Na nossa conversa anterior falamos um pouco sobre a felicidade e sobre a vida interessante. Citei aqui para vocês o renomado psicanalista Contardo Calligaris e sua visão sobre a felicidade. Falei sobre compras e sobre satisfação pessoal numa vida voltada à tirania da felicidade.
Por hoje, gostaria de refletir com vocês sobre a felicidade e o nosso passado.
De regra, pensamos no passado ou com pesar ou com nostalgia. Na nostalgia há a saudade, há as lembranças dos tempos bons vividos. Não há as ausências, os erros, os descaminhos. Aqui, nos erros, sim, encontramos o pesar de uma vida vivida e de uma vida pretensamente vivida, a vida que queria-se viver e não viveu.
O passado às vezes, não poucas vezes e como se uma entidade fosse, nos atormenta com vozes condenando-nos pelo que fizemos, deixamos de fazer, ou pelas tragédias que vivemos. Todos os verbos estão no passado. As lamentações e os choros invadem nossas almas como se fossem rios caudalosos nos sugando para os redemoinhos de suas águas.
É necessário um momento de lucidez, racionalidade e sagacidade.
Buscamos o ideal da felicidade e queremos, incansavelmente, essa vida seja estável e segura. Desejamos uma linha da vida retilínea, inabalável, estática. Desejamos ardentemente os momentos bons eternizados em nossa vida, simples e pacata.
Falemos sobre a estabilidade e segurança.
Hoje trago a metáfora do estatístico Nassim Nicholas Taleb, o qual, falando sobre o mercado financeiro, traz um importante ensinamento que podemos trazer para a vida falando sobre o erro de indução. O fato da ave “peru” ser bem tratada às vésperas do dia de ações de graças (ou do Natal) não significa necessariamente que no dia seguinte ele será bem tratado. Todos os dias a ave recebe ração de um humano e é induzida a acreditar que esse processo continuará a acontecer por muitos e muitos tempos. Mas o que ninguém contou a ela foi que esse “bem tratar” se dá até a véspera do Natal! A ave foi induzida ao erro e acreditou que tudo iria bem “Forever and ever”.
Veja bem, meu querido, minha querida, ao contrário do que se pensa, uma vida é recheada de riscos, não há estabilidade ou segurança em nada. Há a única certeza de que todos, um dia, não estaremos mais por aqui, não ao menos como corpos presentes.
Não há segurança e estabilidade na vida! Momentos ruins acontecerão, eles virão. Mas evitamos querer saber dos momentos ruins, e até da morte. Evitamos os momentos maus, penso, porque queremos o bem-estar da dopamina, da ocitocina correndo em nossas veias.
Queremos a felicidade. Falemos sobre ela.
É possível ter uma vida feliz? O que é a felicidade? Não somos felizes nos nossos momentos de mar agitado?
Não temos linhas aqui para aprofundar na filosofia, mas queria trazer Aristóteles para quem a felicidade é o fim que todo ser humano busca, o bem e desejo maior que guia todas as ações humanas. Felicidade é um fim, não um meio.
Penso já há algum tempo, felicidade plena é um querer a perpetuação dos momentos bons em nossas vidas, como se todos os dias fossem de temperatura amena, mar calmo, brisa suave e manjar dos deuses sendo servido. Como se nossas almas não se angustiassem com os dilemas da vida e da morte. Como se não tivéssemos que escolher entre o caminho do leste ou do oeste.
Não sejamos induzidos ao erro. Os mares agitados por meio das tempestades serão parte dos nossos caminhos. Cometeremos erros, alguns estruturais, e, sendo assim, passaremos por momentos difíceis, correremos riscos, porque correr riscos faz parte da vida!
Ora, se a felicidade é um fim, a virtude almejada, nesses momentos de depressão dos caminhos, não viveremos a virtude maior da vida, não seremos plenos? No despedaçar de nossas almas não haverá salvação? Seremos… infelizes?
Eis a questão! Gosto de pensar com Calligaris e pensar em uma vida interessante. Não nos atormentemos com os futuros momentos ruins, assim como com a imposição social de uma vida feliz. Prefiramos uma vida recheada de marcas de quem correu riscos, aprendeu a não ser induzido a erros, aprendeu com a estória do peru de Natal.
Uma vida interessante é uma vida recheada de momentos bons, momentos de aprendizado e, igualmente, recheada de momentos ruins pautada na sabedoria de um “perdoar-se” pelos erros passados, na certeza de que eles se foram e, no ciclo da vida, momentos bons virão. E vêm mesmo, mais ainda a quem descobre que prestando bastante atenção e com algum esforço, tudo serve para evoluir e talvez isto sim, seja o sentido maior da existência mundana.
Oi Moema. Li seu artigo. Gostaria de pontuar o seguinte: atualmente me parece que o conceito de felicidade perdeu completamente a relevância para uma sociedade que se rendeu ao hedonismo. Enquanto a felicidade estaria, digamos, no mundo abstrato das ideias, o mundo atual promete uma oferta incessante do prazeres efêmeros. Do mesmo jeito, as pessoas preferem o entretenimento ao invés do conhecimento. No geral, as pessoas confundem felicidade com prazer, daí nós percebemos que elas nunca estão satisfeitas, pois quando um prazer é sentido e consumido logo outro se oferece à nossa frente.