Por Lisarb Nascimento*
Vivemos numa época em que a ignorância à apostolicidade da Igreja de Cristo se torna cada vez mais evidente. A falta de compreensão sobre a comunhão dos Santos, tanto no presente quanto na preservação histórica da fé ao longo dos séculos, revela uma desconexão com as raízes de nossa identidade cristã.
Esse distanciamento se manifesta na dificuldade de se reconhecer a necessidade de aprender e ensinar a doutrina dos apóstolos, um princípio fundamental em nosso caminhar como cristãos.
Assim como os novos convertidos em Atos aprendiam com os apóstolos (At 2:42), somos desafiados a buscar um entendimento mais profundo do que significa ser parte do corpo de Cristo. Essa reflexão se torna mais urgente em um mundo marcado por informações superficiais e pela fragmentação da fé.
O relato em Atos 8:29-39, que narra o encontro entre Filipe e o eunuco etíope, nos leva a indagar sobre a profundidade do nosso entendimento das Escrituras. A pergunta do Diácono Filipe: “Entendes tu o que lês?” (At 8:30) ressoa em nossos corações e mentes, instigando-nos a refletir sobre as verdades fundamentais da fé que professamos.
Essa ressignificação da pergunta “Entendes tu o que crês?” no contexto da Confissão de Fé de Londres nos impulsiona a buscar uma base sólida e histórica para nossa crença, buscando uma vivência que não seja somente intelectual, mas que ressoe em nosso cotidiano.
Origem, Público-Alvo e Contexto da Confissão de Fé de Londres
A Confissão de Fé de Londres, redigida em 1644, emergiu em um período de intensas disputas religiosas e políticas. Durante a Reforma, grupos protestantes, incluindo os batistas, buscavam criar uma distinção clara entre suas doutrinas e as da Igreja Católica e outras tradições. Esse contexto de conflito e diversidade teológica levou à necessidade de um documento que unisse os crentes sob um entendimento comum de seus princípios doutrinários.
O público-alvo dessa confissão incluía as comunidades batistas da época, que ansiavam por uma base sólida para sua fé em meio à contestação e à necessidade de afirmação. Enquanto as igrejas tradicionais muitas vezes se concentravam em liturgias formais e rituais, a Confissão de Fé de Londres visava proporcionar clareza e acesso à verdade bíblica, permitindo que tanto adultos quanto jovens se engajassem com suas doutrinas de maneira profunda e prática.
A caminhada pela comunhão com Deus
Ao longo da Confissão, encontramos uma sequência lógica que nos convida a adentrar na profundidade da nossa fé.
A explanação sobre a natureza de Deus e a Trindade, por exemplo, se torna fundamental. No Artigo 2, a afirmação sobre a unidade de Deus em três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) é ancorada em referências bíblicas, como Mateus 28:19 e 2 Coríntios 13:14. Como Paulo nos ensina em Efésios 4:4-6, devemos nos esforçar para preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz, reforçando a importância de um entendimento comum sobre a natureza de Deus.
Em seguida, a Confissão aborda o tema da salvação e da necessidade de justificação pela fé. No Artigo 6, é ensinado que toda a humanidade está em estado de depravação, necessitando da graça de Deus, fundamentada em Romanos 3:10-12.
O Artigo 7 reforça a ideia de que a salvação é um dom divino, acessível a todos aqueles que creem (Ef 2:8-9), assim como o eunuco etíope teve a oportunidade de crer e ser batizado (At 8:36-38). Pedro, em sua primeira carta, também nos exorta a sermos preparados para dar razão da nossa esperança (1Pe 3:15), o que reforça o nosso dever de apresentar o evangelho de forma clara e eficaz.
A discussão sobre a natureza da Igreja, contida nos Artigos 26 e 27, nos ensina sobre a importância da comunhão entre os Santos. A Igreja é descrita como o corpo de Cristo, onde cada membro tem um papel significativo (1Co 12:12-27). Neste ponto, somos convocados a não apenas ser parte do corpo, mas a nutrir e garantir a saúde dessa comunhão, refletindo a vida transformada que recebemos em Cristo. João, em suas cartas, enfatiza a importância de amarmos uns aos outros, o que é um reflexo da verdadeira comunhão cristã (1Jo 4:21).
