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25 de novembro de 2025
terça-feira, 25 de novembro de 2025
José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.
A opinião dos colunistas é de inteira responsabilidade de cada um deles e não reflete a posição de ES Hoje

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba

A comunidade de Araçatiba é muito particular, tanto pela sua cultura, quanto pelas pessoas que ali habitam desde os remotos tempos dos Jesuítas – outros ainda descendem dos povos originários que habitavam a região e de cuja cultura originou o nome da comunidade. Trabalhei diretamente com essa comunidade por 8 anos e aprendi, na prática, o que é a famosa “memória coletiva” – quando o que constitui a identidade de um grupo social ultrapassa os limites da individualidade e se constitui como uma lembrança que não se limita à um corpo, uma mente ou à uma única geração.

A mão que embala Araçatiba é coletiva e plural; ela atravessa as gerações.

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba
Jânio Leonardelli e sua obra em Araçatiba. Acervo do Artista

Araçatiba é uma pequena comunidade localizada no centro-sul do Espírito Santo, mais precisamente no município de Viana, na Região Metropolitana da Grande Vitória. Hoje considerada bairro, já foi fazenda de alta produtividade, tanto em seu período jesuíta, quanto nos tempos do Coronel Sebastião Vieira Machado, no fim do século XIX – quando também serviu refúgio para negros escravizados que naquelas terras se sentiam protegidos.

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba
Passos da Festa de São Benedito em Araçatiba: força da tradição que ultrapassa gerações / Fonte: CEDEOC/LEENA- Ufes

Em um texto anterior, eu mesmo critiquei os modos como esse projeto se instaura nas comunidades históricas que envolvem esses patrimônios – me parecendo este, talvez por desconhecimento meu, ser alheio às realidades locais e mais preocupados com um projeto que integra preservação patrimonial e espetacularização do patrimônio. Mas, tenho que dar o braço a torcer, pois o inimigo do possível é o ideal. Nunca saberemos de fato como exatamente funcionava uma estrutura cultural ancestral.

Temos apenas os relatos, mas estes tendem a ser falhos com os séculos, ou melhor, ao se adaptarem aos modos de sobreposição do poder, em especial, quando tomados pela escrita em detrimento da oralidade. Mas, este não é o foco deste texto que compartilho hoje com vocês. Meu olhar é sobre a obra de Jânio Leonardelli, incorporada nessa revitalização.

A revitalização do conjunto de Araçatiba: a mão griô da comunidade
no Centro de Interpretação do IPHAN

Há alguns meses, em visita à comunidade de Araçatiba, me deparei com as obras de revitalização daquela comunidade, ou melhor, do conjunto jesuíta dela. Lamentei que os grupos que estavam fazendo esse trabalho nunca tenham procurado a mim ou ao grupo de pesquisadores que dedicaram anos ao estudo daquela comunidade, gerando material de suporte para que ela se adaptasse aos novos tempos em que a oralidade e os modos de saber e poder tradicionais se perdem nas redes da geopolítica mundial de globalização da cultura. Mas, a história se faz também por omissões.

Hoje, indiscutivelmente, reconheço que como possibilidade de revitalizar estruturalmente aquela comunidade e tentar dar-lhe a devida visibilidade histórica, o projeto arquitetônico para esse local pode trazer-lhe, ou reinseri-lo, no circuito do turismo arqueológico, dando visibilidade à práticas culturais ancestrais da comunidade. Fazendo-a sobreviver.

No processo que envolve especificamente as obras nessa comunidade, fico feliz de ver, pelas mãos de Jânio Leonardelli, que a comunidade ancestral de Araçatiba deixa sua marca, talvez não de modo consciente dos atuais atores desse processo, mas certamente pela energia do Griôs que a protegem. Sua mão que trabalhou para que essa localidade atravessasse os séculos com a qualidade que conhecemos, fez-se presente na mente criadora do artista.

Jânio é um artista com um percurso consistente e referência artística no Espírito Santo. Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, descobriu que queria ser escultor e restaurador quando tentava enveredar pelo caminho de Técnico em Agricultura. Ao ser perguntado sobre como iniciou o trabalho como artista, ele nos informou que tudo:

Jânio Leonardelli: : “Começou dentro de uma marcenaria que eu frequentava com meu pai em Cachoeiro de Itapemirim. Ali entalhava na madeira meus primeiros trabalhos. Meu pai me deu de presente uma enciclopédia sobre a história da arte, então passei a estudar e conhecer as obras de grandes mestres universais das artes. Giacometti, Brancusi, Rodin, Bruno Giorgi, Alfredo Ceschiatti, Brecheret e muitos outros. A seguir fui estudar em Campos dos Goitacazes, ali conclui o curso técnico agrícola para depois agronomia. Depois, me mudando para a capital abandonei a agronomia e ingressei na escola de belas artes que ficava no centro do Rio, frequentei por um ano e meio. Depois, fui cursar escultura no Parque Lage, com o professor Pietro Zanni e outros. Fiquei ali quatro anos. Fui convidado para integrar e expor na galeria AMC Rio. Ficando como artista exclusivo dessa galeria […] Conclui os estudos da grade curricular da época, Escola de Artes Visuais Parque Lage”.

