos Autistas (Amaes) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), são mais de 4 mil filhos autistas na fila de espera por um tratamento, quando somada a demanda reprimida das associações.
Também por isso, para muitas mães, a jornada é marcada por desafios, descobertas e, acima de tudo, um amor incondicional que se manifesta na paciência, na aceitação e na busca por uma melhor qualidade de vida para seus filhos.
Leia mais notícias de Saúde no portal ES Hoje
A maternidade atípica é um aprendizado constante. Como revela Heloisa Moraes, mãe de Willian Moraes, 14 anos, e tesoureira da Associação dos Amigos Autistas (Amaes), a falta de informação foi um dos maiores desafios quando recebeu o diagnóstico do filho. “Ser mãe já é um desafio, e na maternidade atípica, os obstáculos se multiplicam. O diagnóstico de autismo do Willian aos 2 anos e 7 meses trouxe muitas incertezas, especialmente há 12 anos, quando a informação era escassa. Além das terapias e da rotina adaptada, enfrentei julgamentos e falta de compreensão, ouvindo comentários como ‘não parece autista’ ou ‘falta de limites'”, relembra.

Determinada a proporcionar uma vida melhor ao filho, Heloisa superou obstáculos e preconceitos por meio da busca incansável por conhecimento e terapias. “A busca por conhecimento e tratamentos foi árdua, mas crucial para o desenvolvimento do Willian. O acesso precoce às terapias, inicialmente pelo plano de saúde e depois pela Amaes, foi fundamental. Hoje, o Willian, que não era verbal, se comunica e supera barreiras. Meu maior desejo é que mais famílias tenham acesso à informação e que a sociedade acolha o autismo com respeito e empatia”.
Tratamentos e terapias
A busca por tratamentos adequados, especialmente terapias, é essencial para o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas com TEA. Embora o autismo não tenha cura, terapias específicas podem ajudar significativamente no desenvolvimento de habilidades sociais, de comunicação e comportamentais, promovendo mais autonomia e bem-estar.
Atualmente, a Amaes oferece atendimentos em seis municípios da Grande Vitória (Vitória, Serra, Cariacica, Viana, Vila Velha e Aracruz), mas enfrenta uma fila de espera de aproximadamente 1.300 pessoas, enquanto realiza cerca de 1.400 atendimentos. “Então, quando iniciamos um projeto sob acordo, temos pré-requisitos. Esses acordos, firmados com as prefeituras, são específicos para os moradores do local. Por exemplo, em Cariacica, atendemos apenas os munícipes de Cariacica, e assim por diante. Também temos acordos com o Estado, através das Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social. As parcerias com o estado nos permitem atender moradores de outros municípios”, explica a tesoureira da Amaes.
3 mil famílias na fila de espera da Apae
Outra entidade filantrópica que auxilia no atendimento gratuito a crianças com TEA e outras deficiências intelectuais é a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), que atualmente tem 3 mil famílias na fila de espera. O Diretor Social da Federação das Apaes do Espírito Santo, Vanderson Gaburo, destaca que a demanda por atendimento é crescente.

“A demanda de fila de espera nas Apaes é muito dinâmica, mas hoje temos uma demanda reprimida de mais de 3 mil pessoas aguardando vaga em uma das nossas 40 Apaes, dentre pessoas com autismo e deficiência intelectual”, afirma.
Gaburo ressalta que a responsabilidade pelo atendimento às pessoas com deficiência é do poder público, mas que as Apaes continuam atuando com parcerias e doações para ampliar sua capacidade de atendimento. “Temos limitações de estrutura física e financiamento das atividades. Esse financiamento pode ser público, por meio de parcerias, ou privado, com doações da sociedade e empresas parceiras. O desafio é como ampliar essa capacidade no tempo e da forma que gostaríamos para atender a todos. Estamos lutando constantemente para isso”, enfatiza.
Uma das soluções para reduzir a espera foi a criação do programa “Apae Apoia”, que oferece suporte às famílias que ainda aguardam uma vaga. “Nos preocupamos muito com essas famílias que não conseguem atendimento. Criamos e estamos implantando o Programa Apae Apoia, que visa acolher todas as famílias que estão na fila de espera das Apaes. O objetivo é oferecer escuta, rodas de conversa e informações de qualidade para essas famílias. Mesmo sem conseguir ofertar a vaga, podemos dar amparo e apoio. Já iniciamos na Apae de Cariacica e o depoimento das mães tem sido fantástico. A acolhida faz a diferença nesse percurso de vivência da deficiência. Vamos ampliar para todas as Apaes”, pontua Gaburo.
Além do acolhimento presencial, uma alternativa criada foi o teleatendimento.”Há dois anos temos nosso serviço de teleatendimento para famílias de pessoas com deficiência, através do NAF – Núcleo de Acolhimento à Família. O objetivo é dar escuta e informação para as famílias. São estratégias que criamos para dar alguma resposta a essa crescente demanda por atendimento”, explica.
A importância do diagnóstico precoce na infância
O diagnóstico precoce do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é fundamental para o desenvolvimento neurocognitivo e socioemocional das crianças, garantindo melhores condições de adaptação e aprendizado ao longo da vida. Segundo a neurologista Mariana Grenfell, da Rede Meridional, a identificação antecipada do TEA possibilita intervenções especializadas que potencializam a plasticidade neural, especialmente nos primeiros anos de vida, quando o cérebro tem maior capacidade adaptativa.

“O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento. Estudos demonstram que crianças diagnosticadas antes dos 2,5 anos apresentam melhorias significativas nos sintomas sociais em comparação com aquelas diagnosticadas mais tarde”, explica a especialista.
Além de possibilitar um desenvolvimento mais equilibrado, a detecção precoce do autismo está associada a melhores resultados cognitivos e comportamentais na idade escolar. Crianças diagnosticadas e acompanhadas desde cedo têm maior probabilidade de desenvolver habilidades verbais, apresentar melhor desempenho acadêmico e necessitar de menos suporte contínuo.
Segundo Mariana Grenfell, a introdução de terapias precoces baseadas em evidências científicas, como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), a terapia ocupacional e a fonoaudiologia, é essencial para aprimorar a comunicação, a cognição e a regulação comportamental. “O diagnóstico precoce não apenas facilita o acesso a essas intervenções, como também reduz impactos secundários, como dificuldades acadêmicas e o risco de isolamento social”, destaca.
A neurologista também ressalta que a ausência de um diagnóstico precoce pode levar a desafios sem o suporte adequado, aumentando o risco de comorbidades psiquiátricas, como ansiedade e depressão. Além disso, o conhecimento do quadro permite que as famílias adotem estratégias eficazes para estimular a autonomia e melhorar a qualidade de vida do indivíduo com TEA.