Uma pesquisa dos institutos Ideia e Vero, promovida em julho deste ano em todo o Brasil, aponta que 79% dos brasileiros consideram a disseminação de notícias falsas, as chamadas “fake news“, como um problema grave.
“Há cinco anos, não haveria esse grau de preocupação com as fake news“, diz o pesquisador Maurício Moura, fundador do Ideia e um dos organizadores da pesquisa. “As fake news passaram a ser um tema na sociedade, e o próprio termo se popularizou”.
Desde 2016, com a campanha de Donald Trump para a presidência dos EUA com suporte da extinta e polêmica empresa Cambridge Analytica, as notícias falsas e direcionadas a públicos específicos nas plataformas digitais têm sido preocupações de profissionais de comunicação e ativistas da liberdade de expressão. Sob o argumento da liberdade de expressão, um decreto de Trump buscou restringir as hipóteses em que conteúdos poderiam ser removidos e perfis bloqueados. A ordem foi revogada pelo Governo Biden.
O doutor em Comunicação pela UFRJ e professor e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (LABIC) da Ufes, Fabio Gouveia, comenta o assunto com preocupação. “As redes sociais são uma ferramenta poderosa de distribuição e não são reguladas por lei enquanto veículos de comunicação como as demais mídias. Os algoritmos (fórmulas matemáticas complexas com aplicações variadas) usados pelas mídias sociais privilegiam a entrega de conteúdos para as pessoas de acordo com o que elas já demonstram afinidade e concordância, e não fazem a apuração jornalística como seres humanos”, argumenta o professor.
“Agora vemos uma investida de diversos atores da política brasileira na tentativa de condicionar a remoção de fake news a medidas judiciais. Condicionar a regulação ao poder judiciário vai atrasar a remoção de conteúdos desinformadores da rede e aumentar sua influência e impacto negativos na sociedade” argumenta Fabio.
O problema
Considerado um dos mais importantes marcos legais da Internet no mundo, a Section 230 do Communications Decency Act de 1996, dos Estados Unidos, possibilitou o florescimento do ambiente digital hoje existente. Sua contribuição foi determinar que provedores de aplicações de Internet não são responsáveis pelo o que é publicado por seus usuários.
Em outras palavras, plataformas como Facebook, Twitter, Youtube, Instagram e WhatsApp não são obrigadas a atuarem com poderes editoriais para filtrar o que é postado por todo usuário, uma vez que sobre elas não recairá a responsabilidade do conteúdo.
Compartilhamento
A pandemia evidenciou ainda mais o problema. Durante a maior crise do século, muitos brasileiros não viram as fontes oficiais como seguras, ao mesmo tempo em que foram bombardeados por desinformação na internet.
Tais comportamentos são responsáveis por intensificar a aversão à política institucional ou partidária. Dessa forma, 67% da população diz estar interessada em política (dos “às vezes” interessados aos “extremamente” interessados). Já no grupo com ensino superior, a fatia de interessados sobe e vai a 77%.
Por outro lado, somente pouco mais da metade dos brasileiros (54%) afirma ter alguma posição política, seja ela de esquerda, direita ou centro. Esquerda e direita estão empatadas na casa dos 20% dos eleitores cada, e o centro vem atrás, com 10%.
“Culturalmente no Brasil, quando alguém define posição política, é como se passasse um recibo de que é manipulado, que tem segundas intenções. É um pouco da nossa cultura também, essa visão de que a política é sempre ruim”, diz Caio Machado, diretor executivo do Instituto Vero e pesquisador da Universidade de Oxford, do Reino Unido.
A pesquisa afirma também que 21% dos brasileiros admitiram ter alguma vez compartilhado uma notícia política mesmo suspeitando que a informação não fosse verdadeira.
O que leva essas pessoas a, na prática, toparem espalhar uma mentira? Segundo o professor da Ufes, esse comportamento de disseminação de fake news está relacionado ao sentimento de pertencimento a um grupo ideológico.