O Brasil foi o país mais escravagista do hemisfério ocidental e o último país do extremo ocidente a abolir a escravização. O Rio de Janeiro foi a cidade que mais recebeu cativos no planeta, foram 12 milhões de pessoas raptadas no continente africano e dessas, 10.700 milhões chegaram com vida e quase dois milhões de pessoas morreram.
O historiador e escritor Laurentino Gomes foi entrevistado por Pedro Bial em 2019 e destacou uma possível mudança ambiental causada pelas mortes dos cativos, no trajeto até o Brasil. Ele diz: “Um número tão alto que, segundo depoimentos da época, isso mudou o comportamento dos cardumes de tubarões no Oceano Atlântico, que passaram a seguir os navios negreiros”.
Ao assinar a Lei Aurea, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel, há apenas 136 anos atrás, declarou que os escravizados estavam livres. Seria o resultado do clamor de muitos irmãos negros, que deram sua vida, fugindo do açoite, dos estupros, das maldades sem limites que eram feitas com essas pessoas, que foram tiradas de suas pátrias, e todos os seus direitos negligenciados.
Ao abrir as portas das senzalas e fazendas, os cativos não receberam nada, nenhuma moeda, nenhum quarto de farinha, um pedaço de pão para saciar a fome. Dois anos após a lei assinada, entraria em vigor uma lei que mostrava como essas pessoas seriam vistas. A Lei de 20 de setembro de 1890, conhecida como Lei da Vadiagem. Essa lei, inspirada por ideias discriminatórias e racistas, visava controlar a mão de obra e restringir a mobilidade da população negra. A Lei da Vadiagem permitia que as autoridades prendessem qualquer pessoa considerada suspeita de “ociosidade” e “vadiagem”. Na prática, isso levou a detenções arbitrárias de afrodescendentes, muitas vezes forçados a trabalhar em projetos públicos sem remuneração.
Do ponto de vista do escravagista, era contraditório ter que pagar por um serviço que até dois anos antes, era feito de graça e sob pena de muita pancada e restrições, caso não fosse acatada. Para os novos libertos, também era contraditório, como poderiam ter moradia, sem ter remuneração?
Para o professor e Doutor em Antropologia Social Orlando Martins de Oliveira, essa data é uma data demarcadora de memória, onde pessoas escravizadas que não receberam o mesmo respeito tanto em vida, como após a morte. “Esses africanos e seus descendentes receberam duas tentativas de extermínio. Primeiro porque esses ex escravizados não receberam terras, e nenhum outro direito, à medida que essas pessoas não recebem condições para sobrevivência num Brasil rural, onde a terra é muito mais importante que hoje, eles estavam condenados a coexistir”, afirmou.
O professor destaca ainda que a lei de terras prejudicava essas pessoas, mesmo antes da lei ser assinada. “O primeiro decreto do governo brasileiro foi a imputação da morte, que mesmo antes da lei Áurea, com a lei de terras de 1850, os quilombolas era proibidos de receber as terras do estado, visto que a lei de terras parou de atribuir as chamadas Sesmarias, às pessoas que desejavam ter terras. A partir de 1850, o estado passa a criar as colônias para imigrantes e não aceitou a criação das mesmas para os ex escravizados”.
E se a lei Áurea garantisse a eles, o mesmo tratamento que foi dado para os imigrantes europeus? Seria possível quem sabe, até sabermos o nome do ancestral africano, de onde foi sequestrado, qual era seu nome original, sua cultura, sua crença, seus costumes. Ainda hoje, pouco se sabe sobre Zumbi e Dandara de Palmares, dois nomes conhecidos, mas pouco estudados. “Muito se fala em 13 de maio, dos grandes personagens oficiais da história brasileira. Mas a memória afro-brasileira vai muito além, porque tem a memória e a cultura. Luiz Gama e sua mãe Luiza Maim, uma quituteira nas ruas de Salvador. Luiza nasceu livre, foi escravizado, mas depois conseguiu comprar a liberdade de muitos escravizados”.
Outros personagens
O professor Osvaldo cita alguns nomes de personagens que não sucumbiram a escravidão, ao contrário, são pessoas que significam resistência até hoje. “Zumbi dos Palmares, Dandara de Palmares, Alcatune de Palmares, lideranças em Alagoas; Tereza de Benguela, liderança do quilombo do Piolho, no Mato Grosso; Benedito Meia Légua, João da Viúva, Chico Prego, Adão, Benvindo, um dos fundadores do quilombo do Retiro, em Santa Leopoldina. Muitos outros personagens que resistiram e que a memória oficial não reconheceu seus nomes. Zumbi, é o mais conhecido. Esses são apenas alguns nomes de memória das comunidades quilombolas”.
As comunidades quilombolas estão na Constituição Federal de 88, no Espírito Santo, onde mais de 50 comunidades quilombolas existem, mas apenas a comunidade de São Pedro, em Ibiraçu teve reconhecimento de menos de 10% do território ocupado e reivindicado.