Espero que todos tenham passado bons dias de descanso e recomposição nesses dias do carnaval. Dizem que o Brasil inicia seu ano civil depois dessas festividades. Certamente, o nosso já está em franco andamento!
Sigo, a partir dessa semana, minha saga em escrever um pouco sobre a gravura em nosso estado. Sei da importância de artistas como Samu e Dionísio Del Santo nesse sentido, mas resolvi começar pelo ateliê em si de gravura no Centro de Artes da Ufes. A duas semanas, iniciei nossa conversa com o Grupo Varal de Gravura e seu impacto no fortalecimento dessa linguagem artística no cenário artístico local, com desdobramentos nacionais.
Sigo, hoje falando de um artista-professor que deu um novo gás para essa produção, desde os meados da década de 2000, somando-se aos esforços de Nelma Pezzi (que será tema de uma edição futura dessa coluna) para manter a linguagem em funcionamento no Departamento de Artes Visuais da UFES. Falo hoje de Fernando Gómez, um artista cubano, radicado no Brasil e professor do Centro de Artes desde 2004.
Fernando Gómez Alvarez nasceu em Cuba, e vive no Brasil desde 1996. Lá, iniciou suas atividades como artista e professor, tendo formado em Licenciatura em Artes plásticas, especialização em Pintura, Instituto Superior de Artes, em Havana, tendo sido professor instrutor na Faculdade de Artes Plásticas do Instituto Superior de Arte, também na capital cubana. De 1996 a 1999, foi professor visitante no Departamento de Artes Visuais no Instituto de Artes da Universidade de Brasília/UnB, em Brasília; entre os anos de 1999 e 2002, realizou o curso de Mestrado em Artes na UNICAMP (Campinas, SP), onde concluiu também seu doutoramento em Multimeios (2003 – 2007). Em 2004, tornou-se professor efetivo do Centro de Artes da UFES, com a missão de reforçar os trabalhos de retomada da gravura capixaba.
Quando perguntado sobre sua formação, Gómez esclareceu como foi se aproximando da gravura, Fernando Gómez: Minha formação no Ensino Médio em Artes, na ENA (Escola Nacional de Artes, entre 1972-76) foi em pintura. No entanto, sempre tive disciplinas de gravura, em particular, litografia. Aliás esta última cursei com dois grandes mestres: Tomás Sánchez e Luis Miguel Váldes. A xilo já tinha apreendido durante minha estância na Academia San Alejandro (1969-1972). No Instituto Superior de Artes, minha especialização foi Pintura. No entanto, quando comecei a fazer o serviço social em Ilha da Juventude (1982-84) ministrei gravura (sobre linóleo), desenho e pintura desde o início.
Gómez iniciou cedo também sua trajetória como artista, afirma que “Minha primeira exposição individual se intitulou “Imagem do homem”. “Eram acrílicas sobre papel ou madeira, assim como telas. Fiz na Galería Galiano, em 1983”. E segue definindo o lugar da gravura em seu percurso:
FG: A minha segunda mostra individual foi “Entre dois” conjuntamente com meu grande amigo e quem me iniciara na gravura em metal, Agustín Rolando Rojas. Foi na Galería Municipal de San Miguel del Padrón, município onde residíamos nos dois, em 1987. Nessa mostra eu somente exibi monotipias. Assim a gravura está presente desde os primórdios.

