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15 de maio de 2025
quinta-feira, 15 de maio de 2025

Concursos de Beleza: de objetificação ao empoderamento

Quem já assistiu o filme “Miss Simpatia”, com a atriz Sandra Bullock, com certeza se surpreendeu com o que acontece por de traz dos bastidores de um concurso de beleza. Na história, a agente de polícia Grace Hart está disfarçada como concorrente a miss e despreza o processo das candidatas até sentir na pele que um rosto bonito não é o suficiente para conquistar um título.

Assim como a personagem do filme, muitas pessoas ainda acreditam que os concursos de beleza são sinônimo de futilidade voltada à estética. E, por muito tempo, apesar de inúmeras mudanças e reformulações, dado o seu processo de surgimento, eles foram sim exemplos de objetificação do corpo feminino.

Com o surgimento nos Estados Unidos no início da década de 1920, a sua popularidade se espalha para o Brasil nos anos seguintes com a organização de eventos como o “Concurso Internacional de Beleza de 1930”. Nos anos 1950, eles ganham  ainda mais força no Brasil, com a criação do concurso Miss Brasil e a participação brasileira em eventos internacionais como o Miss Universo.

Conhecido por seu “glamour” o evento passou a ser visto como uma busca contínua por uma “perfeição estética”. Na época, era comum jovens com pouca roupa desfilarem na frente de um júri, sendo avaliadas por padrões rígidos e aplaudidas por uma grande plateia. Entretanto, o mundo mudou e a sociedade passou a debater temas como diversidade, empoderamento feminino e a objetificação do corpo, desafiando os antigos padrões de beleza.

Hoje, os concursos precisaram se adaptar para não perder sua relevância. Segundo o coordenador do Miss Universo Espírito Santo, Charles Souza, essa transformação é evidente e crescente. Nos últimos anos, o interesse das mulheres pelos concursos de beleza tem voltado a crescer de forma impressionante em todo o Brasil, e o Espírito Santo não é exceção.

Para Charles, esse retorno no aumento reflete uma mudança significativa na percepção de protagonismo feminino. “Em 2023, tivemos a participação de 18 cidades capixabas na etapa final, e em 2024 esse número subiu para 24. Para 2025, a previsão é que mais de 40 municípios estejam representados, cada um com sua própria coordenação e processos de seleção”.

De acordo com o coordenador, o retorno do interesse não é apenas uma consequência do prestígio do concurso, mas também um reflexo de uma sociedade que busca mais representatividade, inspiração e empoderamento.

“Esse crescimento mostra o quanto o Miss Universo se consolidou como uma oportunidade de transformação para as mulheres. Deixou de ser apenas uma passarela e virou um palco de voz, atitude e identidade, além de uma excelente vitrine para o crescimento pessoal e profissional”, destacou.

Para o coordenador, essa expansão também evidencia uma mudança de mentalidade, tendo em vista que as jovens que se inscrevem estão cada vez mais diversas e representativas. “São mulheres acima de 18 anos que veem no concurso uma oportunidade de crescimento social, de conquistar visibilidade e de realizar sonhos, como representar sua cidade ou seu estado no maior concurso do mundo”, contou.

Representando a cidade de Cariacica, a candidata ao Miss Espírito Santo 2025, Adriely Lessa, é um exemplo de como os concursos de beleza estão passando por uma importante transformação cultural. Formada em mecânica industrial e eletrotécnica, profissões majoritariamente ocupadas pelo ao público masculino, ela quebra tabus e desafia os velhos paradigmas.

Concursos de Beleza: de objetificação ao empoderamento
Foto: reprodução, Adriely Lessa, candidata a Miss ES 2025.

Desde jovem, Adriely sempre sonhou em ser modelo, admirando ícones como Gisele Bündchen e outras modelos de destaque nas passarelas. Contudo, ela admite que, por muito tempo, faltou coragem e a oportunidade de expressar sua verdadeira essência.

“Em outubro do ano passado, fui indicada por amigos a me inscrever para o Miss Universe Cariacica 2025. Nunca tinha participado de concurso antes e não conhecia todo o meu potencial. Mas decidi que era hora de enfrentar meus medos e inseguranças, vencer a mim mesma e conquistar minha voz”, contou.

Para ela, esse momento foi uma virada de chave na sua vida, uma oportunidade de mostrar que mulheres podem ocupar os espaços que elas quiserem, seja no setor maquinário de uma indústria ou no mundo da moda e da beleza.

De acordo com Adriely, há muito tempo o termo miss deixou de ser resumido apenas a um rosto bonito e uma boa postura. Hoje, ele é um conceito que vai além da aparência. “Ser miss é carregar um propósito. É transmitir confiança, representar um estado, uma cidade, uma nação, e ser uma inspiração para muitas pessoas. Uma Miss tem que usar sua influência para promover boas ações e causas que beneficiem toda a sociedade”, explicou.

Com uma rotina de preparação trabalhosa e que exige muita disciplina. Adriely contou em entrevista que dedica seu tempo a aulas de oratória, mentoria, treinos de passarela, exercícios físicos e estudos de inglês. “Procuro equilibrar tudo isso no meu dia a dia, incluindo práticas que ajudam tanto minha mente quanto meu corpo. Gosto de orar, meditar, praticar yoga, tudo para manter minha cabeça leve e focada”, ela explica.

Além de suas atividades relacionadas ao concurso, Adriely trabalha como estagiária em uma empresa industrial. “Também gosto de estudar idiomas, como inglês, e de pesquisar sobre história, política e cultura. Nos meus momentos livres, adoro passar tempo com amigos e família, pintar, tocar instrumentos, escrever e explorar novos lugares. Para mim, colecionar momentos é tão importante quanto conquistar títulos”, finalizou.

