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17 de julho de 2025
quinta-feira, 17 de julho de 2025
José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.
A opinião dos colunistas é de inteira responsabilidade de cada um deles e não reflete a posição de ES Hoje

QUANTAS ILHAS HABITAMOS? Quantas estrelas olhamos?

QUANTAS ILHAS HABITAMOS? Quantas estrelas olhamos?

Vitória, completou seus 473 anos nesse fim de semana passada. Não posso deixar de lembrar disto, pois é parte de mim também, por isto ela, de certo modo, é meu tema hoje. Escolhi falar na coluna dessa manhã, então, sobre espaços formativos conhecidos como Centros de Ciências, Educação e Cultura que sintetizam um pouco desse percurso temporal que essa cidade percorreu. Um pouco de nossos quase cinco séculos de história em cada um deles.

Essa rede de equipamentos de cultura e conhecimento, organizada pela Secretaria de Educação, a SEME, é composta pelo Planetário de Vitória (que aliás habita o local do meu trabalho, na UFES), pela Praça da Ciência, pela Escola da Ciência Física, pela Escola de Inovação e pela Escola da Ciência – Biologia e História (ECBH).

QUANTAS ILHAS HABITAMOS? Quantas estrelas olhamos?
Vista de alguns dos Centros de Ciência, Educação e Cultura da PMV (CCEC’s). Fonte: tripadvisor.com.br

Segundo a atual diretora da ECBH, Eliane Rodrigues Marques, “todos estes equipamentos municipais estão organicamente articulados em torno do objetivo de educação, da popularização e difusão da ciência e da cultura, vinculados à práticas educativas socialmente referenciadas”. É ainda visível que, recentemente, o investimento expressivo na reestruturação e revitalização dessa rede é fundamental para que possamos entender um pouco de nós e do futuro que pretendemos.

É ainda visível que, recentemente, o investimento expressivo na reestruturação e revitalização dessa rede é fundamental para que possamos entender um pouco de nós e do futuro que pretendemos.

Na impossibilidade de falar de todos eles, pelo próprio tamanho do espaço que tenho, decidi destacar hoje um dos cinco projetos que integram essa rede de conhecimento, organizada pela Secretaria de Educação, a SEME, a Escola da Ciência – Biologia e História (ECBH).

Escolhi destacar a ECBH por dois motivos: um deles relacionado ao trabalho de pessoas que eu estimava muito (já falecidos) que ajudaram na construção dos ambientes internos da ECBH; outro, porque, recentemente, meu laboratório de pesquisa passou a integrar-se ao espaço com a doação de uma de nossas peças em 3D. Gosto sempre de iniciar meus textos aqui por percursos que atravessam tanto o objeto de minha escrita, quanto a minha vida. Nesse caso, não será diferente.

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Escola de Ciências, Biologia e História (ECBH-PMV). Monitor explicando sobre a réplica de Dona Domingas, em 3D. 2024. Foto: Jovani Dala

Nos finais de 1999 e início da década de 2000, alguns colegas meus e alunos do Centro de Artes da UFES se colocaram numa missão que, embora eu não tenha acompanhado fisicamente, ouvia relatos semanais. Capitaneados por Renato Caseira e Paulo Cesar Jeveaux, a equipe da UFES estava criando simulacros de ambientes em um projeto público no Sambão do Povo, em Santo Antônio (o foco central, naquele momento, era Educação Ambiental).

A habilidade de Caseira e Jeveaux – evidenciada nos adereços dos desfiles de escolas de samba que cruzavam aquela estrutura anualmente -, era fundamental para que os fac-símiles fossem réplicas confiáveis dos microssistemas criados e ali apresentados. Foi um projeto interessante que se desdobrou ao longo dos anos, até a inauguração do espaço em 2001. Fiz apenas uma visita desde sua inauguração e, embora interessante e promissora a ideia, problemas com o deslocamento, o funcionamento e a manutenção deixavam sempre a desejar e culminaram no quase abandono da estrutura.

Recentemente, retornei ao local e fiquei maravilhado. Era visível o robusto investimento naquele espaço para que ele retomasse seu valor histórico e educativo. Voltei por conta da doação que meu grupo de pesquisas na UFES estava fazendo à ECBH: estávamos doando uma réplica em 3D de Dona Domingas, escultura clássica de Carlo Crepaz, ao pé da Escadaria Barbara Lindemberg, no Centro de Vitória.  Dona Domingas foi moradora de Santo Antônio e quando ela volta para um espaço educacional e cultural como este, ela retoma sua origem e mostra, também às centenas de crianças que visitam aquele espaço, o que uma mulher pobre e negra tem a lhes ensinar.

Muitas das crianças não apenas se identificam com ela, mas sobretudo se espelham nela por compreendem a importância de uma vida dedicada a superar as dificuldades diárias e o que representa sua imagem naquele espaço. Dona Domingas, de volta a Santo Antônio é como tira-la do silêncio e quase esquecimento na escadaria do Governo Estadual e projeta-la no protagonismo social que irá preserva-la como monumento.

É um ciclo cultural que devolve a obra de arte à sua origem, e com isto, por meio da afetividade, espelha-se como fenômeno identitário que a ressignifica como monumento e liga, de novo, o bairro tradicional com o Palácio do Governo. Isto somente é possível porque o espaço da ECBH permite isto. Ele é formativo e pautado na vivência afetiva dos espaços e de nossa história, relembrados em ações educativas.

Como esse espaço permite isto?

Desde sua inauguração, a ECBH se propôs à cidade como um espaço educacional alternativo para se repensar nosso território tanto em termos de fauna e flora, quanto em termos arquitetônicos, históricos e arqueológicos, mas sobretudo, numa perspectiva antropológica. Entretanto, padeceu com o abandono de sucessivas gestões municipais, para renascer forte nos últimos anos, com um investimento robusto da Prefeitura Municipal de Vitória na sua reestruturação e reconfiguração.

