Se para os negros no Brasil a comemoração do Dia da Consciência Negra demorou 524 anos para acontecer, como deverá ser para que as mulheres tenham direito da verdadeira celebração? Em 2024 aconteceu, pela primeira vez, o feriado nacional pela data – criada por meio da Lei 12.519/2011. Segundo dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), mulheres negras possuem as maiores taxas de analfabetismo a partir dos 15 anos.
Em 2020 eram 5,54% de mulheres contra 3,76% de homens; em 2021 esse número aumentou nas mulheres, passando para 5,69% enquanto os homens cresciam ainda mais 5,08% e voltou a crescer em 2022 para 5,88% e os homens caindo para 4,99%.
Em 2023, segundo o estudo, 34,7% da população em situação de pobreza no Brasil era negra. No Espírito Santo esse percentual era de 26,8%. De acordo com o recorte por raça/cor e sexo, mulheres negras representavam no Brasil 36,4% da população em situação de pobreza. No Espírito Santo, as mulheres negras correspondiam a 27,9% da população na pobreza.
O estudo ainda mostra que mesmo as mulheres negras sendo mais analfabetas que as mulheres brancas, os índices de escolaridade mostram uma perseverança, mas as mulheres brancas estudam mais no ano médio. Os negros estão dentro da margem nacional e as pessoas brancas, acima na série histórica.
 Para Valquíria Santos Silva, coordenadora de Estudos Sociais do IJSN, uma série de fatores colaboram de forma pejorativa para o crescimento da mulher negra.
Para Valquíria Santos Silva, coordenadora de Estudos Sociais do IJSN, uma série de fatores colaboram de forma pejorativa para o crescimento da mulher negra.
“As mulheres negras sempre aparecem na base da pirâmide social. Sem acesso à emprego e renda digna (que representa como um dos fatores), mais propensas a estarem na linha da pobreza. Temos ainda a violência contra a mulher que incide de maneira mais forte contra mulheres negras. Todos esses fatores reunidos, se consolidam como obstáculos sociais para acessos, inclusive para a superação da pobreza”, disse a coordenadora do IJSN.
Cotas
Uma grande vitória foi a criação do sistema de cotas para negros, indígenas e pessoas carentes. Foi uma forma de contribuir para uma reparação histórica no que se refere ao ensino superior.
A professora Jacyara atualmente é diretora do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) e presidente da Banca Permanente de Heteroidentificação da Ufes. Para ela os negros estão ocupando cargos de chefia bem timidamente.
“Nós tivemos as cotas que deu ao povo negro a oportunidade de entrar nas universidades de forma mais coletiva. No início dos anos 2000 as cotas surgiram em algumas universidades; na Ufes a partir de 2007 para 2008 e em 2012 tornou Lei Federal, mas eu digo que negros em cargo de chefia ainda não estão chegando de forma coletiva, mas individual e dessa forma, sempre foi possível”, destacou.
Para a professora isso acontece por causa do racismo estrutural onde a qualificação da pessoa não consegue superar a cor de sua pele. “Na Ufes temos apenas um vice-reitor negro e nenhum negro candidato a reitor de 2012 até o momento. Se formos pegar o nosso sindicato, não temos negros como presidente. Os espaços de poder ainda estão blindados para não receber o negro de forma coletiva. Os espaços de poder não são reservados para negros e negras, e quando são através de normas oficiais como a Lei 12. 990 que reserva 20% de cotas para o serviço público federal, não acontece. É lamentável que no primeiro 20 de novembro os negros ainda não estão ocupando coletivamente os espaços de poder”.
No Espírito Santo a história mostra que apenas um negro chegou ao maior espaço de poder: Albuíno Azeredo, engenheiro, que foi governador do estado em 1990, foi secretário em Cariacica, atuou no governo carioca e que faleceu em 16 de setembro de 2018. Hoje é possível contar nos dedos as autoridades negras capixabas.

Conhecimento é poder?
Quando as cotas surgiram por volta do ano 2000 a expectativa era de que agora sim, os negros poderiam ter igualdade salarial e com isso, melhorar a qualidade de vida e ter acesso a bens e serviços que antes eram utópicos. Mas isso não aconteceu.
O estudo mostrou mais uma vez que a escolaridade de mulheres negras aumentou em 2022 para 8,87%, enquanto para as mulheres brancas esse percentual é de 9,93%. O ensino superior, grande sonho de muitos negros e negras mostrou que as mulheres pretas estão avançando. No ano de 2020 era 19,58%, em 2021 houve uma queda passando para 17,94 e voltando a subir em 2022 pra 19,72%.
A taxa de analfabetismo no Espírito Santo demonstra a desigualdade educacional entre pessoas negras e brancas, seguindo a tendência nacional. Os indicadores mostram que o analfabetismo é maior para as pessoas negras. Entre pessoas brancas, as mulheres possuem as maiores taxas, no caso das pessoas negras, a série histórica mostra que as mulheres negras possuem as maiores taxas, e que apesar de ter apresentado uma queda em 2021, a taxa para elas voltou a crescer em 2022.
 E não há como desistir, ou desanimar. “O racismo não permite que as pessoas nos vejam capazes de ocupar lugares de poder em nenhum espaço. É triste, mas quando o negro é muito brilhante, ele consegue, no máximo ser um vice de alguma coisa. E essa realidade não é distante”, disse Jacyara.
E não há como desistir, ou desanimar. “O racismo não permite que as pessoas nos vejam capazes de ocupar lugares de poder em nenhum espaço. É triste, mas quando o negro é muito brilhante, ele consegue, no máximo ser um vice de alguma coisa. E essa realidade não é distante”, disse Jacyara.
Letramento racial
De acordo com a Academia Brasileira de Letras (ABL), Letramento racial é o conjunto de práticas pedagógicas que têm por objetivo conscientizar o indivíduo da estrutura e do funcionamento do racismo na sociedade e torná-lo apto a reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano.
E quando falamos sobre letramento ele deve vir desde os primeiros anos escolares, como forma de ensinar os pequenos, da mesma forma que os ensinamos as primeiras letras do alfabeto.
A Lei 11.645 de 10 de março de 2008 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Isso significa contar a história real, sem ridicularizar os povos originários dizendo que trocavam as riquezas naturais por espelhos, e parar de falar sobre os africanos escravizados como povos sem alma e sem inteligência.
Dessa forma, os negros e brancos em idade escolar, vão crescer conhecendo a verdade, percebendo que a escravidão é um espinho na carne da humanidade; que a escravidão da forma como conhecemos só existiu entre europeus e africanos como um recorte maléfico; que escravos eram povos derrotados em batalhas e não povos escolhidos para serem subjugados.
Existe uma África que não é apresentada nos livros ainda. O continente africano é mais que pessoas com fome ou escravidão. Na Antiguidade, temos o império de Cartago e do Egito; e na Idade Média, a constituição do Império de Mali e da Etiópia. Através das cidades do norte da África se estabeleceu o contato e trocas comerciais com os países europeus.



 
                                    









