Uma mãe capixaba, Márcia Merlo, usou as redes sociais para denunciar o que classificou como uma “violação de direitos” sofrida por seu filho, João Victor, de 15 anos, diagnosticado com autismo e deficiência intelectual. O adolescente tem como suporte terapêutico a cadela Maya, que o ajuda a lidar com o isolamento social e as crises emocionais.
Segundo Márcia, o condomínio onde mora, no município da Serra, aplicou uma multa gravíssima porque o animal teria circulado pelo chão das áreas comuns, o que contraria o regimento interno. O documento proíbe que cães andem no chão — exigindo que sejam levados no colo ou em carrinhos — e determina o uso obrigatório de focinheira para cães de grande porte.
Mesmo apresentando laudo médico que comprova a importância do animal para o tratamento do filho, a mãe afirma que o recurso foi negado. “O jurídico do condomínio disse que o laudo não tem respaldo técnico e que a legislação apresentada não tem valia. Nada disso foi suficiente. Optaram por negar a lei e impor uma punição injusta”, escreveu ela.
“Isso não é apenas sobre nós. É sobre todas as famílias que enfrentam batalhas invisíveis todos os dias. Inclusão que existe só no discurso não é inclusão”, desabafou Márcia.
O que diz a legislação
Apesar de o autismo ser reconhecido como deficiência pela Lei Federal nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) e pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), não existe hoje no Espírito Santo uma norma específica que garanta o direito de pessoas com TEA manterem animais de suporte emocional com livre circulação em condomínios privados.
Algumas iniciativas, porém, vêm tentando preencher essa lacuna.
Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, tramita um projeto de lei que propõe assegurar o direito de pessoas com transtornos mentais — incluindo autistas — terem cães de suporte emocional reconhecidos oficialmente. Se aprovado, o texto pode se tornar o primeiro no Estado a regular o tema.
Também está em discussão o PL 517/2024, que pretende regulamentar a circulação de animais domésticos em condomínios residenciais, permitindo o uso de áreas comuns desde que respeitadas normas de segurança e convivência.
Além disso, uma resolução da Corregedoria-Geral da Justiça (nº 041/2023) já reconhece oficialmente o termo “animal de apoio emocional” dentro do sistema de Justiça capixaba, o que reforça o uso terapêutico desses animais, embora ainda sem efeito direto sobre regras condominiais.
Especialistas apontam lacuna na lei
Advogados e especialistas em direito condominial destacam que, na ausência de norma específica, o tema costuma ser decidido caso a caso na Justiça, considerando os princípios de acessibilidade e inclusão previstos nas leis federais.
Na prática, o condomínio não pode discriminar ou excluir um morador em razão de sua deficiência, mas pode estabelecer regras de convivência — desde que elas não representem barreira injustificada ou prejudiquem a função terapêutica do animal.
Enquanto a legislação não avança, famílias como a de Márcia seguem enfrentando batalhas diárias por inclusão e respeito. “O direito à inclusão não é favor, é lei. É justiça. É humanidade”, conclui a mãe.