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba

Eu tenho escrito sobre os professores de escultura do Centro de Artes, a partir da relação com o grande mestre Carlo Crepaz. Leonardelli faz parte dos escultores que não tem formação na academia. É um dos poucos antigos do estado que não estudou com o Carlo Crepaz. Sobre isto ele afirma: “Não conheci o Crepaz, quando mudei para Vitória ele não estava aqui.”

Sua obra trafega entre o figurativo e um certo abstracionismo orgânico. Sua demanda de trabalho é tanto pública, quanto privada e compreende esculturas, restauros e pequenas esculturas que funcionam como troféus. Para Leonardelli,

JL: “minha produção atual vai desde a encomendas em mármore, bronze e resina. Tenho também uma linha da Proporção Áurea que desenvolvo para projetos. Estou trabalhando no projeto “Centauro” para uma exposição. Recentemente conclui uma obra de dois metros e vinte em cimento para o Instituto Modus Vivendi. […] meu trabalho se resume em criar uma atmosfera visual daquilo que vejo, toco e transformo utilizando técnicas em diferentes matérias primas.”

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba
Obras figurativas e abstratas que muitas vezes são maquetes de grandes obras ambientais

Interessante observar na imagem anterior que Jânio tem se associado às novas tecnologias para construí maquetes digitais de obras, ou ainda associando-as à impressão 3D, como numa obra que está em andamento nesse momento.

Sobre esse novo caminho que a modelagem e impressão 3D surgem no horizonte dos escultores, Leonardelli é enfático:

JL: “Eu vejo parecido quando surgiu a fotografia, diziam que a pintura ia morrer. A modelagem em 3D é fascinante, estou conhecendo mais a fundo, a manufatura, o feito manual, o hand made vai se valorizar ainda mais, porque vai se tornando mais raro.  O legal é quando um se completa com o outro.”

A Mão – obra par ao Centro de Interpretação Fazenda Araçatiba

No horizonte da produção desta artista que segue o silêncio produtivo de seu ateliê, Jânio Leonardelli recebeu a tarefa de ser o artista presente no Centro de Interpretação Fazenda Araçatiba. Projeto de recuperação dos sítios jesuítas no Espírito Santo que vem criando um roteiro pelo que resta da arquitetura jesuíta. O Centro de Interpretação parece estar propondo ser um projeto cultural que visa revitalizar a antiga Fazenda Jesuítica com o objetivo de integrar história, paisagem natural e gastronomia. Localizada onde hoje se encontram a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda e as ruínas da residência. O Centro pretende busca oferecer uma experiência acolhedora aos visitantes, permitindo uma conexão com o patrimônio histórico e a natureza.

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba
Acima: detalhes do processo de revitalização da ruinas da Residência jesuíta (2025).
Abaixo: Foto da Igreja de Araçatiba e das ruinas da Residência Jesuíta (cerca de 1960)

Entre os diferentes processos de revitalização do espaço, foi proposto a edificação de uma escultura que simbolizasse os esforços de camadas de história escrita pelas famílias que habitam a localidade. A “mão” negra fala simbolicamente desses descendentes de povos escravizados que encontraram em Araçatiba um conforto em meio a uma sociedade escravocrata.

PELAS MÃOS DOS GRIÔS: a força de uma obra de Jânio Leonardelli em Araçatiba

Para Jânio Leonardelli, a “mão” é um passo para nos guiar ao encontro da natureza.

JL: “Quando compartilhamos nossas limitações com as dos outros, como fazemos na relação áurea de vizinhos, complementamos nossas falhas e as dos outros, o que nos possibilita criar assim uma harmonia viva na arte da vida, comparável às harmonias criadas na música, na dança, no mármore, na madeira e na argila.

É possível viver dessa maneira porque as proporções do compartilhar recíproco, as proporções de ouro da natureza, estão integradas em nossa própria natureza, em nosso corpo e mente, pois que eles também fazem parte dessa natureza. Os processos básicos de formação de padrões que ela utiliza para dar forma tanto a MÃO HUMANA quanto a MENTE podem continuar a guia-las no que quer que estejam dando forma, desde que as MÃOS e as MENTES se mantenham fiéis a Natureza.

Leonardelli, parece ter capturado a mão dos Griôs que sustentam essa comunidade ancestral. Como uma cultura de resistência, essa comunidade também sobreviverá ao ímpeto hegemônico de espetacularizar o patrimônio. Mas, pelo menos assim, está assegurada a manutenção desse espaço de trocas coletivas. O que prevalecerá!

Guiados pela Dona Nini, pela Mãe Petronília e muitas outras mulheres ancestrais e atuais que fazem Araçatiba atravessar seus 3 séculos!

José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.

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