REIMS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – “Ele está vendo, de onde está. Eu sou um ser de fé, e ele está aqui”. Amigo de Sebastião Salgado, o empresário francês Pierre-Emmanuel Taittinger tem certeza de que o fotógrafo brasileiro, que morreu na sexta-feira (23) em Paris, estava presente em espírito na inauguração da exposição de desenhos e vitrais do filho Rodrigo. O evento ocorreu neste sábado (24), na igreja dessacralizada do Sagrado Coração, em Reims, na França.
Salgado não resistiu a uma leucemia, consequência de malária contraída em uma viagem à Indonésia, em 2010. Apesar de sua morte, a família decidiu manter o vernissage, que acabou se transformando em grande homenagem ao fotógrafo e a seu amor pelo filho, que tem síndrome de Down.
A cremação do corpo de Salgado está prevista para a próxima sexta-feira (30) no cemitério Père-Lachaise, em Paris. As cinzas serão enviadas para Aimorés (MG), onde ele mantinha com a mulher, Lélia, o Instituto Terra, de preservação ambiental.
Junto com Lélia, Sebastião Salgado dedicou-se intensamente nos últimos meses à montagem da retrospectiva da obra de Rodrigo, de 45 anos, que demonstrou talento artístico desde a juventude.
Foi Taittinger que teve a ideia de transformar os vibrantes desenhos de Rodrigo em vitrais. Eles agora iluminam a antiga igreja, convertida em um ateliê de vitrais pertencente ao próprio Taittinger.
A inauguração da mostra foi um momento ao mesmo tempo de tristeza e alegria, como definiu o outro filho de Sebastião e Lélia, o cineasta Juliano: “Hoje estou dividido entre essas emoções todas. Ontem descobri que a dor de perder um pai é essa dor universal, que todo mundo entende.”
Salgado fez algumas visitas ao ateliê de vitrais, mas não chegou a ver a exposição acabada. “Ele ficaria imensamente feliz de ver”, disse à Folha a viúva. “Agora, como eu acho sempre, ontem foi o dia da morte, hoje é o dia da vida. E a vida é a vida do nosso filho, que precisa tanto que a gente esteja com ele.”
Nos últimos anos, Rodrigo Salgado teve complicações de saúde decorrentes do Down, que afetaram a fala, a memória e a coordenação motora. Mesmo assim, ele compareceu à inauguração da exposição, em cadeira de rodas. Aplaudiu os discursos e foi festejado por parentes e amigos de Salgado.
Lélia, responsável pelo projeto visual da exposição, considera a retrospectiva uma comprovação do talento das pessoas com deficiência. “Basta elas terem uma oportunidade de mostrar e de se desenvolver. E somos felizes, porque ajudamos o Digo a ter essa possibilidade”, afirmou, referindo-se ao filho pelo apelido.
O renomado pintor francês Michel Granger, que há anos empresta o ateliê e materiais para Rodrigo realizar seus desenhos, disse ter ficado fascinado com a exposição. “É um trabalho muito homogêneo, de um artista perfeitamente realizado. Eu não percebia isso no meu ateliê, porque ele fazia o desenho e levava para os pais”, contou.
Lélia admitiu a dificuldade para manter o evento. “Eu nem sei muito como é que eu estou aqui. Mas a vida é isso. A gente não sabe quando, mas a gente sabe que um dia a gente vai. E esse dia chegou para o Tião. Infelizmente, chegou muito cedo. Eu gostaria muito que a gente ficasse bem mais velhos juntos”, concluiu.
ANDRÉ FONTENELLE