Os sacramentos, especialmente o batismo e a Ceia do Senhor, são apresentados como sinais visíveis da graça invisível. No Artigo 28, o batismo é enfatizado como uma prática de afirmação da fé, tal como registrado em Atos 2:38-41, e o Artigo 29 discute a Ceia do Senhor, que nutre e fortalece a congregação ao lembrá-los da obra de Cristo (1Co 11:23-26). O que Paulo ensina em Romanos 6:3-4 sobre o batismo como um ato que simboliza nossa união com Cristo na sua morte e ressurreição é vital para a nossa compreensão do sacramento como um meio de graça.
Finalmente, a Confissão de Fé aborda a vida prática do cristão. O entendimento da Lei de Deus e a chamada à obediência nos lembram que viver a fé em comunidade implica uma responsabilidade mútua de encorajamento e apoio (Hb 10:24-25). Isso nos avisa sobre a importância de rejeitar qualquer ensino que desvie a Igreja do que Jesus deixou aos apóstolos. Em Gálatas 1:8-9, Paulo alerta que, se alguém vier a pregar outro evangelho que não seja o que foi ensinado, seja anátema. Este princípio é essencial para preservar nossa fé e unidade em torno dos ensinamentos apostólicos.
Este importante documento histórico, portanto, nos convida a um exercício contínuo de autodescoberta e crescimento. À medida que aprendemos e ensinamos uns aos outros, reafirmamos nosso compromisso com a apostolicidade da Igreja, estabelecendo conexões com a fé que nos uniu ao longo dos séculos. É crucial que nos lembremos do conselho de Paulo em 2 Timóteo 2:2, onde ele instrui Timóteo a transmitir aos fiéis aquilo que ele mesmo aprendeu, garantindo assim a continuidade e a pureza da doutrina ao longo das gerações.
Vivendo a Confissão de Fé de Londres
O convite para refletir sobre “Entendes tu o que crês?” ressoa como um desafio para cada um de nós. Não se trata apenas de acumular conhecimento, mas de permitir que esse conhecimento transforme nossas vidas e a de nossa comunidade. Indivíduos que genuinamente buscam entender suas crenças se tornam agentes de transformação não apenas em sua comunidade, mas em um mundo que clama por integridade, verdade e esperança.
Assim como o eunuco, que encontrou significado e compreensão através do diálogo e da instrução, somos incentivados a buscar a profundidade das Escrituras e a conexão com a comunidade de fé. A prática do discipulado é fundamental, lembrando as palavras de Jesus em Mateus 28:19-20, onde somos comissionados a fazer discípulos de todas as nações, ensinando-os a guardar todas as coisas que Ele nos mandou.
À medida que abraçamos a pergunta “Entendes tu o que crês?”, que possamos estar abertos ao aprendizado e à solidariedade, exercitando a graça que nos foi concedida e partilhando-a com os outros, assim como as primeiras comunidades cristãs se dedicavam ao ensino dos apóstolos (At 2:42).
Que possamos, juntos, crescer em sabedoria e entendimento, estabelecendo conexões significativas com aqueles que nos cercam, inspirados pelas promessas eternas de Deus (2Tm 3:16-17) e comprometidos em proteger a pureza e a integridade da nossa fé contra quaisquer doutrinas que possam querer nos desviar do caminho estabelecido pelos apóstolos.
*Lisarb Nascimento é servo do Deus Altíssimo como marido da Carol, pai de Elis, Maria e Théo e como professor de EBD (Escola Bíblica Dominical) na Primeira Igreja Batista de Vitória (PIB Vitória)
¹ O texto completo da Confissão de Fé de Londres de 1644, com todos os artigos, pode ser encontrado no site monergismo <https://www.monergismo.com/textos/credos/confissao-londrina-1644.pdf> ou em outros portais de informações relacionados à fé batista em diversos idiomas.