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16 de fevereiro de 2025
domingo, 16 de fevereiro de 2025
José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.
A opinião dos colunistas é de inteira responsabilidade de cada um deles e não reflete a posição de ES Hoje

O JOIO E O TRIGO: semeando boas sementes e edificando as bordas

O JOIO E O TRIGO: semeando boas sementes e edificando as bordas

Normalmente, apesar de minha formação religiosa, nunca misturo minhas crenças com minhas perspectivas de debate. Minha mãe dizia que religião, política e futebol não se discutem. Ela dizia isto não para evitar o debate – sempre salutar -, mas porque os radicalismos afetivos nunca nos levam a reflexões geradoras.

Mas, hoje especificamente, pensando na palestra de reabertura do semestre na UFES, me vejo tentado a buscar um pouco das Parábolas para iniciar nossa conversa. Em Mateus 13, 27-30, uma pequena reflexão sobre as sementes que plantamos e os frutos que colhemos; ainda, sobre outras sementes que se misturam em nossas plantações e podem comprometer nossa safra.

Quando o trigo brotou e formou espigas, o joio também apareceu.
Disseram-lhe: ‘O senhor não semeou boa semente em seu campo?
Então, de onde veio o joio?’
‘Um inimigo fez isso’, respondeu ele.
Então lhe perguntaram: ‘O senhor quer que o tiremos?’
“Ele respondeu: ‘Não, porque, ao tirar o joio, vocês
poderiam arrancar com ele o trigo.
Deixem que cresçam juntos até a colheita. Então direi aos encarregados
da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser
queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro’
“.

Há alguns anos, mas especificamente em 2004, quando terminei meu doutoramento, decidi que não mais discutiria arte de outro lugar que não do Espírito Santo. Não por algo que se pareça com rejeição do que vem de fora, ou do que está fora, mas efetivamente para olhar para nós mesmos. Passei a afirmar para meus colegas, alunos e mesmo para outros artistas: “Os paulistas falam de artistas paulistas; os cariocas de artistas cariocas. E o resto do país fala deles. Depois reclamamos que eles são o centro cultural do Brasil. Nós os colocamos nesse lugar”.

Com essa fala, fui construindo ao longo desses anos um importante acervo bibliográfico e imagético sobre a produção artística capixaba. Mostrando aqui, no Brasil e pelo mundo o que nós produzimos, e quem são nossos produtores, em especial das artes visuais. Mas, o mais importante, fui semeando uma boa semente e tenho um grupo de pesquisadores que tem se dedicado a esse trabalho de dar visibilidade ao que se constroi na borda dos centros culturais desse país.

Nesse caminho, encontrei parceiros portugueses, espanhóis e, em especial latino-americanos preocupados em debater o que se estrutura  para além dos centros (chamados) hegemônicos. O Projeto Em Los Bordes (Granada, Espanha), da artista e professora Fernanda Gil; o Projecto Património (Viseu, Portugal); as iniciativas do GEAP-Latinoamérica (Grupo de Estudos sobre Arte Pública na América Latina – Buenos Aires, Argentina), e muitos outros em volta de amigos e egressos no México, Venezuela ou Colômbia, são alguns dos exemplos de iniciativas que vem construindo um lugar do debate das artes fora do eixo anglo-saxão. Buscamos colocar luz sobre os invisibilizados do sul global. São como sementes sameadas entre outras – algumas prosperam, outras morrem… esse ciclo da vida é também ciclo dos sistemas artivistas que nos colocamos.

Nesse debate, encontramos a professora Paula Guerra, do Departamento de Sociologia da Universidade do Porto. Com uma carreira edificada sobre as questões da sociologia, desdobrou-se ao debate das artes (visuais, cinematográfica e música) e da cultura para debater o Sul Global, ou seja, reunir pesquisas e debates sobre práticas de resistência à hegemonia das culturas dominantes.

Um ato de construção de estratégias de visibilidade das chamadas culturas undergrounds, dos grupos marginalizados pelo sistema; dos que constroem as perspectivas da diversidade. Nesse sentido, ela criou uma rede de pesquisadores mundiais para debater o sul global (mesmo estando Portugal no hemisfério norte); mas ela mesma declarou que não considera Portugal efetivamente no Norte Global, pelo menos pelo ponto de vista de suas análises sobre a sociedade portuguesa inserida no contexto europeu.

O JOIO E O TRIGO: semeando boas sementes e edificando as bordas
Detalhe da chamada de trabalhos para o evento Todas as Artes, Todos os nomes. Universidade do Porto

Uma reflexão sobre plural e resistência

Mas, uma coisa me preocupa nesses últimos anos também. Desde 1999, quando fazia uma conferência sobre Cultura e Direito, pude refletir com os participantes duas situações: 1) a ideia de globalização que se instaurava; 2) o espaço virtual que se configurava com território sem regras. Era final dos anos de 1990; eu discutia que a globalização seria como um estímulo para um distanciamento real entre todos; que a ideia de impor uma cultura global era uma ameaça e que possivelmente o que teríamos como resposta seria uma fragmentação extremista da sociedade.

Essa ideia de globalização (em especial a financeira – única viável até então) afetava alguns dos principais princípios do Estado Moderno, que organizou o mundo como o conhecíamos nos últimos dois séculos: o princípio da soberania dos governos sobre seu território e o conceito de propriedade privada (autoria). Sobre esta segunda, vimos a indústria fonográfica ter que se reestruturar e criar plataformas que vendem músicas isoladas – práticas como o “disco de ouro”, os equipamentos de última geração para ler Compact Disks … tudo abandonado nesse novo sistema; sem dizer que ninguém parece ser autor de mais nada… os limites foram expandidos e muito joio se espalhou nessa plantação do digital.

Sobre a fragmentação social, vimos as últimas décadas devolverem a independência a sociedades suprimidas nos acordos Pós-Guerra Mundial, mas também extremismos étnicos jamais vistos. Enfrentamos um cotidiano repleto de diversidade, de pluralidade, mas também vivemos situações limítrofes que nos fazem pensar o que estamos colhendo.

O pior: estamos vendo colonialismos novos, e conduzidos por agentes de um discurso contra hegemônico. Foucault parece ter mais razão que nunca; a luta pelo poder é cega. Viramos algozes de nossos algozes (é resistência); o que é quando nos tornamos os algozes dos nossos semelhantes? Quando reduzimos a questão dos povos africanos escravizados a uma África única – como se ela não fosse o maior e mais diverso continente desse planeta – tratamos Angola, Quênia, Sudão, Egito, Síria e outros como se não existissem e estivessem sob o rótulo de “África”, estamos sendo plurais?

Ou estamos sendo tão colonialistas quanto os que nos invadiram a séculos e dizimaram nossos povos originários?

A causa mais dura desse processo de revisão da hegemonia colonial do Norte Global, deve ser nossa reflexão sobre o que plantamos e colhemos: joio ou trigo?

Na fala da professora Paula Guerra nessa semana que se segue, poderemos discutir um pouco mais sobre isto.

Serviço:
Revisão: Giuliano de Miranda
Artivismo: ativismo político-social movimentado a partir da produção e circulação das linguagens artísticas. Saiba mais em: https://artery.global/artivismo-quando-a-arte-encontra-a-causa/
Palestra da Professora Paula guerra: dias 4, 5 e 6 de fevereiro, no Centro de Artes da UFES. Palesta do dia 4 no auditório no CEMUNI IV (entrada franca).

José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.

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