O segredo bíblico que une a soberania de Deus e a responsabilidade humana, por Lisarb Nascimento*
“Ore como se tudo dependesse de Deus. Trabalhe como se tudo dependesse de você”. Esta frase, de autoria inconclusiva, algumas vezes atribuída a Inácio de Loyola, outras a Agostinho de Hipona, resume duas verdades incontestavelmente bíblicas e que são fundamentais para a doutrina bíblica: (1) Deus é completamente soberano sobre todos os aspectos da existência em todos os tempos e (2) os seres humanos são completamente responsáveis por cada um de seus atos.
Para fins soteriológicos, ou seja, em relação à nossa salvação, tudo de fato depende de Deus (Ef 2.8-9). No entanto, há uma resposta humana quando alguém recebe a salvação ao declarar sua fé em Jesus como Salvador e Senhor de sua vida (Rm 10.9-10).
A Bíblia evidencia em diversos trechos que há um escrutínio privativo de Deus, que compreendemos como soberania (Is 46.10), e um escrutínio público de Deus, no qual Ele se manifesta de forma relacional (1Co 1.9). Em Sua presença, temos a responsabilidade por nossas ações, pensamentos, palavras e omissões (Gl 6.5), todas submetidas à natureza corrompida pela rebelião de Adão no Éden, que chamamos de pecado (Rm 5.12). Todo ser humano, nascido de mulher, é pecador desde sua concepção até o último suspiro (Sl 51.5).
Algumas pessoas veem essa dinâmica como contraditória, pois nossa capacidade finita de entendimento e percepção não consegue abarcar a coexistência de uma soberania total e irrestrita de Deus e alguma autonomia humana. Alguns chamam essa autonomia de livre arbítrio, outros de livre agência.
Compreendo essa dinâmica – soberania de Deus vs. Responsabilidade humana – como complementaridade, embora não tenha a capacidade intelectual de entender completamente essa dinâmica, que, a meu ver, é privativa de Deus. Ou seja, para fins gerais, percebo-me como determinista. Na minha visão de mundo, não existe acaso, exceto como figura de linguagem para eventos imprevisíveis, mas concebíveis como possibilidades.
O ponto central da minha reflexão é que tudo está determinado e, ainda assim, cada um de nós tem a responsabilidade de arcar com as consequências de nossas atitudes, vontades, palavras, pensamentos e omissões (Rm 14.12). Por mais legítimas que sejam, todas ocorrerão exatamente como deveriam, pois Deus soberanamente conduz todos os eventos de forma providencial (Pv 16.33). Mesmo que, em si, Deus não tenha a capacidade de promover o mal, por ser exclusivamente bom (Tg 1.13).
A fé no Deus Todo-Poderoso e Soberano
Isso parece ilógico? Sob uma perspectiva de consistência racional, sim! Mas isso não precisa ser necessariamente um problema se a chave hermenêutica, ou interpretativa, for a fé. Deus é todo-poderoso e soberano sobre todas as coisas (Ap 19.6), e Sua providência conduz tudo o que existe exatamente da forma que precisa ocorrer, quando e como também (Mt 10.29). E, ainda assim, isso não nos torna autômatos ou meros bonecos nas mãos de um ventríloquo cósmico. Afinal de contas, somos responsáveis por cada coisa que fazemos, conscientemente ou não (Rm 14.12).
Neste momento, você deve estar pensando: “Ele pirou”. Às vezes, atos de fé podem ter essa conotação, mas isso não muda o fato de que Deus comanda tudo e nós somos totalmente responsáveis por cada atitude que tomamos voluntariamente ou involuntariamente, conscientes ou inconscientes (Gl 6.5).
“Soteriolatria”
Após essa introdução, convido você a refletir sobre algo que tem me incomodado profundamente no exercício da fé comunitária, como cristandade. Nós, os crentes, nos tornamos soteriólatras (adoradores da salvação), como se Deus não se gloriasse em tudo o que faz pelo cumprimento dos Seus decretos eternos e o louvor Sua própria glória como Senhor do universo e de toda a existência, em todos os tempos, pelos séculos dos séculos, desde a eternidade até a eternidade (Ap 4.11).
Se algo que Deus deseja não ocorrer, por definição, Ele não pode ser Deus. Não há limites para Deus, exceto aqueles que Ele mesmo impôs para a manutenção conceitual de Sua própria essência, como, por exemplo: Deus não pode mentir (Nm 23.19), não pode pecar (Hb 4.15), não pode errar (Jó 42.2).
Alguns usam essas verdades imutáveis para, por lógica, inferir que exista alguma incoerência ou inconsistência na afirmação de que Deus não pode ser onipotente se há alguma limitação. Todavia, mais uma vez, é o homem tentando fazer Deus caber em nossa capacidade limitada de concebê-lo ou apreendê-lo.