Para além desse trabalho como artista, Gómez entra na história da arte capixaba a partir de sua atuação como professor no Centro de Artes, trazendo experiências anteriores e estruturando-se também a partir do resgate da gravura no Departamento.
Gómez destaca que um de seus primeiros trabalhos no Centro de Artes foi o resgate das copias impressas e depositadas em mapotecas de modo desorganizado e sem proteção.
FG: Quando trabalhei como professor visitante na UNB, entre 1996-1999, ministrei várias disciplinas, e comecei a fazer monotipias. Inclusive fiz um curso de extensão sobre essa técnica. Quando fui aprovado no concurso para professor efetivo na UFES, eu me apresentei na área de gravura e desenho. De fato eu vim com dois livros debaixo do braço: o clássico “Imagem e letra” de Ferreira e “Prints & Printmaking” de Griffiths. Durante o Mestrado e a seguir, durante o Doutorado (1999-2007) basicamente dediquei-me à escrita e ao desenho. Ate 1998 tinha realizado uma individual de desenho ou pintura anualmente. Aqui, primeiro trabalhei com os alunos na recuperação da sala de gravura. E desde 2004 tenho basicamente trabalhado com gravura e desenho, embora nos últimos tempos voltei a pintar.
Fernando também tem se dedicado a pesquisas sobre a Gravura no Espírito Santo, resgatando. Muito de sua história e imagens que formarão um grande acervo sobre essa linguagem em nosso estado. Juntos, ele e eu estamos planejando um rico material que compartilharemos aqui ou pela versão impressa na página que temos no ES HOJE impresso, que é disponibilizado todas as sextas.
FG: Como te disse noutro momento, eu redigi ao mesmo tempo seis artigos sobre Samú e um sobre Yara Mattos. No entanto, preciso deixa-los repousar um pouco antes de fazer a versão definitiva (coisas do meu inconsciente). Agora bem, pedistes três coisas: Gravura pouco tóxica (esse eu topo desde já), Sobre Samú está quase pronto (não contabilizei as palavras), mas você me pede dois. Tenho de reler o que fiz e te dou um retorno.
A obra de Gómez também é extensa, tanto como professor que “tira leite” de uma estrutura ainda sucateada pela falta de investimentos públicos na recuperação da oficina – por parte do Governo Federal e/ou das políticas pública vigentes, as quais parecem reiterar o lugar secundário das artes. Seu foco nesses últimos anos tem sido a pesquisa sobre gravura não tóxica, utilizando materiais e produtos com baixo ou nenhum impacto ambiental. Por agora, tem também buscado melhorar a infraestrutura para a produção de gravuras de modo seguro.
Para além das melhorias físicas na Sala de Gravura, Fernando Gómez tem se organizado para digitalizar o acervo que existia, resguardando não apenas o histórico da gravura capixaba, mas também um pouco dos processo que envolvem a atual sala de gravura e sua produção.
FG: As gravuras estavam guardadas numa mapoteca vertical suspensa de madeira, modelo de o projetista. Estava fechada fazia muito tempo e com um cheiro muito forte. Quando fizemos aquele projeto Papel UFES, Frankilandia, Attilio e eu, em 2010, aproveitamos para fazer a limpeza mecânica em umas e a limpeza completa noutras com a restauradora de Belo Horizonte. A maioria tinha muita fita adesiva que acidificaram o papel. Existe uma versão digitalizada das 500 gravuras tratadas.
Organizado em pastas, Fernando Gómez mantém em arquivo digital, esse material está se tornando um rico acervo sobre a gravura capixaba e vem sendo compartilhado por meio de textos e artigos de circulação local e nacional.
A produção de gravuras de Gómez tem o frescor de quem domina o desenho e os procedimentos gráficos.

Mariana Reis, ao escrever sobre o artista-professor e seu processo criativo, considerou: “Posso afirmar que a constante pesquisa de novos métodos e materiais para o melhor desenvolvimento da técnica de gravura, é certamente uma iniciativa do professor que se estendeu aos alunos mais dedicados. Em visitas ao ateliê particular do professor Fernando, observei que o artista desde a época estudantil já desenvolvia uma pesquisa própria que envolvia principalmente o hibridismo das linguagens artísticas”.
De modo geral, podemos afirmar que Fernando Gómez conhece a gravura como quem vive a gravura. Ela permeia seu dia a dia, sua casa, sua vida profissional.
Segundo Reis, “observando os registros do seu processo de criação realizado em diferentes épocas, percebemos como sua rotina diária é presente no seu trabalho, principalmente a rotina familiar. Em períodos anteriores ao seu casamento e nascimento de seu filho, encontramos em seus registros vários esboços de obras onde a presença de familiares e amigos é constante, mas há também trabalhos onde não há um envolvimento afetivo com o tema, são pessoas e objetos aleatórios tirados principalmente de revistas, mas esses trabalhos não foram desenvolvidos ao ponto de se tornarem obras prontas, evidenciando a importância do envolvimento afetivo do artista com o tema escolhido”.
Assim, quando percorremos partes do portifólio desse gravurista, nos deparamos com formas e cores; matizes de um dia a dia repleto de reflexões sobre uma ilha do passado na qual pensa as dicotomias de um governo totalitário (no qual o saneamento é uma utopia) e de lembranças e afetos de amigos e familiares. Gómez vive no entre-espaço entre a arte e a vida, no qual tudo que é vida se torna arte.


A gravura segue viva!!
Revisão: Giuliano de Miranda