Erasmo Carlos já dizia em sua canção: “Dizem que a mulher é o sexo frágil, mas que mentira absurda!”. E a cada dia, as mulheres provam que o “Tremendão” estava certo. O ES Hoje conversou com algumas mulheres empreendedoras e que trabalham para outras tenham oportunidades. Elas não apenas promovem a mudança, mas são a mudança.
Uma dessas mulheres é Crislayne Zeferina, presidente do instituto “Conexão Perifa”, uma incubadora de coletivos periféricos, que busca fortalecer organizações defensoras das garantias constitucionais dos seres humanos que moram nas periferias urbanas e rurais.

Ela conta que o instituto nasceu do anseio de jovens e de mulheres negras da periferia de Vitória, na busca por direitos sociais nas comunidades. Ela ressaltou os programas existentes.
“A Conexão Perifa nasceu para fortalecer coletivos periféricos. Temos dois programas norteadores deste instituto que emprega a nós: programa de empregabilidade para mulheres vítimas de violência, egresso do sistema prisional e juventude negra. O outro é o programa periferia, que articula bolsas com faculdades privadas para pessoas em vulnerabilidade”, disse.
A presidente explica ainda que existe o “Coletivo Beco” localizado em um beco no bairro da Penha, com três pessoas. “A ideia é trazer cultura, tecnologia social e transformação para o território do bem, através do conhecimento e da construção social dos nossos corpos”, destacou.
“Só seremos a tia Anastácia se nós quisermos”
Crislayne Zeferina ressalta sobre o papel da mulher e a voz na periferia. “Ser a voz da periferia é representar mulheres que muitas vezes não percebem que podem chegar nos espaços de visibilidade e conectá-las aos direitos constitucionais que sempre existiram, mas parece que não sobem o morro. A importância está em mostrar para mulheres negras e periféricas que nossos corpos podem sim ser mais, não só o que a naturalização cultural nos impôs, só seremos a tia Anastácia se nós quisermos fora isso queremos ser as juízas, advogadas, médicas, engenheiras”, enfatizou.
Ainda sobre as dificuldades, Crislayne conta que o início pode ser desanimador, mas vale a pena continuar. “O início é duro e, às vezes, o meio é desanimador, mas quando você vê seus frutos conquistando o que para muitos seria impossível, você entenderá que valerá a pena”, declarou.

“As dificuldades estão relacionadas ao financeiro. Sempre atrair pessoas que entendam a importância do projeto é desafiador, mas nascemos no desafio e superamos eles com muita garra. Já a recompensa está relacionada ao prazer de ver as pessoas acreditando nelas mesmas e seguindo firme na busca por melhorias. Quando as crianças me abraçam e dizem ‘tia Cris, não termina com esse projeto. É o que mais amo na comunidade’, vejo que devemos continuar”, ressaltou.
Mulheres lutando por comunidades indígenas e quilombolas
A quilombola e advogada Josi Santos, que trabalha com a Associação Quilombola do Sapê do Norte – que promove a mudança ao seu redor – é defensora de direitos humanos e fundadora do Coletivo Evas Negras, além de idealizar e ser co-fundadora da Rede Capixaba de Advogadas e Advogados Quilombolas (RECAAQ).
“O coletivo Evas Negras era uma idealização de 2017, sendo que foi estruturado somente durante o período da pandemia (de Covid-19), em 2020. Já a RECAAQ nasceu no ano passado, com objetivo de contatar advogadas e advogados do Norte Espírito Santo, principalmente do Território de Sapê do Norte, a fim de constituir uma rede de suporte jurídico que se estruturasse em conhecimentos relativos às especificidades das comunidades tradicionais quilombolas, além de indígenas, principalmente aqueles que estão às margens do Rio Itaúnas”, detalhou.
A advogada relata que ser uma referência ou ter representação dentro de espaços tão embranquecidos, e muitas vezes elitizados, reforça sua ancestralidade e a potência de sua presença. “Isso me nutre para que eu prossiga realizando meu trabalho de forma a garantir que outras trilhem o mesmo caminho, talvez com menos barreiras e enfrentamentos”, disse.

Mulher empreendedora
Outro exemplo de luta é Larissa Firme, empreendedora que promove oficinas e projetos voltados à área ambiental, no seu empreendimento chamado “KAA Cuidados da Terra”. Larissa se mudou para o interior do estado, em 2014, para iniciar a formação acadêmica. Foi neste momento que iniciou seu projeto de vida. “Essa mudança foi também uma fuga da cidade grande como forma de me aproximar mais da natureza e consequentemente de mim mesma”, relatou.