Tudo cumpre os desígnios de Deus
Se tudo o que Deus faz glorifica ao Seu próprio nome por premissa ontológica, então até as coisas que Ele revela sobre Si na Bíblia e que O entristecem glorificam a Ele de alguma forma pelo cumprimento de Seus desígnios (Rm 8.28).
Desta forma, não seria muita arrogância de nossa parte querer salvar quem Deus condenou? Aqui você pode dizer: “Ele enlouqueceu”, mas pense comigo. Meu papel é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo (Mt 22.37-39) e ir e pregar a toda criatura, indistintamente (Mc 16.15). Em algum momento, plantar, enquanto outro regará, para que o crescimento venha dEle no momento que lhe aprouver (1Co 3.6).
Como somos seletivos, vivemos julgando a Deus por salvar quem achamos que não merecia, enquanto permanecemos julgando por não salvar aqueles aos quais temos investido tanto em orações, quanto em acompanhamento relacional pelo testemunhar ou até mesmo para aproveitar alguma oportunidade para anunciar explicitamente do amor salvífico de Deus (Rm 9.15-16).
O fato é que, há muito, nós esquecemos, ou, por vezes, jamais compreendemos, que o Evangelho tem duas consequências: a salvação para aquele que crer (Jo 3.16) e a condenação daquele que rejeitar (Jo 3.18). Então, por que não aprendemos a definitivamente amar e pregar sem sermos insistentes e “chatamente” aguerridos em convencimentos, por vezes, pecaminosos contra Deus e Sua eterna vontade (Ef 4.15)?
Mas Lisarb, isso não incentiva o crente à omissão de pregar? De forma alguma! Quem se vale dessa percepção genuinamente bíblica – da obrigação de pregar – para não ter boa conduta, não anunciar do amor, da misericórdia, da graça, da santidade, da salvação, do juízo, da condenação ou qualquer outro aspecto do plano de salvação, possivelmente jamais tenha sido genuinamente salvo, ou ainda não compreendeu a dinâmica de Deus no projeto particular de salvar a todos que Ele quer (Tt 2.11-12).
A depravação humana não precisa de pretexto para que o homem deixe de obedecer e adorar a Deus como modelo de vida (Rm 3.23). Os hipercalvinistas são aqueles que defendem a falsa e deturpada ideia de que a doutrina da eleição associada à má compreensão da graça, compreendida e exercitada como hipergraça, sejam salvo-condutos para uma vida sem a observância e disciplina da busca no processo de santificação, sem a percepção de que o homem precisa buscar a retidão, não para a salvação, pois isso é dom de Deus (Ef 2.8-9), mas por ter recebido a salvação (Tg 2.14-26).
A salvação genuína promove frutos e a Bíblia garante que todo aquele alcançado pela salvação se percebe miseravelmente pecador e precisa se arrepender dos seus maus caminhos, buscar a santidade e dar bons frutos para glorificar a Deus por tão maravilhosa e eterna salvação (Mt 3.8). Então, para uma questão de autoexame, quando foi a última vez que você teve paz, encontrando o contentamento no cumprimento das vontades de Deus em seu redor?
Caminho de aprendizado e crescimento
A jornada da fé é um caminho de constante aprendizado e crescimento. A cada dia, somos chamados a nos aprofundar no conhecimento de Deus através do exame das Escrituras Sagradas (At 17.11). A Bíblia é a nossa bússola, guiando-nos através dos altos e baixos da vida, sempre apontando para a verdade de Deus (Sl 119.105).
Lembre-se, Deus é soberano e também nos deu responsabilidades. Ele nos chama para viver uma vida de fé e obediência, refletindo Seu amor e justiça no mundo (Mq 6.8). E mesmo quando falhamos, Sua graça é suficiente para nos perdoar e nos restaurar (1Jo 1.9).
Portanto, encorajo você a continuar buscando a Deus, estudando Sua Palavra e vivendo de acordo com Seus ensinamentos. Não importa os desafios que você enfrente, lembre-se de que Deus está no controle e que Ele trabalha todas as coisas para o bem daqueles que O amam (Rm 8.28). Mantenha a esperança, permaneça firme na fé e continue a correr a corrida que Deus colocou diante de você (Hb 12.1).
Que Deus nos abençoe em nossa jornada de fé.
*Lisarb Nascimento é servo do Deus Altíssimo como marido da Carol, pai de Elis, Maria e Théo e como professor de EBD (Escola Bíblica Dominical) na Primeira Igreja Batista de Vitória (PIB Vitória)