Há políticas públicas que nascem como mãos estendidas — e tudo bem que sejam assim. Porque há momentos na vida em que ninguém caminha sozinho, e a dignidade humana exige que o Estado ofereça um colo quando o chão falta. O assistencialismo, nesse sentido puro, é quase um gesto de ternura social: ampara, sustenta, evita que a fome seja sentença e que o desespero seja destino.
Mas, ao longo dos anos, percebi que algumas dessas mãos estendidas deixam de ser ponte e passam a ser amarra. O gesto que deveria libertar, prende. O cuidado que deveria fortalecer, acomoda. E, lentamente, sem que ninguém perceba, o benefício emergencial vira morada permanente, e o cidadão, ao invés de reencontrar o próprio passo, acostuma-se ao repouso. O que nasceu como direito, quando mal desenhado, transforma-se em convite ao descompromisso involuntário.
E é aqui que mora a sutileza. Porque não se trata de negar a importância dessas políticas — elas são fundamentais. Trata-se de compreender que a dignidade não floresce no comodismo, mas na possibilidade de caminhar com as próprias pernas. Uma política pública verdadeiramente humana é aquela que devolve autonomia, não aquela que a silencia em troca de dependência eterna.
Quando o critério para receber um auxílio se torna frouxo, quando não há perspectiva de qualificação, profissionalização ou incentivo ao trabalho formal, o benefício, que deveria ser temporário, converte-se em moradia fixa. O mercado de trabalho esvazia, a produtividade encolhe e, aos poucos, instala-se uma lógica perversa: a pessoa passa a perder, e não ganhar, ao escolher trabalhar. É o nascimento de um cabresto moderno — não mais de corda, mas de benignidade mal planejada, que aprisiona em vez de emancipar.
Só que o Brasil não cabe nesse cabresto.
O país pulsa na força dos que madrugam, dos que inventam soluções, dos que carregam o próprio sustento como quem carrega um estandarte. E é por isso que as políticas assistenciais precisam ser mais do que bondade: devem ser projeto. Projeto de vida, de futuro, de autonomia. Precisam oferecer caminho de volta ao mercado de trabalho, e não trilha sem saída.
Assistência é justa.
Dependência é cruel.
E entre uma e outra há um fio muito fino — o fio invisível do trabalho. É nele que se equilibra a verdadeira dignidade: aquela que reconhece a vulnerabilidade humana, mas também acredita na potência de cada pessoa em reerguer a própria história. Porque nenhuma nação cresce de braços cruzados. Cresce quando a mão que acolhe é a mesma que impulsiona.
E talvez seja esse, afinal, o maior gesto de amor que o Estado pode oferecer: não prender ninguém a si, mas acender a coragem de seguir adiante.










