
Imagino-me cruzando a rua Deocleciano de Oliveira, no Centro de Vitória, numa tarde qualquer do ano 1975. Do jeito que estou hoje: roupa peta, gravata escura e tez franzida própria da segunda-feira mal começada. Casmurro como sempre e como, aliás, são retratados os nossos heróis daquele tempo, gente de pouco sorriso, gente de poucos amigos, gente que só sabe viver com gente.
Estivesse então naquele tempo, com os olhos de hoje, veria eu homens e mulheres solitários, com poucos afetos públicos e muitos deveres a cumprir. Muito magros, quase esquálidos, andavam muito até Santo Antônio ou Jucutuquara, fumando e caminhando como se aquilo fosse se repetir para sempre, imortais pela ingenuidade da juventude.
Consigo imaginar mais. Entre as casas quase idênticas, a casa da amante. Ente as mesas de madeira, a do namorado escondido. Uma olhada para fora, para onde a vista alcança. Nada de Europa ou Estados Unidos, mundos antigos e novos impossíveis e desconhecidos. O sonho dos moradores da rua Deocleciano de Oliveira parava ali mesmo, na rua 7 de Setembro, quando o ar taciturno abria espaço para certa falta de decoro. Uma leve pausa em favor da lassidão humana.
Essas gentes podiam ser tudo isso. E eram. As conhecia bem, embora em 1975 eu ainda não estivesse por aqui. Pelo menos no começo. Mas de tudo, nada ali representava solidão, isolamento ou fobias sociais. O tempo era matemático e comandado pelo relógio da praça Oito, com aquele obelisco grotesco que assusta até hoje.
A ninguém era dado o direito de intervir. Havia tempo para tudo e a vida não estava sob demanda. Alguém deveria esperar em casa enquanto outro – o irmão mais velho, talvez – fugia rapidamente para furtar manga até a relógio mandar voltar. Esse menino, o irmão mais velho, sujo e sorridente, voltava na hora certa, conhecia os tempos dos pais e a língua dos vizinhos. Corria sozinho, mas não saberia soletrar a palavra solidão.
Muito menos senti-la.
A solidão paradoxal do tempo mais conectado da história humana é um fruto amargo. Uma geração inteira perdida entre bichos, eletrônicos e jogos. Não trabalhamos mais nem menos que meus amigos da Deocleciano de Oliveira. Apenas não andamos entre gentes. Pequenas Versalhes as nossas pobres vidas, cheias de flores e tantas cores, com muros tão altos e tão bem construídos que fariam meus amigos daqueles tempos chorarem pela primeira vez.
Já estive por entre esses muros. Mas eles não me comovem mais. A sedução por devolver a vida aos farrapos é mais forte, porque, de certo modo, estamos aqui para isso. Para pular os muros e não construí-los. Aliás, já disseram, que a melhor maneira de manter alguém preso é não deixá-lo saber da prisão.
Fuja ainda que tudo te custe. Até breve!