Larissa é mãe, herbalista, licenciada em ciências biológicas e especializada em plantas medicinais e fitoterapia, arte-educadora popular e ambiental.
“Desde então, me dediquei em aprofundar meus conhecimentos sobre o uso ancestral das plantas para fins medicinais, cosméticos, ritualísticos e até nas práticas artísticas. Mas sempre sentia a necessidade de transbordar todos esses saberes e tecnologias para as pessoas. Então, em 2015, comecei a ministrar oficinas de cosméticos naturais e fitoterapia. Via nesse formato educativo, uma forma popular onde a troca de conhecimentos é potencializada”, destacou.
Atualmente Larissa empreende na KAA Cuidados da Terra. No local, ela atua com as vivências para diversas idades e grupos, em cosmetologia natural, fitoterapia e plantas medicinais, artes naturais e educação ambiental.
Para quem quer começar, a empreendedora deixa um recado. “Diria para as mulheres que tem um sonho que lutem por ele. Para nós, mulheres periféricas, essa jornada sempre será muito mais difícil, e muitos obstáculos aparecerão no caminho. Mas se esse sonho faz muito sentido para o seu espírito, lute por ele, estude e busque por rede de apoio, pois sozinha é muito difícil. E acredite sempre em você, por mais que digam que você é louca. Eu diria que somos visionárias!”.
Mulheres na liderança
Há 16 anos trabalhando na Cooperativa Cafesul, na função de Gerente Administrativa e atuando ainda como coordenadora do grupo “Póde Mulheres” da Cooperativa, Natércia Bueno teve participação ativa na construção do grupo, que é formado por cafeicultoras cooperadas da Cafesul, em Muqui, no Sul do Espírito Santo.

O grupo vem transformando a realidade das participantes, gerando protagonismo e renda para elas. A iniciativa culminou até mesmo na criação de uma marca de café 100% feminina.
Natércia soma ainda funções na Agente de Desenvolvimento Humano (ADH) que é uma figura existente em toda cooperativa filiada ao OCB/SESCOOP. Ela conta que a cooperativa Cafesul, fundada em 1998, foi inicialmente formada por um grupo de 20 agricultores, todos produtores de café.
“Em 2004 passou a fazer parte do Sistema OCB/SESCOOP que traz um compromisso para as cooperativas associadas a desenvolverem as pessoas, compromisso com a sociedade. Já em 2008, a cooperativa conquistou a certificação ‘Fairtrade’, que possui todo um trabalho baseado no tripé da sustentabilidade com os eixos econômicos, sociais e ambientais. Um detalhe importante na certificação Fairtrade é a preocupação em trazer quem está à margem para o centro”, retratou.

Natércia Bueno menciona ainda que promover oportunidades de diversificação de renda sempre foi uma preocupação fundamental, em conjunto com a socialização e a harmonia entre as mulheres. “Também trazer a mulher um pouco mais para luz, de alguma forma destacar seu trabalho. Com o passar do tempo, o nome protagonismo deu significado, se encaixou a essa preocupação lá do início”, comentou.
Presença ativa das mulheres
A gerente lembra que os conselhos não tinham a presença de mulheres e, hoje, 50% do Conselho Fiscal é composto por mulheres, inclusive no Conselho de Administração. “Mais de 70% das vendas dos cafés especiais vendidos em pacotes (industrializados) são do Póde Mulheres. Temos um comitê de mulheres formado por representantes das regiões onde têm mulheres cooperadas”.
Atualmente, dentro da Cafesul, mais de 70% do quadro de colaboradores são mulheres, não só no administrativo, mas em outras áreas. “Isso foi reflexo da importância da presença feminina em todos os lugares. Não posso deixar de falar que todo trabalho realizado dentro da cooperativa Cafesul só foi possível devido ter tido suporte, apoio e condições de trabalhar as ideias. Se isso não acontecesse, não conseguiria desenvolver nada”, afirmou.
Líder em ramo dominado por homens
Outra mulher líder é Renata Eller, que ocupa o cargo de vice-presidente do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração da Cooptac, com sede em Afonso Cláudio, na região Serrana. O ramo econômico do cooperativismo, que é predominantemente masculino no Espírito Santo, devido ao maior volume de motoristas homens em relação ao de mulheres. Mesmo assim, Renata não se intimidou e buscou crescer na cooperativa. “Faço parte do conselho desde 2008 e atuo ainda como transportadora escolar e tenho muito orgulho do que faço”.

Renata fala ainda da força para estar no meio da Cooptac. “O cargo de liderança em uma cooperativa no ramo de transporte, que tem muito homem, não pode ter medo. Temos que ser persistentes, trabalhar de forma honesta e transparente e, repito, não ter medo porque é um ambiente de muitos gritos. É necessário determinação, fé, sempre seguir em frente mesmo na dificuldade. Não é um trabalho fácil, mas quando fazemos com amor fica mais leve”, salientou.
A conselheira fiscal completa falando sobre a satisfação de ver os resultados do trabalho. “Quando a gente vê a gratidão no olhar das pessoas, sabemos que fizemos o melhor e isso não tem preço, move a gente a continuar, lutar por um mundo melhor”, finalizou.