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Diferentes ambientes da Escola de Ciências, Biologia e História (ECBH-PMV). Foto: Divulgação

Seu atual funcionamento reflete uma preocupação da SEME-PMV com os aspectos educacionais e formativos da nossa cidade. O espaço apresenta roteiros para visitas guiadas que tentam dar conta de um ambiente científico que trabalha os conhecimentos das Ciências Humanas e Naturais por meio de cartografias, maquetes históricas que representam o Patrimônio Histórico-Cultural capixaba, bem como aquários de água doce e salgada e outros dioramas que representam os ecossistemas de Manguezal, Restinga e Mata Atlântica presentes no Espírito Santo.

Com um trabalho efetivo que inicia na Secretaria de Educação (que desde o início tutela esse e outros quatro espaços na nossa capital), mas que se estende à equipe da ECBH, garante-se um trabalho formativo que prioriza nossa história em fluxo de formação diferenciada que o espaço hoje permite.

Chamo aqui a imagem da maquete da ECBH que representa a ilha de Vitória. Ao longo dos meus anos como pesquisador, sempre estudei que Vitória fora um arquipélago e não uma ilha. Habitualmente, passo pelos bairros de Ilha de Santa Maria, Ilha de Monte Belo, entre outras que chegaram a desaparecer para fazer os aterros.

QUANTAS ILHAS HABITAMOS? Quantas estrelas olhamos?
Maquete da Ilha de Vitória na Escola de Ciências, Biologia e História (ECBH-PMV). Em verde a área natural da ilha; em beje os planos decorrentes dos inúmeros aterros da nossa capital. Foto: Divulgação

Segundo Délio Grijó, em um texto para o site Morro do Moreno,

[…] Foram anexadas a Vitória, por força de aterros, as ilhas do Boi,
Bode, Sururu, Príncipe, Caieira, Monte Belo e Santa Maria.
A Ilha do Rebelo foi desbastada para servir de material de aterro para
Bento Ferreira e dar passagem à avenida Marechal Mascarenhas de
Morais, a Beira-mar. As Ilhas de Santa Maria e Monte Belo
praticamente encostavam na Av. Vitória. A Ilha do Príncipe
era uma alternativa para a ligação de Vitória ao continente;
além dela, os cinco vãos da Ponte Florentino Avidos,
e mais um outro que hoje é chamado de Ponte Seca,
próximo ao Mercado da Vila Rubim, completavam a
ligação Vila Velha—Vitória. Por volta de 1967,
durante o governo do Dr. Christiano Dias Lopes,
um aterro anexou as ilhas do Príncipe e Caieiras à Capital.

Ora, conhecer documentos escritos que relatam as ilhas que formavam nossa capital era uma coisa. Ter a noção visual disto é muito diferente. Essa visita na ECBH-PMV é reveladora do que fizemos com a natureza em função do pretenso desenvolvimento urbano. Isto não podemos mudar, mas podemos evidenciar e permitir que todos conheçam a sua história como morador da nossa capital. A maquete da ilha está disponível à visitação de todos, alunos de escolas públicas e privadas de todas as idades, ou da EJA, ou de grupos agendados de todas as classes sociais.

QUANTAS ILHAS HABITAMOS? Quantas estrelas olhamos?
Visitação na maquete da Ilha de Vitória na ECBH-PMV, parte integrada da compreensão de nossa geografia insular

Essa maquete e o roteiro que ela integra nos dão a evidencia do tratamento que se deu recentemente ao valor histórico e documental da ECBH. Um projeto que cumpre seu papel social, cultural e educativo. Conhecemos um pouco mais de nossa culinária; sobre os povos originários; sobre nossa fauna e flora, mas, sobretudo, conhecemos mais do Espírito Santo, por meio da visitação em ambientes muito bem cuidados e administrados, conhecemos nosso ecossistema (partes de nossa fauna e flora), nossa arquitetura histórica, parte de nossa formação com cidadãos plenos.  Ainda segundo a diretora da ECBH, “Nosso maior público é de estudantes da educação básica, mas atendemos também estudantes de graduação e professores através das formações ofertadas pela rede municipal de Vitória.” É um espaço público, acessível e aberto.

Este é um espaço público, acessível e aberto. Este e um projeto localizado em um setor ancestral, a região da Grande Santo Antônio, e congrega as diferentes camadas sociais da nossa cidade, pois o conhecimento atravessa as diferenças. Somos diferentes e iguais. Habitamos uma ilha que ora foi arquipélago. A Escola de Ciências, Biologia e História é para todos.

Quantas ilhas habitamos ao habitar Vitória!

Serviço:

Localização: Av. Dário Lourenço de Souza – Mário Cypreste, Vitória – ES, 29027-215 (Sambão do Povo)

A ECBH está na Região Administrativa de Santo Antônio, possui área construída de 2000 m². Para visitação, deve-se fazer agendamento no local ou por telefone: (27) 3332-1612

Site: https://sites.google.com/edu.vitoria.es.gov.br/ccec-ecbh/in%C3%ADcio
E-Mail: ccec_ecbh@edu.vitoria.es.gov.br
Horário de funcionamento: Terça a sexta-feira de 8h às 12h e de 13h às 17h

José Cirillo
José Cirillo
José Cirillo é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES,) onde é professor titular e coordenador do Programa de Pós-graduação em Artes. Pós-doutor em Artes pela Universidade de Lisboa. Foi Pró-reitor de Extensão da UFES (2008-2014); Diretor do Centro de Artes (2005-2008). Atua como coordenador do Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes (LEENA), desenvolvendo pesquisas sobre a arte e a cultura capixaba.

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