Também imersa no mundo dos concursos, a Miss Espírito Santo 2024 e Top 7 no Miss Brasil, Letícia Galvão, contou que a mudança de regras dentro dos concursos foi muito importante e serviu para ampliar o perfil das participantes e, consequentemente, impactar na procura. “Hoje, mulheres casadas, mães e com mais de 1,60m podem participar, o que mostra uma mudança de mentalidade e uma valorização da diversidade”.

Concursos de Beleza: de objetificação ao empoderamento
Miss Espírito Santo 2024. Foto: reprodução/Instagram @leticiagalvaovet

Com o primeiro contato em 2019, Letícia afirmou que para ela o concurso é um catalisador para a sua evolução pessoal. Segundo ela, ser Miss é usar a influência e a comunicação para agregar valor social, além de levar projetos e causas que fazem a diferença.

“No início, eu era muito insegura comigo mesma, e participar me ajudou a superar esses obstáculos,” revelou.

De acordo com a Miss Espírito Santo 2024, o concurso não é apenas uma competição de beleza, mas uma plataforma de autoconhecimento e empoderamento. “Muita gente acha que para vencer um concurso de beleza só basta ter beleza física. Mas, na verdade, ser uma Miss é muito mais do que isso. É representar uma cidade, um estado, ou até um país, e usar essa influência para promover causas sociais e inspirar outras pessoas”, destacou.

Concursos de Beleza: de objetificação ao empoderamento
Foto: reprodução/Instagram @leticiagalvaovet

Questionada sobre a sua rotina de preparação, Letícia contou que ela inclui cuidados que vão além da aparência, como academia e nutrição. “Tenho que trabalhar minha mente também. Faço cursos de oratória, estudo temas atuais e pratico passarela. É uma preparação que envolve corpo, mente e coração”, frisou.

Cabe destacar que além de carregar o título de Miss ES 2024, a Top 7 do Miss Brasil também é médica veterinária, modelo e streamer de jogos, reforçando ainda mais a verdade de que uma mulher pode ser tudo o que quiser.

Uma transformação em andamento

Concursos de Beleza: de objetificação ao empoderamento
Representante do Nepal no Miss Universo 2023, Jane Garrett, como a primeira candidata fora do padrão magro da competição.
Foto: reprodução/Instagram @jadedipika_

Nos últimos anos, o papel do feminismo na redefinição dos padrões de beleza tem ganhado cada vez mais atenção e repercussão. De acordo com a pesquisadora especializada no corpo feminino nas mídias, Amanda Milan, o corpo da mulher sempre sofreu muito controle.

“Desde os primórdios da comunicação, revistas, jornais e folhetins escritos por homens ditavam como as mulheres deveriam se portar, vestir, agir e o que consumir”, contou.

Segundo Milan, até o século XVIII, o corpo era tratado de forma religiosa, como sagrado, reprimido e ocultado. No século XX, essa visão mudou radicalmente, transformando o corpo feminino em um objeto capitalista, voltado ao consumo e às representações de moralidade. “Com a libertação física e sexual, veio a conformidade com um padrão estético, que chamamos de ‘boa forma’”, explicou a pesquisadora.

No universo da moda e dos concursos de beleza, essa lógica também prevaleceu. Os concursos chegaram ao Brasil na década de 1930, embora já existissem no mundo desde 1920. De lá para cá, esses eventos não só refletiram os costumes de cada época, mas também se tornaram protagonistas na imposição de um padrão corporal específico.

De acordo com Amanda, “o corpo é uma forma de nos situar uns em relação aos outros. Seguimos as leis normativas da ‘boa forma’ para sermos aceitos na comunidade e evitar a exclusão”. Durante décadas, expressões como “fulana tem corpo de miss” reforçaram a ideia de que o corpo ideal deveria ser magro, alto e harmônico — uma representação associada à saúde e à beleza.

Contudo, o feminismo trouxe uma nova perspectiva. Com a luta por direitos e a busca por liberdade, as mulheres passaram a questionar esses padrões impostos. Hoje, as redes sociais funcionam como aliadas nessa transformação.

“Antes, o que era ditado por homens, hoje é falado e comentado pelas próprias mulheres, que têm mais acesso à informação e a novos padrões corporais”, apontou Milan.

Segundo a especialista, movimentos como o body positive e a crescente presença de influenciadoras digitais que pregam a libertação corporal exercem um impacto profundo nesse caminho de transformação de mentes. “Deixo claro que libertação corporal e romantização da obesidade — se é que isso existe — são coisas diferentes. Hoje, aprendemos que é possível se amar e se aceitar com o corpo que temos”, reforçou.

Apesar dessas mudanças, Milan afirma que ainda há contradições. “Se estamos falando de libertação, de se amar como somos e de que os padrões capitalistas de beleza são ultrapassados, não faz sentido manter concursos com regras que excluem grande parte da população mundial”, ponderou.

A reformulação das regras mostra que de fato os concursos têm tentado se adaptar às novas demandas. Regras como a eliminação do limite de idade, a permissão para mulheres casadas ou mães participarem, representam avanços. Contudo, Milan destaca que “em 2023, por exemplo, somente uma mulher gorda representou um país — Nepal — sinalizando que ainda há um longo caminho a percorrer”.

Para a pesquisadora, o feminismo e a luta pela diversidade de corpos influenciaram, sim, esses eventos, mas com muitas ressalvas que mostram que a transformação segue em construção. “Ainda observamos quem sempre ganha as edições estaduais, nacionais e mundial, o que mostra que a mudança, embora em curso, ainda não é plena”, finalizou.

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